Criança de 90 anos, problemática, que já custou mais de 15 mil milhões à casa mãe é adotada por grupo francês. Estaremos perante mais um drama familiar ou, desta vez, iremos ter uma família feliz?

Esta semana acordámos com a notícia de que a Opel seria comprada pela PSA. Deixando de integrar o terceiro maior grupo fabricante mundial, a GM, passando a integrar aquele que passará a ser o segundo maior grupo construtor europeu (4,2 milhões de veículos, 16% de mercado).

Pelo caminho a GM parece conseguir aquilo que já em 2009 havia tentado ativamente sem sucesso (apenas conseguiu livrar-se da Saab), primeiro com a Magna e depois com a Fiat: despachar a sua unidade de negócios europeia (que não via lucros desde 1999, acumulando mais de 15 mil milhões de prejuízos).

Se mundialmente o mercado automóvel é competitivo e extremamente concentrado, é na Europa que essa competitividade é maior. Por um lado, o mercado europeu não cresce, e por outro a sua indústria automóvel está já sobredimensionada, a capacidade produtiva instalada excede a procura em quase 1 milhão de veículos anuais. A Opel tem operado a 60% da sua capacidade, e por isso incapaz de gerar resultados. Agora a GM abandona este mercado para se concentrar noutros mais rentáveis como o americano e o de países emergentes (China). As motivações da GM são públicas, bem conhecidas, e fáceis de perceber. A criança é problemática e ninguém parece querer tomar conta dela.

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Por seu lado, o grupo PSA passou recentemente por um processo de reestruturação no qual reduziu capacidade (encerrou fábricas e despediu trabalhadores) e cresceu nas vendas. Hoje é uma empresa bem dimensionada e lucrativa. E parece compreender bem o mercado europeu. Com a aquisição passa de uma produção anual de 3,1 para 4,2 milhões, adicionando às suas marcas Peugeot, Citroen e DS as Opel e Vauxhall, e com estas duas leva também um enorme passivo.

Durante a semana fomos lendo, e ouvindo, declarações várias, de que no final toda a gente ficará a ganhar. Mary Barra, presidente-executiva da GM: “estratégia vencedora para ambos os grupos”. Ótimo! Mas será assim?

A indústria automóvel está cada vez mais pressionada. Os preços dos automóveis novos não sobem na Europa há mais de 15 anos, e as vendam também não crescem. Adicionalmente os reguladores impõem (e bem) crescentes restrições ambientais e de segurança. E os consumidores exigem mais conectividade, segurança ativa e simplicidade de utilização (sistemas anticolisão, navegação, piloto automático, entretenimento, etc). É neste contexto que a aquisição da Opel tem que ser enquadrada.

Os especialistas acreditam que as tecnologias convencionais atuais não permitem cumprir com as restrições ambientais previstas já para 2020. Será preciso combinar mais tecnologias e soluções novas. Os veículos novos serão mais leves. Com plataformas melhor desenhadas e recorrendo a novos materiais, mais leves e versáteis do que o tradicional aço. As motorizações serão cada vez mais complexas, combinando vários motores e provavelmente elétricas. Aliás a eletrificação e a condução automática parecem ser as duas grandes tendências que a indústria irá seguir. E isto impõe aos construtores desafios imensos: desenvolver veículos (muito) mais seguros, (muito) mais eficientes e amigos do ambiente, e (muito) mais conectados, enquanto se reduzem custos. Apostando em tecnologias que os construtores ainda não possuem nem estão perto de desenvolver.

A aquisição da Opel, que inclui um reconhecido centro de investigação e desenvolvimento, é por isso uma forte aposta no futuro que parece justificar-se pelas economias de escalas que promete proporcionar. E por permitir desenvolver as plataformas e sistemas modulares essenciais ao seu futuro, com a aquisição é possível distribuir o investimento por um maior número de unidades a vender.

Como o futuro parece ser digital e elétrico, ter um logótipo com um relâmpago só pode ser uma boa ideia.

Professor do IPAM-Instituto Português de Administração de Marketing