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Existe um prazo para o Presidente dar posse a um governo?

Não. A Constituição não impõe nenhum limite ou prazo pós-eleitoral para o novo Governo tomar posse.

Na verdade, fica tudo nas mãos do Presidente da República, que decide quem deve indigitar para formar Governo com base no resultado das eleições. Nada na lei permite ao Presidente impor condições para a formação do Governo mas também nada lhe impõe prazos para tomar essa decisão.

E Cavaco Silva, a avaliar por declarações que fez quase há um ano, parece não estar tão preocupado com os prazos quanto com a estabilidade, preferindo uma negociação mais longa e detalhada entre os partidos em prol do “interesse nacional” do que dar posse a um governo minoritário de forma mais apressada. Pelo menos foi o que deu a entender numa entrevista ao Expresso, publicada em novembro do ano passado, onde se socorria de exemplos de governos europeus de coligação para dizer que era possível que as negociações para a formação do novo Governo português pudessem demorar até mais de 80 dias.

“A negociação para um novo governo na Alemanha durou 86 dias, na Finlândia 66 dias, na Holanda 54. É muito melhor que os partidos façam uma negociação aprofundada, indo mesmo aos detalhes, do que levarem os conflitos e as lutas para dentro do Governo. Devemos estar preparados para termos negociações longas”, dizia na altura.

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Quais são os prazos inscritos na lei?

Desde que o ato eleitoral tem efeito a lei não impõe prazos relativos ao período que se segue até à tomada de posse do novo Governo. Só para a tomada de posse da nova Assembleia, já que, de resto, a legislatura tem mesmo de começar antes (e independentemente) de o novo Governo iniciar funções.

A lei eleitoral para a Assembleia da República diz apenas que o apuramento geral dos resultados da votação deve estar concluído até ao 10º dia posterior à eleição. O que quer dizer que, até ao dia 14 de outubro, o apuramento geral dos resultados de todos os círculos eleitorais terá de estar concluído.

Depois de ter recebido as atas de apuramento geral de todos os círculos eleitorais, cabe então à Comissão Nacional de Eleições (CNE) elaborar e publicar em Diário da República um mapa oficial com o resultado. Diz a lei que nos oito dias subsequentes à receção das atas de apuramento geral de todos os círculos eleitorais, “a CNE elabora e faz publicar no Diário da República, 1ª série, um mapa oficial com o resultado das eleições”.

Nas últimas eleições legislativas, realizadas a 5 de junho de 2011, o mapa oficial dos resultados foi publicado no dia 17. Ou seja, doze dias depois.

Apurados os resultados e publicados em Diário da República, a Assembleia da República reúne “por direito próprio no terceiro dia posterior ao apuramento dos resultados gerais das eleições”, segundo se lê no artigo 173.º da Constituição.

Assim que o novo Parlamento iniciar funções, o antigo Governo cai automaticamente, ficando em gestão corrente até um novo Executivo ser empossado.

Mas a lei nada diz sobre os timings para o Presidente da República empossar o Governo. E, a Assembleia funciona independente de o Governo tomar posse.

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E se o Presidente não quiser dar posse a um Governo? Pode negar-se?

Pode. Não havendo prazos legais para empossar um novo Governo, o Presidente pode arrastar a decisão durante o tempo que entender – com a ressalva de que só podem ser convocadas novas eleições seis meses depois das primeiras, e o Presidente no último semestre do seu mandato não pode dissolver a Assembleia.

Segundo a Constituição, o Presidente da República só tem duas obrigações legais no pós-eleições: “ouvir todos os partidos” representados na Assembleia e tomar uma decisão sobre o assunto “tendo em conta os resultados eleitorais”. Ou seja, tem de fazer uma leitura da vontade popular e indigitar o líder da força política vencedora a formar governo. Depois disso, e depois de ouvir todas as forças políticas representadas no Parlamento, então deve indigitar o primeiro-ministro, que depois nomeia a restante composição do executivo.

