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Que país era a Grécia antes da crise?

Cabeleireiras e massagistas eram profissões "árduas e insalubres" e davam direito a reforma aos 53 anos. Governos sucessivos eram incapazes de mudar um país que, ainda assim, merecia elogios do FMI.

O Conselho Europeu decidiu em junho de 2000 que a Grécia já cumpria os critérios económicos e orçamentais para se juntar à união monetária. Uma decisão errada, na opinião da atual chanceler alemã Angela Merkel, que culpa o seu antecessor, Gerhard Schroeder. Era – todos concordarão – uma economia pejada de vícios, sem competitividade no mercado internacional e muita, muita economia paralela. Um país onde uma cabeleireira, uma massagista ou até um trombonista podiam reformar-se aos 53 anos, por terem uma profissão considerada de desgaste rápido. No tempo do crédito barato, os desequilíbrios foram-se acumulando e a dívida também, mais até do que se admitia. Até 2009. Foi aí que os problemas rebentaram na cara de uma Europa que, até então, pouco tinha feito – pelo menos, que se saiba – para contrariar o rumo da Grécia, onde qualquer tentativa de reforma estrutural esbarrava nos interesses instalados. O que não impedia, contudo, que o FMI, em 2008, apontasse a Grécia como o único país do Sul da Europa que estava a aproveitar a globalização da economia para crescer e ganhar produtividade.

A Grécia tinha-se tornado membro da Comunidade Económica Europeia (CEE) em 1981, numa altura em que o país vivia uma época dourada a recuperar da ditadura militar que governou o país entre 1967 e que caiu no mesmo ano em que, em Portugal, caiu o Estado Novo, em 1974. O Partido Nova Democracia, hoje liderado por Antonis Samaras, venceu as primeiras eleições democráticas após o regime ditatorial, em 1974, e voltaria a ter maioria nas eleições antecipadas de 1977. O primeiro-ministro era Konstantinos Karamanlis. Só em 1981 os socialistas do PASOK, principais opositores à junta de coronéis que governou até 1974, chegaram ao poder. Foi pela mão de Andreas Papandreou, filho de George Papandreou – que fora chefe de Estado no início da década de 60 – e pai do outro George Papandreou, que era primeiro-ministro em 2010, quando a Grécia pediu assistência internacional, e que liderou os destinos do país até novembro de 2011.

Andreas Papandreou, antigo chefe do governo grego, fotografado em 1968. Era o pai do primeiro-ministro George Papandreou, que viria a pedir o resgate externo em 2010.

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Entre 1981 e até 1993, o país viveu uma era de paz social nutrida pelo modelo de Estado Social implantado pelos socialistas do PASOK que, nesta altura, gozavam de elevada popularidade entre os eleitores. Ao mesmo tempo, contudo, a desvalorização do dracma era um expediente a que as autoridades gregas recorriam frequentemente, até ao momento em que, em 1992, a Grécia se juntou ao Sistema Monetário Europeu (SME), que tinha sido fundado em 1979 para estabilizar o valor das moedas entre alguns países europeus e que foi um precursor do euro. Entre 1979 e até esse momento, a divisa grega foi depreciada em cerca de 85%, segundo algumas estimativas, o que reduzia a dívida e ajudava a disfarçar os desequilíbrios do modelo económico grego que se acumularam nesses anos. A partir desse ano, 1992, tudo mudou.

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Entre 1979 e até 1992, com a adesão ao Sistema Monetário Europeu, a divisa grega foi depreciada em cerca de 85%, o que ajudava a disfarçar os desequilíbrios do modelo económico grego que se acumularam nesses anos.

O governo grego, que em 1993 voltou a ser liderado pelos socialistas do PASOK, começou a sentir grandes dificuldades em adaptar as receitas e despesas do Estado para cumprir as metas estabelecidas pelo Tratado de Maastricht, assinado em 1992. E começou a aumentar a pressão externa para que o país avançasse com mais privatizações. A economia não estava, simplesmente, a produzir o suficiente para financiar as despesas do Estado. Em parte porque na Grécia, o país europeu com maior peso relativo de trabalhadores independentes, dois terços dos trabalhadores declararam menos rendimento do que auferiram na realidade ou nem sequer apresentaram declaração de rendimentos. Ou seja, dois em cada três trabalhadores não pagavam os impostos devidos. Esta foi uma estimativa de Stephen Hall, um economista conselheiro do Banco da Grécia.

Em 2010, precisamente na altura do resgate internacional em que participou o Fundo Monetário Internacional (FMI), o organismo com sede em Washington escrevia que “a Grécia entrou na recessão com vulnerabilidades profundas“, com “crescimento em queda e uma dependência pesada do crédito externo”. “A dívida pública aumentou comensuravelmente de menos de 100% para 115% do produto interno bruto (PIB) no final de 2009”, notava esse mesmo relatório.

Contudo, dois anos antes, o mesmo FMI tecia grandes elogios à Grécia, num outro relatório em comparava a competitividade das economias de França, Grécia, Itália, Portugal e Espanha. “Tem sido fraco o sucesso da maioria destes países no aproveitamento do aumento dos fluxos económicos internacionais para obter um crescimento económicos maior. Só a Grécia demonstrou um crescimento per capita robusto, suportado por ganhos de produtividade comensuráveis“, escrevia o FMI, notando que entre 1996 e 2006 o PIB real per capita cresceu 3,6%, contra os 1,4% de Portugal e os 1,1% de Itália.

