Pumba, uma bomba com o direito. A correr, de penálti ou de livre. É a arma preferida. O pé canhoto também serve e dispara com força. Bastante. A mesma conversa para a cabeça, pois se nuvens houvesse a pairar sobre o relvado seria dos poucos a fazer com que ela lhes tocasse. De qualquer forma e jeito. Foi assim que Cristiano Ronaldo, a época passada, marcou 31 golos na liga espanhola. Muitos e bons. Tantos que, agora, e depois de sublinhar e colocar a negrito o nome do português, só resta pô-lo em itálico também — pela terceira vez, Ronaldo foi o jogador que, durante uma época desportiva, mais golos marcou na Europa.

Não foi o único. Na última temporada, em Inglaterra, houve um dentuço uruguaio que também se fartou de chutar bolas para dentro das balizas. Luis Suárez, o que deixou uma mordidela no Mundial, também acabou com 31 golos na Premier League (e nenhum de penálti). E, portanto, também ele recebe a Bota de Ouro, o troféu que desde 1968 dá um prémio a quem se torna mestre em marcar golos. E quem foi o primeiro especialista? Eusébio, esse mesmo, o Pantera Negra.

Agora é a vez de Cristiano Ronaldo. O prémio já se sabia que era seu, mas só esta quarta-feira chegou às suas mãos, em Madrid, numa cerimónia cheia de pompa — orquestrada pelo Real Madrid — para a circunstância. “É um dia especial. Quero agradecer a toda a gente. Especialmente aos meus companheiros, pois sem eles, uma vez mais, nada seria possível. Desde o primeiro dia que cheguei a Madrid que me sinto muito querido e tento retribuir todos os dias”, disse o português, já em cima de um palco e com a Bota de Ouro nas mãos.

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Uma ocasião histórica, sim, mas que deixa o português, por enquanto, ainda acompanhado por quem, há anos, insiste em lhe fazer sombra: Lionel Messi. O argentino, que venceu em 2010, 2012 e 2013, fica agora com a companhia do português, o segundo homem a conquistar com golos o troféu, após já o ter feito em 2008 e 2011 (uma ainda em Manchester, a outra já em Madrid).

Os 31 golos chegaram para vencer este ano. Antes, em 46 anos, só cinco jogadores conseguiram ganhar a marcar menos: o inglês Kevin Phillips, em 2000, acabou com 30 pelo Southampton; o holandês Roy Makaay, em 2003, logrou 29 no Deportivo da Corunha; em 2004, Thierry Henry, no Arsenal, marcou 30 e, na época seguinte, ele e Diego Forlán, do Villarreal, venceram em conjunto com 25 golos. E Francesco Totti, o capitão que nunca saiu da Roma, ganhou em 2007 com 26 bolas rematadas para o fundo das redes. Alguns dos outros vencedores estão aqui.

Cristiano Ronaldo “é dos melhores jogadores de sempre”. Palavra de Emilio Butragueño, lenda do Real Madrid e atual diretor das Relações Institucionais do clube, que, na ressaca de a Bota de Ouro chegar às mãos do português, disse que o Real “tem a sorte” de o ter na equipa. Essa sorte, esta época, já rendeu à equipa os 17 golos que Ronaldo marcou em nove partidas da liga espanhola (22 no total desta temporada). Mais uma Bota de Ouro a caminho?

É muito cedo para o dizer. A atual, porém, é de Ronaldo. E esta quarta-feira tudo gira em torno dele. Há cerimónia, uma invasão de jornalista e perguntas atrás de perguntas. “Pensava que o ato fosse mais rápido, com menos pessoas, uma coisa mais simples”, confessou, quando já sozinho estava, no tal palco, com um microfone na mão e a Bota ao lado, erguida no topo de um pedestal. Questionaram-no sobre tudo: os golos, os recordes, o momento no Real Madrid (esteve, até terça-feira, a marcar em 12 jogos seguidos), o final de carreira e se é, ou não, o melhor do mundo. E Cristiano foi respondendo, bem-disposto pela ocasião.

Ronaldo acha que, com “o tempo”, foi “a pouco e pouco” conquistando “os adeptos, a imprensa e as pessoas que gostam e percebem” de futebol. “Ah, afinal ele é bom, é craque”, disse, para descrever uma suposta reação de quem levantava o sobrolho quando o via a jogar. “Gosto de me desafiar, [mas] cada vez é mais difícil superar as boas exibições que faço e os recordes que obtenho”, admitiu, sorridente, já depois de sublinhar que, esta época (e mais uma vez), “as coisas estão a correr muito bem” e “é um sortudo por jogar no Real Madrid”. Ou talvez seja o contrário, como apregoava Butrageño — o português já leva 274 golos em 262 jogos pelos merengues.

Ronaldo está embalado. Aos 29 anos (apaga as 30 velas a 5 de fevereiro), só 49 golos o separam do recorde de Raúl, homem que mais golos marcou (323) com a camisola do Real vestida. Depois há a Bola de Ouro, que Cristiano poderá vencer pela terceira vez, em janeiro. E a Liga dos Campeões? E mais uma Bota de Ouro? Troféus, prémios e mais distinções. “Não vou viver isto como uma obsessão. Quando temos uma obsessão as coisas não correm bem. Por isso deixa andar”, resumiu, embora, dentro da cabeça, saiba que “quando terminar a carreira”, vai “olhar para a estatística e ver” se está “entre os melhores de sempre” — “E de certeza que vou lá estar”, garantiu.

É esperar para ver. A tinta no papel dita que ficará pelo Real Madrid até aos 33 anos. “É preciso falar com o Florentino Pérez e renovar [o contrato] por mais uns aninhos”, chegou a brincar. Nas conversas consigo próprio, contudo, Ronaldo sabe o que diz. “Na minha cabeça tenho de ser o melhor”, assegurou, sem antes deixar outra garantia para quem o ouvia: “Ainda me faltam muitos anos.”