Mas Cavaco Silva ainda nem procedeu a esse primeiro passo a que está obrigado por lei. No rescaldo das eleições de domingo, que não deram maioria parlamentar a nenhuma das forças representadas na AR, decidiu fazer um ponto prévio às suas obrigações legais e chamar o líder da força mais votada, Pedro Passos Coelho, para apelar ao entendimento entre a coligação e o PS.

Sem prazos obrigatórios, na teoria, Cavaco pode nem empossar ninguém se não estiver satisfeito com as soluções que lhe forem apresentadas na sequência da ronda de negociações que os partidos estão a fazer. Para já, o que Cavaco Silva fez foi pedir “consensos” e “compromissos” em nome da estabilidade governativa. Resta saber se ficará satisfeito com o resultado e se, não ficando, se conforma dando posse a um governo minoritário.

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O Presidente pode recusar nomear um primeiro-ministro? Isso já aconteceu alguma vez?

Sim. O Presidente da República, da mesma maneira que tem o poder de nomeação do primeiro-ministro tem também o poder de recusa de nomeação.

Se as negociações entre os partidos não chegarem a bom porto, e se Cavaco não quiser dar posse a um governo minoritário como chegou a dar a entender algumas vezes, também tem o poder de recusar um determinado candidato a primeiro-ministro que lhe for apresentado, se achar que isso vai contra o respeito constitucional dos resultados eleitorais.

Foi o que aconteceu por exemplo em 1987, quando a oposição derrubou o Governo minoritário do PSD de Cavaco Silva, e o PS de Vítor Constâncio foi ao Presidente Mário Soares dizer que podia formar um governo de esquerda com apoio do PRD e da CDU. Mas Soares recusaria a sugestão e viria a convocar novas eleições, que resultaram na primeira maioria absoluta de Cavaco.

Acresce que, agora, o Presidente Cavaco Silva, não está na posse da totalidade dos seus poderes presidenciais – está, aliás, bastante limitado por estar na reta final do mandato.

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Então quer dizer que está tudo nas mãos do PR e na leitura que ele faz da Constituição?

Sim.

Dizer que o Presidente da República tem uma função meramente institucional não se aplica neste caso, já que a formação do Governo cabe inteiramente ao chefe de Estado, que não tem muitas balizas legais para decidir. Está apenas obrigado a agir em prol do respeito pela legitimidade democrática, devendo indigitar o primeiro-ministro que achar que tem mais condições de garantir o apoio parlamentar necessário para garantir a governabilidade.

Ou seja, sabe ao Presidente da República avaliar a situação (o que não deixa de ser discricionário) e, em respeito pela Constituição, tomar uma decisão. É, por isso, uma questão meramente política.

As únicas condições impostas pela Constituição são estas:

“O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais.

Os restantes membros do Governo são nomeados pelo Presidente da República, sob proposta do Primeiro-Ministro”.

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Quais são, basicamente, as hipóteses de Cavaco?

Depois de as eleições não terem dado maioria absoluta a nenhum partido, Cavaco Silva instou Pedro Passos Coelho a dialogar com o PS, excluindo à partida os partidos mais à esquerda que não partilham os mesmos princípios basilares quanto à participação de Portugal na União Europeia, na moeda única e na NATO.

Depois de ter pedido ao líder do PSD que fizesse as “diligências” necessárias para garantir um “governo estável e duradouro”, Passos reuniu-se com António Costa, que por sua vez se reuniu com todos os restantes partidos à esquerda para tentarem acordos de governação. Posto isto, o que se segue?

