A: Mas o que é isso que estás a ler?

E: Hummm…Um artigo técnico.

A: Ok, mas sobre quê?

E: Sobre quê o quê?

A: O artigo técnico!?

E: Se te desse uma resposta não te interessava.

A: Porquê? Pode interessar.

E: A ti? Não interessa grande coisa a ninguém…

A: Mas ok, podes dizer sobre o que é?

E: Posso. Big Data, Analytics e coisas relacionadas…

A: Percebo. Ou melhor, não percebo nada mas estás a ficar insistente com o tema. Não sabes ler sobre outros assuntos? Não me digas que voltarás a escrever de novo sobre o tema?

E: Leio muito mais e sobre bem mais temas. E trabalho em muito mais frentes. Coisa diferente é procurar fazer um esforço para me atualizar, focar e depois partilhar esse esforço e tal não é de todo fácil e muitas vezes sequer compreensível.

A: Porquê?

E: Porque todos temos uma enorme tendência para ficar obsoletos ou tratarmos novas áreas como se fossemos conhecedores delas. Ou não as tratarmos e não as endereçarmos simplesmente porque não nos dizem respeito. A verdade é que não somos conhecedores nem daquilo em que nos especializamos.

A: Mas a tua área não é gestão de operações e supply chain?

E: Isso.

A: Então para quê o esforço sobre big data?

E: Porque as interseções são mais que muitas. Muitíssimas

A: Onde? Como?

E: No ciclo source-make-plan-deliver ou no source-move-plan-deliver, próprios da cadeia de abastecimento, há um conjunto enorme de dados que importam cada vez mais às empresas e às suas cadeias de abastecimento.

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A: Dá-me um exemplo.

E: Uma fatura, por exemplo.

A: E o que é que uma fatura tem a ver com big data? Já para não dizer que nada tem a ver com cadeia de abastecimento e gestão de operações.

E: Enganas-te.

A: Como assim? Tem alguma coisa a ver?

E: Tem, claro.

A: Explica!?

E: Não te parece aborrecido?

A: Nada.

E: Ok. Olha esta tua fatura de combustível. Grande demais e ninguém lhe liga nada. A maioria destas faturas acaba no lixo. Primeiro vem a designação social da empresa que te está a vender, a morada, o capital social e conservatória do registo comercial.

A: Sim e a quem interessa isso?

E: Sabes logo que a empresa que vende, que está a fazer retalho desta marca de combustível, é uma empresa que se relaciona com a marca mas não é a detentora da marca. Apenas a representa. Depois sabes que te foi passada pelo PoS (Point of Sales) número 3 e a operação é a 22. Será provavelmente a operação número 22 do colaborador que estava na caixa número 3. A hora marcada na fatura é 17:11:27. Estavam muitas pessoas a abastecer e/ou a pagar?

A: Bastantes. Autoestrada. Final de fim-de-semana e final de tarde.

E: Provavelmente o colaborador que te atendeu entrou às 17:00 horas e fez 22 transações nesses 11 minutos. Difícil saber esta parte…mas se olhasses para o número 22 e depois de uma hora voltasses nem que fosse para comprar uma revista e fizesses questão de pagar na mesma caixa e ao mesmo colaborador retirarias o número médio de pessoas atendidas naquela hora. Número da transação final menos o número de transação inicial. Estas faturas geram uma referenciação sequencial.

A: Para que quero eu isto?

E: Tu talvez não mas…há vários interessados. Saber o número de clientes numa caixa numa hora dá-te uma noção de várias dimensões: a) Se souberes o valor do ticket médio saberás quanto faturou naquela hora; b) Se souberes as tipologias das compras poderás analisar não uma mas várias faturas e procurar padrões: quem abastece mais de 40 euros tem tendência a comprar um produto (chicletes) em promoção? E tem usualmente cartão de pontos associado? Quem abastece 10 euros não quer mais nada? Quem abastece 40 euros paga em cartão ou cash? Quem abastece 10 euros paga em dinheiro? Saberás igualmente (começando a juntar dados diferentes) o modelo de veículo que tens a abastecer.

A: Para que quero eu isso? O veículo já é mais complexo…

E: Como te disse, tu não queres mas há quem queira.

A: Quem?

