O advogado Ricardo Sá Fernandes encarou como “uma quase brincadeira” a sugestão do Tribunal de Aveiro de chamar José Sócrates para depor sobre as escutas do processo “Face Oculta” que foram destruídas por ordem do Supremo Tribunal de Justiça.

A questão foi suscitada pelo defensor de Paulo Penedos no recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto, a que a agência Lusa teve acesso.

Ricardo Sá Fernandes dedica grande parte do recurso à matéria relacionada com a destruição das escutas telefónicas envolvendo o ex-primeiro ministro José Sócrates, uma situação que levou o causídico a pedir a nulidade da acusação ou de todas as escutas telefónicas, ou pelo menos daquelas em que o seu cliente interveio.

O coletivo de juízes que julgou o caso indeferiu o pedido, assinalando que a defesa de Paulo Penedos poderia ter inquirido o co-arguido Armando Vara ou arrolado como testemunha José Sócrates para dar conta do que foi dito nas referidas conversas, uma possibilidade afastada por Ricardo Sá Fernandes.

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“Parece que estamos perante não um argumento, mas uma quase brincadeira, pois, como é evidente, ninguém poderia garantir que Armando Vara e José Sócrates reproduzissem com fidelidade o conteúdo de tais conversas ou sequer que acedessem a falar sobre tal matéria”, diz o defensor de Paulo Penedos.

No recurso, Ricardo Sá Fernandes insiste na nulidade do acórdão por causa da utilização das escutas, defendendo que os juízes desembargadores devem reenviar o processo para novo julgamento, relativamente ao seu cliente, durante o qual esses meios de prova não poderão ser utilizados.

A defesa de Paulo Penedos considera ainda que o coletivo de juízes revelou um “intuito verdadeiramente persecutório”, em relação ao seu cliente, alegando que a sanção aplicada foi “desproporcionada e desequilibrada”, em relação aos critérios aplicados a todos os outros arguidos.

“A pena aplicada ao arguido dever-se-ia sempre situar abaixo do limiar médio da respetiva moldura penal, tal como aconteceu para a generalidade dos restantes arguidos e as suas circunstâncias pessoais amplamente justificam”, lê-se no recurso.

Paulo Penedos foi condenado no passado dia 05 de setembro, pelo Tribunal de Aveiro, a quatro anos de prisão efetiva por um crime de tráfico de influência.

O tribunal deu como provado que o arguido influenciou o pai, o coarguido José Penedos, então presidente da administração da REN, a adjudicar contratos às empresas de Manuel Godinho, principal arguido no processo, recebendo em troca quantias monetárias.

O processo “Face Oculta”, que começou a ser julgado há cerca de três anos, está relacionado com uma alegada rede de corrupção que teria como objetivo o favorecimento do grupo empresarial do sucateiro Manuel Godinho, nos negócios com empresas do setor empresarial do Estado e privadas.

O Ministério Público (MP) acusou 36 arguidos, incluindo personalidades como Armando Vara, antigo ministro e ex-administrador do BCP, José Penedos, ex-presidente da Redes Energéticas Nacionais (REN), e o seu filho Paulo Penedos, de centenas de crimes de burla, branqueamento de capitais, corrupção e tráfico de influências.

Todos os arguidos foram condenados a penas de prisão, mas a grande maioria beneficiou de penas suspensas, condicionadas ao pagamento de quantias entre os três e os 25 mil euros a instituições de solidariedade social.

A pena mais gravosa (17 anos e meio de prisão) foi aplicada a Manuel Godinho, que foi condenado por 49 crimes de associação criminosa, corrupção, tráfico de influência, furto qualificado, burla, falsificação e perturbação de arrematação pública, resultando em 87 anos e 10 meses a soma das penas parcelares.