Se não houver um entendimento entre a coligação e o PS, como Cavaco fez saber que seria desejável, há várias hipóteses em cima da mesa:

  1. Passos chega a acordo com o PS para uma solução com mínimos de estabilidade e o PR dá-lhe posse;
  2. Não há entendimento entre coligação e PS e Cavaco, conformado com o argumento do “eu tentei…”, dá posse a um governo minoritário, que depois tem 10 dias para aprovar o programa de Governo no Parlamento;
  3. Não há entendimento entre coligação e PS e Cavaco pode não dar posse a ninguém, mantendo o atual Governo em gestão e instando os partidos a arranjarem uma solução de governação estável (solução muito pouco provável, ainda assim);
  4. Não há entendimento entre coligação e PS e a esquerda chega a entendimento, anunciando que chumba o programa da direita na AR. Os partidos da esquerda podem, aí, levar ao Presidente uma nova coligação/solução parlamentar. Desconhece-se se o Presidente aceitaria dar-lhe posse logo, se esperaria que eles chumbassem a coligação na AR. Ou, sequer, se colocaria condições à formação de um Governo desse tipo (dadas as pré-condições fixadas na sua intervenção após as eleições).
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E se o PR der posse a um Governo mas o Parlamento não aprovar o seu programa?

O Governo cai, e começa tudo de novo.

O Presidente da República dá posse a um novo Governo, esse novo Governo tem depois dez dias para apresentar o programa no Parlamento. E se o programa foi rejeitado no Parlamento? O Governo cai e o Presidente da República tem de nomear outro – ou convocar novas eleições dentro de seis meses (coisa que teria de ser feita pelo próximo Presidente).

Esse foi um dos trunfos de Passos Coelho na campanha eleitoral, que usava esta versão possível da história para acenar com o medo de não não ser possível governar se os resultados não dessem maioria absoluta a um dos partidos. Dizia Passos que António Costa ameaçava chumbar o programa da coligação caso PSD e CDS fossem um governo minoritário, mergulhando Portugal num impasse, sem Governo.

Se assim for, o Governo entretanto empossado mas impossibilitado de governar ficaria em gestão – com as funções limitadas às decisões mais urgentes – até haver nova alternativa de governação, ou novas eleições.

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O atual Governo pode continuar em funções se as negociações fracassarem?

Sim – embora seja um cenário muito improvável. Se o Presidente pede negociações e se as negociações fracassarem, na teoria, Cavaco pode não empossar um governo minoritário e manter o anterior Governo em funções (ainda que com funções muito limitadas) até que haja novas eleições.

Essa hipótese, no entanto, é vista entre constitucionalistas como muito remota e “uma loucura” do ponto da estabilidade governativa e da legitimidade democrática.

Se o Presidente da República não empossar ninguém até ao novo Parlamento tomar posse, o Governo anterior cai automaticamente – ficando na qualidade de Governo de gestão até haver novo Executivo e novo programa de Governo aprovado.

Mas também no que diz respeito aos poderes do Governo de gestão o que a Constituição diz é vago: “Após a sua demissão, o Governo limitar-se-á à prática dos actos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos”, lê-se, ficando o demais sujeito à interpretação da lei.

A lei estabelece que só pode haver novas eleições pelo menos seis meses depois das primeiras. Mas a Constituição também diz que a Assembleia da República não pode ser dissolvida no último semestre do mandato do Presidente da República (“ou durante a vigência do estado de sítio ou do estado de emergência”) – daí que Cavaco Silva, que já está na fase final do seu segundo mandato, não possa usar desse poder.

Chegados aqui, é importante lembrar que o Presidente da República frisou, na sua intervenção após as eleições, que a solução de constituição do novo Governo teria de ser encontrada pelos partidos eleitos – razão que leva a crer que acabará por dar posse a um novo Governo mesmo que ele acabe por ser derrubado, por hipótese, logo na discussão do programa. Aí, de novo, colocar-se-ia a questão: o Presidente deixaria esse Governo em gestão até ser eleito o próximo chefe de Estado?

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O que pode fazer um Governo de gestão? Pode aprovar um Orçamento do Estado?

