Os pequenos investidores do BES querem que o Tribunal passe a pente fino a documentação do BES e do Novo Banco. Por considerarem que foram vítimas de burla, também entregaram uma participação criminal na Procuradoria-Geral da República, avança a TSF.
A petição que os acionistas (com menos de 1% do capital social da instituição) e os investidores em obrigações apresentaram esta quarta-feira no Tribunal da Comarca de Lisboa foi subscrita por quatro sociedades de advogados que constituíram entre si o CDI BES – Consórcio para a Defesa dos Investidores do BES.
No documento com mais de 150 páginas, os autores pedem a “apreensão da escrita” do BES, que o Novo Banco fique proibido de aceder à escrita mercantil do BES e que a sede do bad bank seja desocupada, para que a perícia judicial seja realizada de forma independente. Mais: os advogados pedem que todas as pessoas que constam nos órgãos de administração e fiscalização do BES e do Novo Banco sejam ouvidas em Tribunal.
“A peça processual questiona uma abundante quantidade de medidas e de deliberações do Banco de Portugal, designadamente a transferência do BES para o Novo Banco dos ‘ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do BES”, lê-se no comunicado enviado às redações.
Os advogados adiantam que “a lei foi frontalmente violada”, porque os anexos à deliberação que transferiu os ativos do BES para o Novo Banco não permitem identificar exatamente os bens e valores a transferir, “primando por uma absoluta falta de rigor, mais adequada ao encobrimento de uma operação de pirataria do que a uma operação legal”.
Nem Cavaco Silva ou Carlos Costa, governador do Banco de Portugal (BdP), ficam fora da ação de inquérito judicial, visto que os advogados pedem ao tribunal que analise a correspondência entre o BES e o supervisor.
“Alegando não ter conhecimento de qualquer facto negativo acerca da gestão do BES antes de 1 de agosto e invocando os testemunhos do Presidente da República e do governador do Banco de Portugal, que consideraram o BES como um ‘banco sólido’, os pequenos investidores pedem também ao tribunal que a perícia procure encontrar na correspondência do BES comunicações do Banco de Portugal impondo correções de comportamentos do banco”, lê-se na nota enviada às redações.
Os advogados escrevem ainda que o Banco de Portugal deve “proteger não apenas a confiança no sistema financeiro mas também os investidores que nele são levados a acreditar, investindo nele as suas poupanças” e referem que, neste processo, as autoridades vieram “dar o dito por não dito”. Em causa está a medida de resolução que dividiu o velho BES no Novo Banco e no bad bank.
“Toda a escrita mercantil do BES foi posta em causa pelo BdP”, adiantam os advogados, que responsabilizam Carlos Costa, por ter dito não haver “nenhuma razão para suspeitas sobre o referido banco”, quando “escassos dias depois” informou o país que o conselho de administração liderado por Ricardo Salgado “desrespeitou instruções do BdP”.
Os advogados referem também vários tipos de conflitos de interesses entre contabilistas, auditores, supervisores, reguladores, bancos consultores e organizadores de emissões de acções ou de aumentos de capital.
Para poderem aceder às escritas dos bancos, os acionistas devem ser titulares de títulos que representem um valor mínimo de cerca de 60,846 milhões de euros – o capital do banco ronda os 6.084 milhões de euros – mas os autores da petição consideram que “o facto de alguém ser detentor de títulos de valor inferior àquele não legitima a usurpação, o engano ou a fraude adequada à tomada de tais valores”.
Segundo a lei, caso seja ordenada a realização do inquérito, o juiz deve fixar os pontos a abranger e nomear o perito ou peritos que devem realizar a investigação. Ao investigador nomeado, compete inspecionar os bens, livros e documentos da sociedade, ainda que estejam na posse de terceiros, e recolher, por escrito, as informações prestadas por titulares de órgãos da sociedade, pessoas ao serviço desta ou outras entidades.
Durante a realização do inquérito, “o tribunal pode ordenar as medidas cautelares que considere convenientes para garantia dos interesses da sociedade, dos sócios ou dos credores sociais, sempre que se indicie a existência de irregularidades ou a prática de quaisquer atos suscetíveis de entravar a investigação em curso”, lê-se no comunicado.
“Atenta a pressa que por aí anda para vender os ativos usurpados, não podíamos perder mais tempo. Acreditamos que a Justiça ajudará os mais fracos, proibindo a venda de quaisquer patrimónios, antes que se clarifiquem as escritas”, disse o advogado Miguel Reis, um dos autores.
A ação é subscrita pelos advogados Miguel Reis e Alberto Vaz, da Miguel Reis & Associados, Henrique Prior, da Henrique Prior, Ana G. Costa e Associados, Nuno Vieira da Silva, da Vieira, Amilcar e Associados e João Martins Jorge, da MJBT- Martins Jorge e Bernardo Tomás.