Arrumar o quarto, lavar a loiça ou sentar-se à secretária e mergulhar nos trabalhos de casa. Deveres há muitos. Uns mais chatos que outros, é a lei doméstica. No meio há sempre duas hipóteses: fazê-los por vontade própria ou só a mando dos progenitores. Uma dá recompensa, a segunda nem por isso. Se a criança for pela primeira opção, “é distinguida”. Como? Recebe uma espécie de galhardetes, que depois prende ao cinto ou ao quimono e, com orgulho, os “mostra às outras crianças”. É um prémio. E também uma outra forma, para lá de saltos, bloqueios e pontapés, de incentivar os miúdos.

E a motivação até vem de uma arte marcial. Neste caso, do Taekwondo. “Há uma forte ligação ao ensino. Eles até recebem prémios se tiverem boas notas na escola”, explica Miguel França Martins, da Songahm Taekwondo Academy Tanger, a primeira academia profissional desta modalidade em Portugal, fundada por Pedro Tânger, em Lisboa. A mesma que, este sábado, a partir das 17h, colocará 18 crianças à prova. Quinze delas com menos de 15 anos. Para quê? De modo a levarem um cinturão preto para casa.

São novos, bastante. E são muitos: grande parte das crianças tem dez ou 11 anos. Idade que, de preocupações, só costuma ter as aulas e as brincadeiras na escola. Na cabeça destes miúdos, contudo, também mora “a coordenação de movimentos”, as “dinâmicas de grupo” e as “defesas e os pontapés” que têm de executar. “É engraçado”, resume Miguel, antes de revelar que, na academia, há crianças que por lá aparecem “com três anos”, a quem é necessário “adaptar o ensinamento” da arte marcial.

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Nesses casos, é “quase como um jogo”. Ouvirem “tigre”, por exemplo, é sinónimo de pontapé, enquanto a palavra “leão” lhes dá sinal para um movimento de defesa. O importante nestas idades, diz Miguel, é a repetição de movimentos e a coordenação que neles se quer incutir. Depois é treinar, evoluir e, “a partir dos seis, sete anos”, ir escalando os degraus em forma de cores. Até chegarem ao negro, há oito cinturões: o branco, o laranja, o amarelo, o camuflado, o verde, o roxo, o azul, o castanho vermelho, e o vermelho e preto, que serve de estágio até ao preto.

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É uma caminhada que, por norma, dura uns seis anos. E no cume está a recompensa, que só aparece os tais miúdos, já com dez ou onze anos, cumprirem os deveres. Neste caso, aos pontapés. Há três testes no exame. Primeiro, a parte solitária, “uma demonstração técnica” de “posições bem feitas” e “defesas e pontapés bem executados”, como se estivessem em luta contra “adversários imaginários”. Depois, aí sim, há a parte do combate, que “dura entre 30 segundos a um minuto”, entre miúdos com as mesmas idades.

Pelo meio, se a vontade da criança dizer que sim — e “quase todos querem”, afiança Miguel — há tempo para uma demonstração com armas. Ou seja, pegam “num bastão longo” ou “numas matracas” e mostram o que sabem fazer com elas. E, por último, chega a quebra das barreiras, a tal parte em que, até nos filmes, se veem pessoas a partir tábuas de madeira. Só que, aqui, são os pés de crianças a fazê-lo. E conseguem-no. “Depende do estado de espírito do professor. Por norma partem nove tábuas, a simbolizar o número de cintos, de etapas pelas quais passaram”, explica Miguel.

E com a fita negra à volta da cintura, o que resta fazer? Subir mais degraus. “Quando chegam ao cinto preto têm outra evolução, onde há outros nove níveis”, prossegue, ao falar de uma aventura que “exige muito mais treino”, é “mais lenta” e, para subir na escada, é necessário treinar durante o número de anos equivalente ao nível de cinto ao qual o praticante aspira. “Por exemplo, eu estou no nível dois do cinto preto e, para me candidatar ao nível três, tenho que treinar dois anos”, desenha Miguel França Martins. E por aí fora.

Novato ou graúdo, com cinto branco ou mais que negro, há valores que o Taekwondo tenta passar. A todos, sem exceção, apregoa Miguel. “Tenta incutir certos valores um pouco apagados na sociedade atual: lealdade, cortesia, objetivos, confiança ou perseverança. Todos estes princípios são incutidos nos treinos”, enumera, justificando, por aqui, as tais recompensas dadas aos miúdos — no caso de as notas lhes sorrirem na escola ou de darem uma maozinha nas tarefas domésticas.

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Tudo isto tem um preço, como qualquer desporto. Na STAT “paga-se à volta de 50 euros” em troca de dois treinos por semana, já depois de dar 40 euros para a inscrição na academia — que “serve para cobrir o seguro”. Depois há outros 30 euros a pagar pelo fato e, quando o verão acordar, uns 25 para comprar outro fato. “Porque o quimono é muito quente e pesado”, resume Miguel. Depois, já de cinto negro na cintura e caso a vontade seja combater, a compra do equipamento, entre luvas, colete e proteção para pernas e braços. O kit completo custa cerca de 100 euros. “Mas, em princípio, só se compra um na vida”, assegura.

Talvez, se o fizer tarde e o corpo já não quiser crescer mais. Pois, se o fizer na altura dos “leões” e dos “tigres”, mais altura e peso serão coisas que acabarão por aparecer.