O que a Constituição diz sobre as funções do Governo de gestão deixa espaço para interpretações: “Antes da apreciação do seu programa pela Assembleia da República, ou após a sua demissão, o Governo limitar-se-á à prática dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos”, lê-se no artigo 186.º sobre o início e cessação de funções do Executivo.

Ou seja, o Governo de gestão fica à partida limitado aos atos considerados urgentes para a governação, tendo de se manter numa linha de continuidade e não podendo aprovar nada de novo.

Mas há uma um acórdão do Tribunal Constitucional, de 2002, que ajuda a perceber melhor o que pode ou não fazer um Governo demitido: é a necessidade urgente de tomar determinadas decisões e a justificação que o Governo dá para as tomar que permite a esse Governo governar. Ou seja, segundo os juízes, o Governo demitido não está limitado nos atos legislativos – pode atuar sempre desde que com base no critério da “estrita necessidade” e no caráter “inadiável” desses mesmos atos.

“Da definição constitucional do âmbito dos poderes de um Governo demitido não resulta nenhuma limitação em função da natureza dos atos admissíveis, frisando que o critério decisivo para o efeito é antes o da estrita necessidade da sua prática”, lê-se no acórdão.

E continua, dizendo que “o interesse público pode reclamar a prática inadiável de atos legislativos” e que “limitar a competência do Governo demitido à prática de atos de gestão corrente, sabendo-se, além do mais, que a existência de governos com competência diminuída se pode arrastar no tempo”, é “altamente inconveniente”.

Cabe aqui a aprovação de um Orçamento do Estado? Não é claro. É certo que o Orçamento é aprovado pela Assembleia da República, que estará em pleno exercício das suas funções. Mas se o Governo que apresentar aquele que é “o documento mais relevante da ação governativa”, segundo Passos, estiver com as suas funções limitadas não é claro se poderá executar a política fiscal e todas as medidas executivas que aparecem vinculadas ao Orçamento.

Há, no entanto, constitucionalistas que acreditam que também em política e direito constitucional vale o princípio de que “o que tem de ser tem muita força”. Ou seja, que terá mesmo de haver Orçamento mesmo que não haja novo Governo em pleno exercício das suas funções.

 

A este propósito, uma nota: foi um Governo de gestão que negociou o memorando de entendimento com a troika em 2011, visto que o Governo de José Sócrates naquela altura já tinha caído (depois do chumbo do PEC IV) e já tinham sido convocadas eleições antecipadas.

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É possível que a tomada de posse do próximo governo caiba ao novo Presidente da República?

Sim. É possível – ainda que pouco provável – que seja o próximo Presidente da República a empossar o novo Governo.

Isto porque o mandato de Cavaco Silva termina oficialmente no próximo dia 8 de março, estando já no seu último semestre em funções, onde os poderes presidenciais estão limitados. Não pode, por exemplo, dissolver a Assembleia da República. As eleições presidenciais, de resto, são já em janeiro ou fevereiro.

O que a lei diz é que a Assembleia não pode ser dissolvida nem nos últimos seis meses do mandato do Presidente da República nem nos seis meses seguintes às eleições. Logo, o que pode acontecer é que, mesmo que o atual Presidente dê posse a um Governo mas se esse Governo não garantir a estabilidade, então o próximo Presidente pode dissolver a Assembleia com o pretexto de clarificar a situação política.

E aí, sim, haverá novas eleições.

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Esta pode ser uma situação inédita?

Esta é uma situação pouco habitual por coincidir com o último semestre do mandato do Presidente da República, em que já não pode dissolver a Assembleia. Podendo o jogo vir a terminar já nas mãos de um novo Presidente.

Se os partidos não se entenderem e Cavaco Silva der posse a um Governo minoritário, e se o programa de Governo for chumbado do Parlamento, então aí o Governo cai e o Presidente da República e, não havendo outra opção de governação dentro do atual Parlamento, têm de ser convocadas novas eleições – já pelo próximo Presidente. Esse sim, seria um cenário inédito.