“Incompreensível”. É assim que a juíza indicada pelo CDS, Fátima Mata-Mouros, avalia o acórdão do Tribunal Constitucional (TC) no que toca à inconstitucionalidade dos cortes previstos entre 2016 e 2018. “É um dado que o tribunal ainda não conhece (nem pode conhecer) – pelo que não poderá ser objeto de ponderação”, escreveu na declaração de voto. A juíza considerou que o TC não devia ter-se debruçado sobre esta matéria. Mas não foi a única a tecer críticas ao acórdão conhecido na noite de quinta-feira. Fátima Mata-Mouros considerou que os cortes nos salários para 2014 e 2015 vão contra a Constituição “por violação do princípio da igualdade”. Quanto ao resto, ou seja, aos cortes nos anos seguintes (2016-2018), que foram declarados inconstitucionais, não poupou críticas. E explicou porquê. Nas suas palavras, o Presidente da República, Cavaco Silva, pediu a fiscalização da constitucionalidade de duas normas e respetivos artigos do Orçamento do Estado, mas

“o requerente não vai além da manifestação de dúvidas referentes à conformidade constitucional das normas em análise com os princípios constitucionais da igualdade e da proteção da confiança”, explicou.

E o TC analisou os artigos da lei em articulação uns com os outros, excedendo, a seu ver, o que lhe fora pedido. “Não cabe, porém, ao tribunal substituir-se ao requerente na delimitação da substância normativa”, refere. “Desconhecido o contexto orçamental referente aos anos subsequentes a 2015 (…) torna-se impossível para o Tribunal analisar a respectiva conformidade constitucional, designadamente à luz dos parâmetros constitucionais invocados pelo requerente, em especial o princípio da igualdade”. Mais. A juíza diz ainda que os juízes acabaram por “desenhar” o caso e foram além do pedido por Cavaco:

“O princípio da correspondência entre o pedido e a pronúncia judicial pressupõe (…) uma rigorosa delimitação, pelo pedido, do tema a decidir e, portanto, a discutir. A esta delimitação deve corresponder, grosso modo, a decisão do TC. Nada disto se verificou no presente acórdão”, critica.

Fátima Mata-Mouros foi uma dos oito juízes que assinaram uma declaração a explicar o sentido de voto. E as críticas foram muitas. A própria vice-presidente do TC, Maria Lúcia Amaral, recordou outras decisões e sublinhou a necessidade de “traçar fronteiras” entre o tribunal e o poder legislativo. “A fórmula da igualdade proporcional conduziria o Tribunal a ocupar um espaço que nos termos constitucionais apenas ao poder legislativo pertence”, declarou Maria Lúcia Amaral, juíza indicada pelo PSD.

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Atenção, há regras da União Europeia a cumprir

Maria Lúcia Amaral também questionou o facto de não se poder decidir sobre um futuro político ainda incerto. “Qual o comparativo que, no quadro incerto de um plano político futuro (sem que se saiba quais são as decisões que vão ser tomadas em domínios outros como os que pertencem à política fiscal), pode ser eleito para efeitos de comparação?”, interroga. E lembrou que há recomendações da União Europeia dirigidas a cada estado-membro nomeadamente “no âmbito de um procedimento por défice excessivo”, que “cujo incumprimento determina o acionamento de sanções”. União Europeia, as suas regras e imposições foram aliás os argumentos usados por outros juízes. Como Cunha Barbosa, também indicado pelo PSD para o cargo. “O esforço da consolidação orçamental não se esgotou com aquele programa [de Assistência Económica Financeira], resultando compromissos que o Governo ambiciona honrar”, lembrou o juiz que divergiu da declaração de inconstitucionalidade para os cortes além de 2016. O juiz também deixa algumas críticas e lembra que “é patente que o tribunal se vem afastando progressivamente de um controlo da igualdade (…)”.

“Esse afastamento surpreende-se, entre outros aspetos na insistência quanto à existência de situações alternativas (…) no juízo quanto à dispensabilidade da redução remuneratória na prossecução do objetivo da consolidação orçamental”.

Cunha Barbosa sublinhou, ainda, que apesar do termo de vigência do plano de ajuda financeira ter sido fixado para 2014, e o termo por procedimento por défice excessivo ocorrer “previsivelmente em 2015”, persistem “razões de interesse público que podem justificar a referida diferença e a sua manutenção por um período plurianual” além 2015. “Tais razões são atinentes ao cumprimento das obrigações que decorrem do tratado sobre o funcionamento da UE e também do Pacto de Estabilidade e Crescimento”. “Medida temporária” esta, justificou, por seu turno, Maria José Rangel Mesquita (indicada pelo PSD), vencida relativamente aos cortes entre 2016 até 2018. Os juízes Fernando Ventura e Catarina Sarmento e Castro (ambos indicados pelo PS), Pedro Machete e Lino Ribeiro também fizeram declarações de voto. Tal como no caso do acórdão sobre pensões, as declarações de voto ilustram bem as diferenças de pensamento e mesmo as tensões entre os 13 juízes do Ratton. Catarina Sarmento e Castro, que votou contra a constitucionalidade dos cortes salariais até 2015, diz mesmo que “é importante que se sublinhe que decorridos vários exercícios orçamentais consecutivos, não pode continuar a servir de justificação às medidas de redução remuneratória impostas a quem recebe por verbas públicas a invocação de que estas seriam, ainda, a única opção com efeitos certos, seguros e imediatos para a realização dos objetivos orçamentais traçados”. A juíza considera que, neste momento, o Governo tem responsabilidades acrescidas. “Menos ainda poderá defender-se que tendo a redução remuneratória, com idênticos valores, passado o teste de constitucionalidade em 2011, deva emitir-se um juízo de não inconstitucionalidade para os anos de 2014 e de 2015”. “Discordo do presente Acórdão quando sustenta que as legítimas expetativas de uma melhoria da situação remuneratória não implicam, necessariamente, que essas expetativas exijam um regresso aos níveis salariais de 2010, logo em 2014 (nem mesmo em 2015)”, diz, claramente, acrescentando que “o decurso do tempo fez com que a excecionalidade e a transitoriedade das reduções remuneratórias, que sustentaram um juízo de não inconstitucionalidade quanto às normas que as impuseram em 2010, deixassem de poder ser invocadas”.