Uma equipa de investigadores da Universidade dos Açores descobriu um novo antibiótico produzido por uma das bactérias que vivem nas grutas vulcânicas, na Terceira. “Esta é uma descoberta importante considerando que muitas das bactérias patogénicas mais agressivas se têm mostrado resistentes aos antibióticos existentes”, sublinha a investigadora que lidera a equipa. As bactérias que cobrem as paredes das grutas podem vir a revelar outros antibióticos, compostos anticancerígenos ou moléculas para uso na indústria.
Apesar de ser visitado regularmente desde os anos 1960, só em 2006 se começaram a estudar os tapetes microbianos coloridos e gelatinosos das paredes do Algar do Carvão, no centro da ilha Terceira, uma gruta que abre no interior de uma câmara vulcânica. Desta gruta e de 10 tubos de lava (canais naturais de circulação de lava) espalhados pelas ilhas Terceira e do Pico foram encontradas nessa primeira prospeção (2006-2007) mais de 5000 bactérias. Muitas delas apresentam potencial antibacteriano (contra bactérias patogénicas), antimicótico (contra fungos) ou enzimas que podem ajudar em determinados processos, como melhorar a lavagem da roupa a baixas temperaturas.
Nos tapetes microbianos (ou biofilmes) convivem bactérias que produzem o seu próprio alimento (autotróficas), bactérias que se alimentam de outras bactérias (heterotróficas) e fungos – um grupo pouco estudado e que não se sabe se são predadores ou se participam na mecânica do biofilme. “As bactérias têm uma vida social ativa, conversam umas com as outras por meio de palavras moleculares [como os anitbióticos]”, diz ao Observador Lurdes Dapkevicius, responsável pelo projeto e investigadora no Centro de Investigação e Tecnologias Agrárias dos Açores (CITA-A). No biofilme – massas de bactérias rodeadas de secreções protetoras – os antibióticos têm um papel regulador e aparecem em “concentrações mínimas”, quando comparados com as concentrações usadas em medicina.
AVANÇOS IMPORTANTES PARA A MEDICINA
O primeiro passo consiste em perceber se esses antibióticos produzidos como palavras na comunicação dentro do ecossistema biofilme podem matar bactérias patogénicas (que provocam doenças). Depois de recolhidas nas grutas com zaragatoas (semelhantes a cotonetes), as amostras são cultivadas em laboratório. Quando as bactérias das grutas matam as bactérias patogénicas com as quais são cultivadas faz-se uma purificação dos componentes até chegar àquele que tem propriedades anitbióticas. Neste momento, a equipa liderada por Lurdes Dapkevicius, já identificou um desses compostos – um lipopeptídeo -, que pertence a um grupo de antibióticos ainda pouco estudado.
O antibiótico já foi testado em laboratório e será, em breve, testado com células humanas, nomeadamente com glóbulos vermelhos. Se atacar estas células será descartado, se não, poderá passar à próxima fase que consiste em testes em animais e que será realizada numa das instituições parceiras nacionais. Falta ainda caracterizar a molécula, um trabalho que competirá ao Laboratório de Química Orgânica da Universidade de Wageningen, na Holanda. A equipa dos Açores mantém ainda parcerias com equipas dos Estados Unidos, Canadá, Brasil, Espanha e México.
Além do potencial antimicrobiano, a equipa de Lurdes Dapkevicius vai testar que utilidade podem ter as enzimas bacterianas em processos industriais. Um dos exemplos é o uso destas enzimas em detergentes da roupa para melhorar a eficácia a baixas temperaturas, porque as bactérias são capazes de produzir enzimas que degradam compostos a temperaturas que rondam os 11 a 18º C. “A temperatura média da água da torneira”, refere a investigadora. No futuro, a equipa pretende procurar compostos que possam ser usados no combate ao cancro.
As bactérias que vivem em condições extremas tendem a produzir compostos que não aparecem tão frequentemente noutros ambientes. “Nestas grutas a condição de ambiente extremo é a falta de alimento. Há uma forte carência de matéria orgânica”, refere a bateriologista. Outro exemplo também estudado por esta equipa são as bactérias que vivem nas fumarolas, como as das Furnas do Enxofre, com temperaturas de 93º C e pH 2. Lurdes Dapkevicius espera que o Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores, ao qual também pertence, possa formar uma parceria com o Departamento de Oceanografia e Pescas, da mesma universidade, para estudar outras bactérias de condições extremas, as que existem nos fundos marinhos e nas grutas e fumarolas submarinas.
DESCOBRIR VIDA NO ESPAÇO
Estudar a vida em ambientes extremos, em particular nestas grutas onde a luz solar não chega e onde os organismos se relacionam de formas distintas com o meio onde vivem, pode servir de base para a prospeção de vida no espaço – ajuda a direcionar para aquilo que deve ser procurado porque no espaço as condições também são extremas. A parceria que mantêm com a Universidade do Novo México, nos Estados Unidos, por sua vez parceira da NASA (agência espacial norte-americana), tem tido este objetivo.
Lurdes Dapkevicius admite que ainda há muito trabalho por fazer. Muitas das espécies encontradas nos 11 locais estudados podem ser novas para a ciência, por isso é preciso fazer a caracterização das espécies, além dos compostos que podem produzir. Os tubos de lava estudados encontram-se nas ilhas Terceira e do Pico onde a associação Os Montanheiros – Sociedade de Exploração Espeleológica é mais ativa, mas existem quase 300 tubos com biofilmes no arquipélago dos Açores. Estudar a biodiversidade microbiana e o impacto que as atividades humanas – como turismo, agricultura ou pastoreio – podem ter sobre elas é outro dos objetivos de trabalho.
A única limitação à continuidade do estudo das bactérias das grutas vulcânicas é o financiamento, diz a investigadora responsável. O projeto foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) de 2009 a 2013 e desde aí não tiveram oportunidade de submeter um novo projeto. Além disso, o CITA-A é um dos centros que ficou fora da 2ª fase da avaliação às unidades de investigação promovida pela FCT, perdendo a hipótese de receber um financiamento suplementar entre 2015 e 2020.