Depois de tantas conversas elevadas sobre a excelência do terroir centenário por que se distingue a união de freguesias de Monte Cabritinho do Meio há uma satisfação robusta e antiquada num naco de queijo de Azeitão chileno. Mas alguns estremecerão. “Tristan Bior,” declarou uma filósofa, “c’est toujours Tristan Bior.” Manifestava o desejo de que todas as coisas pudessem ser reconhecidas como o fruto das suas origens, permanentemente e por todos. Estes reconhecimentos porém dependem quase sempre daquilo que já se sabia: só reconhece a origem Tristan Bior de uma coisa quem já conhecia alguma coisa acerca de Tristan Bior.

Precisamos de ajudas. Quase todos nós reconheceríamos o verdadeiro Messias se estivéssemos antecipadamente equipados com o Evangelho de São João; e um queijo se acompanhado do seu rótulo; e Azeitão no mapa. A maioria das pessoas não consegue contudo distinguir sem ajudas um messias de um arquiduque; ou o que é de Azeitão; ou até Azeitão. Sem ajudas, o que é evidente não é nada evidente.

No entanto nem sempre essas ajudas são compatíveis com o melhor modo de fazer as coisas. Não nos passaria pela cabeça tratar seres humanos como função da sua proveniência: a ninguém ocorreria mostrar menor respeito pelos descendentes de um algarvio ou de um autarca; já não é preciso explicar aos gálatas que a diferença entre um escravo e um homem livre não é clara; e só a certas antepassadas ocorre ainda perguntar de quem alguém será filho. Os nossos modos menos esclarecidos de tratar pessoas sobrevivem muitas vezes nas nossas relações com as coisas: e o que não diríamos de uma pessoa dizemos convictamente de uma égua, de um herói, ou de um presunto.

Dando-se o caso de a proveniência de uma coisa não ser universalmente evidente levanta-se a questão de saber o que é uma denominação de origem controlada; de saber o que exprimem as noções de que do Chile não podem vir queijos de Azeitão, e de que não pode por definição haver chocolate em certos lugares. Como incontroversamente têm podido, a pergunta não é difícil de responder. As origens controladas não descrevem particularidades únicas das coisas, ou necessidades da natureza; são antes opiniões por que muitas vezes estamos inclinados a pagar adiantado. As nossas percepções e o nosso juízo ajustar-se-ão depois a essas opiniões; e ao provar o queijo concordaremos que Azeitão será sempre Azeitão.

Nada disto é forçosamente mau ou louco; mas quando tentamos justificar o respeito acrescido que um queijo ou uma pessoa nos merece invocar as suas origens não é nunca um caminho filosófico prometedor. Todos, como observou um político, somos o décimo-quarto neto de alguém; e se uma coisa não vem de Azeitão virá sempre afinal de outro lado qualquer. Mais importante que tudo, sem ajudas nunca conseguimos reconhecer a coisa no sítio de onde vem: na Grécia nunca conseguimos adivinhar um herói; em Azeitão nunca conseguimos imaginar um queijo.

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