O ex-secretário-geral do Ministério da Defesa Bernarno Carnall reconheceu, esta terça-feira, que a proposta do consórcio bancário que incluiu uma empresa do Grupo Espírito Santo (GES) e financiou a compra de submarinos alemães era mais elevada do que a concorrente germânica.

Perante a comissão parlamentar de inquérito à aquisição de equipamentos militares, o antigo responsável, que exerceu funções a convite do atual vice-primeiro-ministro e então ministro da Defesa, Paulo Portas, entre 2002 e 2005, explicou depois que, apoiado por um parecer jurídico do escritório Sérvulo Correia e Associados, foi negociada uma opção com o Crédit Suisse First Boston/BESI (CSFB/BESI) que ficou um ponto base abaixo da oferta do alemão Deutsche Bank.

“Além do leilão, fizemos uma BAFO (Última e Melhor Oferta). A proposta vencedora foi a do consórcio, com um ´spread’ (lucro da banca) de taxa Euribor mais os 25 pontos base de juros. O banco pagava ao fornecedor e, somente no final da construção, o Estado pagava ao banco, mais os juros”, esclareceu.

Segundo Carnall, foram convidadas 10 instituições financeiras, cinco portuguesas e cinco estrangeiras, e foram recebidas seis propostas no terceiro trimestre de 2003, tendo o Deutsche Bank e o consórcio CSFB/BESI, no qual a empresa do GES detinha apenas um quarto, considerados os mais credíveis e elegíveis para a referida BAFO.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“A decisão foi tomada obviamente pelo ministro (Portas). O processo foi conduzido por mim, a decisão foi dele. Não teve tradução em despacho. Só quando, no final, foi atribuído o mandato ao consórcio. Garantimos a proteção completa dos interesses do Estado devido aos custos potenciais, que não estavam incluídos na folha de rosto e que poderiam levar a taxas superiores às do concorrente, exigindo que teria de se ajustar sob pena de ser excluído”, disse.

O ex-secretário-geral do Ministério da Defesa contou que proposta inicial do CSFB/BESI anunciava 19,6 pontos base, mas teria o risco previsível de ser “bastante superior” aos 26 pontos base da concorrente alemã, em termos de outras comissões futuras, previstas nos anexos.

“Conseguimos que aceitasse os 25 pontos base. A escolha foi a que melhor defendeu o erário público e os interesses do Estado e está juridicamente correta. Foi juridicamente sancionada. Não houve alteração, houve foi uma diferente interpretação entre o ministério e o consórcio bancário. Não entendo que tenha havido qualquer favorecimento.

Os deputados da oposição questionaram a legitimidade e até a legalidade da atuação do Estado português, visto tratar-se de um concurso público. O parlamentar socialista José Magalhães ironizou, falando de uma “empatia patriótica” com o concorrente que viria finalmente a vencer o concurso de financiamento, enquanto o democrata-cristão Lobo d’Ávila adiantou que a opção pela proposta germânica teria outros problemas como a proximidade entre empresas do consórcio construtor dos navios e a entidade bancária.

A maioria salientou que, com a Lei de Programação Militar (LPM) de 2003, já aprovada com Governo de coligação PSD/CDS-PP, passou-se de 70% de ´leasing’ e 2.000 milhões de euros em juros, a taxas de 7%, para 50%, reduzindo-se os juros para 5% e aumentando os prazos de financiamento, face à LPM de 2001, embora com um aumento do investimento líquido de 963 milhões de euros, visando a compra dos submarinos.

O processo de aquisição dos navios, seguindo a Lei de Programação Militar de 1993, ainda Cavaco Silva era primeiro-ministro, foi preparado por sucessivos governos, incluindo os dois minoritários de António Guterres. A decisão de compra aconteceu em setembro de 2003, com o Governo, liderado por Durão Barroso e com Paulo Portas na pasta da Defesa, a optar pela proposta germânica em detrimento da francesa.

O negócio suscitou dois processos judiciais – um centrado nas contrapartidas da aquisição dos submarinos aos alemães, que culminou na absolvição em primeira instância de todos os arguidos, outro, relacionado com o negócio da compra e venda do equipamento, ainda em investigação no Ministério Público. Na Alemanha já se verificaram condenações por crimes de corrupção e tráfico de influências.

Os submarinos portugueses Tridente e Arpão, começados a construir na Alemanha em 2005, custaram até agora ao Estado português mais de mil milhões de euros, embora houvesse a previsão de 100% de contrapartidas. O primeiro destes navios foi entregue à Armada lusa em 2010.

N.R.: O título deste texto foi alterado, para corresponder melhor às palavras do ex-responsável do Ministério.