E: A empresa que vende combustíveis (ou fornecedores da mesma) pois pode estabelecer padrões. Agregando dados de diversas origens. Filmagens dos Postos de Combustível permitem extrair tipologia do carro. Ligar a hora e tipologia do carro ao tipo de combustível e condutor que conduz. Podes ter por exemplo: mais de 40 euros de abastecimento, sexo masculino, gasóleo, veículo com menos de 4 anos, cartão de pontos e compra de alguma das promoções no ponto de venda. Valor igual ou inferior a 40 euros, sexo masculino, gasolina, carro com mais de 4 anos, sem cartão de pontos e não compra qualquer promoção.

A: E para que quero isso?

E: Segmentação do teu mercado.

A: Mas para que efeito?

E: Pode interessar-te que a partir não de 40 euros mas de 50 euros de combustível então a promoção possa ser maior e o desconto também maior. Vender mais volume com mais desconto. Ou seja, sabes que estás perante um padrão para um dado combustível pelo que crias condições para subir mais 10 euros (fazes um pushing) em abastecimento e ofereces mais. Podes inclusive comunicar isto. E podes dizer que só beneficiam deste desconto veículos com menos de 4 anos. Porquê? Para poderes fidelizar vários veículos novos. Dura o tempo que durar mas pode ser uma ação importante. A comunicação não precisa ser via convencional. Basta comunicação digital. E alicias os clientes a abastecerem mais quantidade oferecendo mais em troca. No final do dia precisarás de ter menos veículos para poder atingir a mesma faturação. Perdes margem? Não necessariamente. Nos veículos que abastecem menos confinas a tua operação a pagamentos sem desconto e sem qualquer promoção.

A: E como consigo juntar dados do sexo do condutor com o tipo de veículo e a informação que sai na fatura?

E: Fontes de dados diferentes: A fatura é um elemento que pode e deve ser analisado à lupa, à exaustão. Estarás a trabalhar uma base de dados onde são admitidas queries mais ou menos convencionais. E com uma lógica estruturada. Em paralelo vais tirando, pelo operador, o sexo do condutor/pagante (basta haver um campo de informação associado aos dados que ele/a preenche). Depois ligas a visualização dos filmes dos veículos à tipologia dos mesmos fazendo, igualmente, a ligação à hora de abastecimento e à fatura.

A: E?

E: E então podes comunicar algo que te interessa a um mercado que te interessa. Várias fontes de dados (variedade), com grande dimensão (volume). Podes juntar muito mais que isto, atenção. Não obstante vais precisar de velocidade no processo de análise e de segurança de que estás perante dados credíveis (veracidade) para estares próximo de uma lógica de biga data. E quantos mais dados tiveres, melhor. A dimensão dos dados acabará por falar mais alto (nem sempre é assim mas usualmente é) que o brilhantismo do algoritmo ou algoritmos que lhes possas aplicar.

A: Está-me a escapar qualquer coisa?

E: A ti e a mim. Muitas coisas. A começar por algumas variáveis que pode juntar: tipologia do telemóvel do cliente, se visto, modo de pagamento (fácil porque vem na fatura), banco (fácil porque vem na fatura), e por aí fora…

A: E para que servia aquela história do número de pessoas atendidas numa hora?

E: Podes saber por horas quantos colaboradores precisas ter (caixas) para servirem os clientes que chegam (lógica de modelação de filas de espera), capacidade instalada e desenho dos “journeys” dos clientes dentro de loja, melhorando a experiência e o layout para melhorar a compra por impulso, por exemplo. Acho que poderás começar pelo início que é principiar por trabalhar os milhões de dados que tens e que ainda não sabes exatamente para que servem.

A: Tudo isso é marketing! Onde ficam as operações?

E: Não é apenas marketing. É também e muito operações. Movimentarás e venderás o que os clientes quiserem e farás chegar às lojas nas quantidades que entenderes. Todo o planeamento por trás é componente das operações. Enfim…

A: Enfim o quê?

E: Enfim. Apenas uma expressão sobre o final desta conversa. Digo eu. Porque já estarás a perguntar-te para quê isto tudo?

A: “The biggest challenge does not seem to be the technology itself – as this is evolving much more rapidly than humans – but rather how to make sure we have enough skills to make effective use of the technology at our disposal and make sense out of the data collected” (How the Internet is Changing the Way We Think, Learn, Work, do Business and Make Money; Willem Vermeend, 2015).

Professor Catedrático, NOVA SBE, crespo.carvalho@novasbe.pt