Em 1994, um homem com 35 anos chegou para a baliza do velhote Estádio da Luz. Nem era um gigante, tinha apenas 1.83, mas encheu a baliza da Bélgica no Campeonato do Mundo dos Estados Unidos. Caiu apenas nos oitavos de final — os alemães Rudi Völler e Klinsmann enganaram-no três vezes (2-3) –, mas mesmo assim foi eleito o melhor guarda-redes do Mundial. O Benfica piscou-lhe o olho e lá veio para Lisboa. Vinte anos depois, chegou Júlio César, um goleiro que defendeu as cores do Brasil na Copa-2014. O currículo é extenso (21 troféus). A experiência também: chega aos 35 anos, tal como Preud’Homme em 1994.

BENFICA: Júlio César; Maxi, Luisão, Jardel, Eliseu; Salvio, Enzo, Samaris, Gaitán; Talisca e Lima

MOREIRENSE: Marafona; Paulinho, Marcelo Oliveira, Danielson, André Marques; Filipe Melo, André Simões e Vítor Gomes; João Pedro, Alex e Arsénio

A estreia do belga foi como um passeio no parque. Vítor Paneira e Clóvis fizeram os golos nesse 21 de agosto de 1994. Vinte anos depois a coisa não foi assim tão fácil. Culpa do Moreirense, que já havia demonstrado a sua qualidade e cultura tática contra o FC Porto no Dragão. Organização a defender e inteligência (e velocidade!) a sair para o ataque é o cartão-de-visita desta equipa de Miguel Leal. E assim foi mais uma vez.

Nesta partida entre os campeões das principais divisões portuguesas no ano passado, o Benfica começou melhor, mas os jogadores não pareciam estar todos na mesma página. Havia até quem parecesse que havia começado cansado, como Samaris. Os de vermelho chegavam de uma derrota caseira — vs. Zenit (0-2) — e queriam mostrar outra cara.

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Lima foi o primeiro a causar perigo, mas foi traído… por ele próprio. Talisca descobriu-o na área e Lima cortou para dentro com a bola controlada. Depois, por falta de confiança, não chutou logo. Teve depois a opção de oferecer a Gaitán ou Salvio, mas, mais uma vez traído, agora pela fome daquele primeiro golo da época, fez tudo sozinho e Marafona defendeu para canto.

E, já se sabe, quem não marca, sofre. Muitas vezes é assim. Arsénio, um médio que chegou do Restelo, recebeu a bola na esquerda e puxou depois para dentro, para o pé direito. Levantou a cabeça e cruzou para o segundo poste, onde apareceu João Pedro a encostar de cabeça, 1-0. Eliseu deixou-se ultrapassar. Bom, na verdade nem reagiu. Nem viu de onde surgiu o jogador emprestado pelo Sp. Braga. Em honra ao guarda-redes do Benfica que se estreava, já cheirava a “zebra”. É o que os brasileiros chamam às surpresas.

A equipa de vermelho continuaria desligada, apesar dos 70% de posse de bola à passagem da meia hora. Mas este Moreirense não se sente melindrado por não tocar na bola. Afinal, defender bem e aproveitar a defesa subida do Benfica era o que tinham em mente. E fazem-no tão bem…

Jorge Jesus não estava nada satisfeito com o que via. Aos 35′, Samaris deu lugar a Derley. Desfazia-se o 4-3-3 e regressava o modelo amado do treinador: 4-4-2 a piscar o olho ao 4-2-4. Sim, Talisca por vezes parece um segundo avançado, mas nunca será como um verdadeiro avançado. Mas nada mudou: Maxi e Eliseu faziam pouca mossa. Nestes jogos tão fechados, ou difíceis, convém chegar o apoio vindo de trás. Não estava a acontecer. A toada do jogo manteve-se até ao intervalo. Benfica com bola mas com poucas ideias: Gaitán, Salvio e Enzo não estavam naqueles dias. O Moreirense continuou tranquilo, rigoroso e, quando possível, a perder tempo, o que levou à loucura os adeptos da Luz.

Intervalo na Luz. A mudança tática ajudou a baralhar um pouco as marcações dos visitantes, pois teriam de fazer descer um médio para fechar o segundo avançado. E isso acabaria por abrir espaços no meio-campo. Jesus pode ter muitos defeitos, mas quer ganhar e não tem problemas em mexer aos 30 minutos. Afinal, tem 70% de taxa de vitória em 280 jogos oficiais no Benfica.

O segundo tempo teve um momento chave: a expulsão de Marcelo Oliveira aos 57′. A entrada sobre Talisca em cima do risco da grande área foi perigosa. Os jogadores do Moreirense tinham sido valentes e incansáveis na primeira parte, mas prometiam quebrar. Era natural que assim acontecesse.

A reviravolta do Benfica começou à bomba. “Perdão?” Foi à bomba, sim senhor. Eliseu empatou o jogo a, arriscamos, 35 metros da baliza. Será, certamente, um dos melhores golos do campeonato. Ola John já estava em campo — entrou para o lugar de Talisca — e fez a cabeça em água a Paulinho. Mas o holandês abusa sempre, quer sempre mais um drible ou resolver sozinho.

A equipa da casa começou a empurrar os de Moreira de Cónegos para a sua área. Gaitán avisou logo a seguir, com um remate em arco saído daquele pé esquerdo, que mais parece ter um pacto divino com os céus. E foi mesmo desse pé que saiu o cruzamento para o segundo golo do Benfica. Maxi Pereira recebeu ao segundo poste e virou o marcador (77′). A Luz respirava de alívio.

O terceiro ainda chegaria (83′), e logo para o mais necessitado. Anilton derrubou Lima na área, e foi o avançado brasileiro a assumir o penálti. Três-um. Viram-se muitos sorrisos e gestos sobre o corpo, como quem se livra de uma magia negra qualquer. Lima quase bisou, a passe de Eliseu, mas Marafona fez uma grande defesa. Os visitantes não mereciam sair da Luz goleados.

Apito final na Luz. Benfica soma a quarta vitória em cinco jogos. Ficam algumas certezas depois deste jogo: o Moreirense está muito bem orientado, e foi traído pelo cansaço e pela expulsão do defesa. Lima precisava urgentemente de um golo. Samaris não está bem. Ah! E Eliseu parece ter um morteiro naquele pé esquerdo. Foi o segundo golo do canhoto. O Boavista foi a primeira vítima.