Fazer desporto é comummente reconhecido como um problema de saúde pública. Foi correlacionado com um grande número de aflições: pernas partidas, entorses, olhos negros, amputações, mas também stress e enxovalhos. O desporto afecta, quando contraído numa idade temporã, as famílias dos doentes: passam a gravitar em torno dos interesses dos postulantes; a vida transforma-se numa operação logística interminável; as idas, as buscas, as compras, as esperas, as negociações, as viagens, e os aplausos mal deixam ocasião para respirar. Os tempos livres das famílias dos desportistas costumam ser dedicados a considerações sobre desporto.
Admiramos sobretudo os desportistas de alta competição; e admiramos também vê-los competir. A nossa admiração é mais intensa que a admiração pela escravatura ou pelos toiros de morte; com efeito, nem a escravatura nem a morte dos bichos parece resultar de uma escolha dos interessados. Pelo contrário, o que admiramos na alta competição é uma série de pessoas que escolheram maltratar os seus corpos diante de terceiros, e fazê-lo cada uma mais que qualquer outra. O espectáculo sugere a Semana Santa nas Filipinas, com a diferença importante de que a crença dos participantes é em si próprios.
Não ocorre proibir quem quer que seja de fazer o que quer que queira aos ligamentos dos joelhos; como não ocorre proibir quem quer que seja de se pregar de moto próprio a uma cruz nas Filipinas; e só ocorrerá proibir a escravatura, porque não acontece de moto próprio; e considerar autorizar os toiros de morte, porque não tenham moto. Há porém razões para ver a uma luz menos favorável os benefícios das actividades desportivas.
O seu principal benefício seria o de exemplificar a ideia de corpos sãos ligados a almas também sãs. Importa aos interessados no assunto investigar se a ideia é desejável; e, caso o seja, se é exequível. Mas antes de nos dedicarmos à filosofia importa considerar a evidência empírica; e para o fazer nem precisamos de voltar a lembrar o que manifestamente acontece aos corpos dos desportistas. Basta olhar para as almas daqueles que encontramos mais à mão; basta ouvi-los falar.
Ao ouvir falar desportistas nem mesmo alguém disposto a considerar os benefícios do desporto entreterá a noção de que as suas almas se possam encontrar numa posição de sanidade. Não é porque o seu vocabulário seja limitado, ou que a pronúncia seja rústica; é porque todas as suas energias são dedicadas a referir-se ao que fazem, acham, pensam, ou lhes aconteceu; porque aludem sempre ao facto banal de estarem vivos com a expressão ‘na minha carreira’; e porque lhes interessa principalmente nos outros o facto de estarem interessados neles. São sinais certos de problemas na alma. Já eram públicas as aflições corporais; ouvi-los falar permite-nos todavia perceber melhor o desporto. O desporto é o resultado de uma ligação contumaz entre corpos maltratados e almas em mau estado.