O FMI viria, em 2013, a fazer um mea culpa quando admitiu que subestimou o impacto que teriam para a economia grega as medidas de austeridade que foram impostas ao abrigo do resgate iniciado em 2010. E que o organismo se desviou dos seus próprios padrões quando aceitou intervir no país sem que tivesse sido feita, logo à partida, uma pesada reestruturação da dívida grega. Dívida que, afinal, não era sustentável.

O FMI elogiou em 2008, sob a liderança de Dominique Strauss-Kahn, o aumento da produtividade que verificava na economia grega.

Alex Wong/ Getty Images

Este crescimento de 3,6% não fora, todavia, um crescimento obtido “à base de um modelo que assegurasse um crescimento sustentável”, como viria a reconhecer o Banco da Grécia, na sua “Crónica da Grande Crise“, publicada em 2014. “A sociedade grega mostrou uma clara preferência pelo consumo, em detrimento da poupança e do investimento, ao mesmo tempo que reagia fortemente contra quaisquer tentativas de mudar estruturas estabelecidas”, escreveu George Provopoulos, que foi governador do banco central grego entre 2008 e 2014. Além disso, “o sistema político atribuiu uma grande importância aos custos políticos e, assim, hesitou na altura de tomar medidas de reforma decisivas”. Em suma, o governador reconhece que “o país desfrutou das vantagens da moeda única, mas não tentou corresponder às obrigações associadas“.

A sociedade grega mostrou uma clara preferência pelo consumo, em detrimento da poupança e do investimento, ao mesmo tempo que reagia fortemente contra quaisquer tentativas de mudar estruturas estabelecidas. O país desfrutou das vantagens da moeda única, mas não tentou corresponder às obrigações associadas.
George Provopoulos, ex-governador do Banco da Grécia

A legislação laboral e o sistema de segurança social eram parte do problema. Era possível a alguém que tivesse começado a trabalhar aos 16 anos e que acumulasse 37 anos de contribuições sociais reformar-se, com pensão total, aos 53 anos. Além disso, antes da crise, profissões como os padeiros, os massagistas e as cabeleireiras eram consideradas profissões “árduas e insalubres”. 

Em 2008, um relatório do observatório EurWORK (European Observatory of Working Life) já recomendava ao governo grego uma revisão da lista de profissões que davam direito a uma reforma antecipada. Esta lista tinha sido vertida em lei em 1951 para proteger os trabalhadores cuja laboração em condições “árduas e insalubres” tornava mais provável que estes trabalhadores sofressem problemas de saúde crónicos ou morte prematura. As regras ditavam que quem se dedicasse a estas profissões tinha direito a uma reforma antecipada (com valor total) aos 60 anos para os homens e 55 para as mulheres e, além disso, uma reforma antecipada (com pensão reduzida) aos 53 anos, tanto para homens como mulheres.

Por estarem expostas regularmente aos químicos contidos em alguns produtos de beleza, as cabeleireiras podiam reformar-se aos 53 anos.

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O relatório da EurWORK recomendava que algumas profissões deveriam sair dessa lista, que incluía trabalhadores na produção farmacêutica, empregados de mesa, operadores de loja em grandes superfícies e cabeleireiras, estas últimas que pela exposição regular a químicos de coloração de cabelo são mais propensas a problemas respiratórios. Como contou, em 2010, um correspondente grego para o britânico The Independent, que falou do caso dos trombonistas, os músicos também tinham uma destas profissões “árduas e insalubres”. A organização defendia, além da retirada de algumas profissões desta lista, a criação de um sistema faseado, com quatro tipos de profissões organizadas conforme os perigos associados.

Nesse ano de 2008, o governo liderado – ainda – pelos conservadores do Nova Democracia, liderados por Costas Karamanlis, tentou fazer uma reforma ampla do sistema de segurança social. Enfrentou grande oposição por parte dos parceiros sociais e dos partidos da oposição, como notou, na altura, o próprio observatório EurWORK. O governo sublinhou que as alterações eram necessárias para assegurar a sustentabilidade da segurança social, mas todos os partidos da oposição rejeitaram o plano e, em conjunto com os sindicatos, começaram a recolher assinaturas para lançar um referendo.

As tentativas de reforma da economia foram sempre combatidas por forte contestação nas ruas. Mesmo antes do resgate da troika.

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Em 2009, o governo recém-eleito de George Papandreou, pelo PASOK, decidiu enfrentar o verdadeiro défice das contas públicas gregas. O défice de 2009, ano de eleições, não tinha, afinal, sido de 3,7% mas sim de quase 14%. Daí vieram os sucessivos cortes de rating e a perda do acesso aos mercados de capitais quando se verificou que, da Alemanha, mais do que manifestações de apoio o que mais se ouvia eram sugestões de que o país deveria vender ilhas (um processo que viria a avançar) e algumas ruínas com valor arqueológico para tapar a cratera financeira que se acabara de ser revelada. Uma cratera formada ao longo de vários anos de desorçamentação e desperdício nos serviços do Estado, corrupção, fuga generalizada aos impostos e uma economia com um grau de dependência do exterior que se assemelhava aos países emergentes mais desequilibrados.

Todas as mudanças que foram, entretanto, feitas na sociedade e na economia foram combatidas com a forte contestação que é conhecida, pelas imagens que correram mundo nos últimos cinco anos. Quanto aos méritos dessas medidas, isto é, se o país beneficiou das mudanças impostas pelos programas da troika ou se a Grécia caiu num buraco ainda mais profundo, os eleitores gregos irão pronunciar-se nas eleições do próximo domingo, dia 25 de janeiro.

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