“O Rei Pálido”, obra póstuma e inacabada de David Foster Wallace, foi traduzida para português e lançada esta semana. A obra inclui um texto do editor e as notas do escritor norte-americano, que se suicidou em 2008.

“Daqui fala o autor. Ou seja, o verdadeiro autor, o ser humano em carne e osso a segurar o lápis, não uma qualquer e abstrata persona narrativa (…) Mas isto agora aqui sou eu enquanto pessoa real, David Wallace, quarenta anos, número de Segurança Social 975-04-2012, a dirigir-me a vocês do escritório dedutível mediante impresso 8829 que tenho em minha casa, 725 Indiana Hill Blvd., Claremont, neste quinto dia da primavera de 2005, para vos informar o seguinte: Isto é tudo verdade. Este livro é mesmo verídico”, escreve o autor no capítulo 9 que — surpreendentemente — surge como Prefácio na página 80.

Wallace afirma que se trata “de facto” de um livro de memórias e não de uma “qualquer história inventada”, sendo que grande parte do texto se baseia nos vários cadernos e diários que manteve durante os treze meses de trabalho como analista “rotineiro” na Direção Regional de Finanças em Peoria, Illinois, entre 1985 e 1986.

No mesmo capítulo, o escritor enquadra a burocracia, a contabilidade e as mecânicas da tributação fiscal no contexto da política administrativa dos Estados Unidos, onde é “tudo misterioso e estupidificantemente complexo”, para se debruçar sobre o que estará “escondido” atrás de tanto tédio. “Para mim, pelo menos olhando para trás, a pergunta realmente interessante é por que razão o tédio demonstra ser um impedimento tão poderoso à atenção. Por que razão sentimos aversão pelo aborrecido” (página 102), questiona o escritor.

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David Foster Wallace suicidou-se a 12 de setembro de 2008, aos 46 anos, tendo sido considerado em vida como um dos escritores mais importantes e originais da literatura moderna norte-americana. Apesar do êxito alcançado com as obras anteriores a “O Rei Pálido”, como “Piada Infinita” ou o livro “Uma Coisa Supostamente Divertida que nunca mais vou fazer”, os problemas de depressão de que sofria nunca se dissiparam.

O manuscrito de “O Rei Pálido” foi recuperado pela mulher, Karen Green, e publicado pela primeira vez nos Estados Unidos em 2011 e incluiu a explicação do editor Michael Pietsch sobre a complicada montagem do livro inacabado conseguida através dos textos encontrados na secretária do escritor, material definitivo que se encontrava gravado em dois computadores, e inúmeras notas escritas à mão.

“O David decidiu escrever um romance sobre alguns dos temas mais difíceis do mundo — tristeza e aborrecimento — e tornar essa exploração nada menos do que dramática, divertida e profundamente comovente (…) o que temos é um romance inacabado, e como podemos não olhar? Infelizmente, o David já não está cá para nos impedir de o ler nem para nos perdoar por o querermos fazer” (página 642), explica o editor de Foster Wallace.

“O Rei Pálido”, de David Foster Wallace (Editora Quetzal, 642 páginas — tradução de Maria Dulce Guimarães da Costa e Vasco Teles de Menezes), foi lançado em Portugal esta semana.