Artigo originalmente publicado em dezembro de 2014

São mais de três décadas pelo meio. É muito tempo. Não está tudo igual, mas as diferenças não são muitas. Na altura chegavam estrelas. Cadentes, mas estrelas. O brilho estava lá, para rasgar não os céus, mas os relvados. O Cosmos andava à caça quando a maioria dos norte-americanos desconhecia que uma bola redonda também servia para levar pontapés. Eram precisos nomes, dos grandes. Como agora: “É no mesmo sentido de antigamente: trazer mais público e torcedores aos jogos.”

Carlos Alberto Torres sabe do que fala. O brasileiro, com 33 anos, inverteu a marcha à cadência e, em 1977, decidiu ir para Nova Iorque. Viu o “interesse muito grande” que germinava nos EUA à volta do futebol. O soccer ansiava por craques. E, depois de Pelé, viu aterrar no New York Cosmos o capitão da seleção brasileira que, sete anos antes, vencera o Mundial do México e marcar o melhor golo da final (4-1, frente à Itália). “Em todo o lugar que eu vou as pessoas ainda falam [do golo]”, admite.

E talvez também falarão dos 323 que Raúl deixou em Madrid. O espanhol, melhor marcador da história do Real — e um de três homens, além de Di Stéfano e Santillana, que, em golos, ainda está à frente de Cristiano Ronaldo — é a estrela que, depois de Pelé (1975-77), Carlos Alberto (1977-80, 1982), Franz Beckenbauer (1977-80, 1983), Giorgio Chinaglia (1976-83) ou Johan Neeskens (1979-84), foi caçada pelo Cosmos para atrair interesse ao clube que resolveu renascer das cinzas: existiu entre 1970 e 1985, reaparecendo em 2010.

O espanhol foi apresentado esta terça-feira no clube (às 17 horas portuguesas) e, antes, o Observador pegou no telefone e falou com o homem que gostou “muito” de viver numa cidade que “fervilhava” no meio do “boom do futebol”. Onde até chegou a conhecer Stevie Wonder numa discoteca.

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Quando soube do convite do New York Cosmos, disse logo que sim?

Sim, sim. Foi um período em quero futebol os EUA estava a evoluir muito. Nós acompanhávamos aqui pela imprensa. A cada partida batia recordes de público nos jogos, sobretudo os do Cosmos. Por isso eu me interessei e quis participar naquele momento bom do futebol norte-americano.

Conversou antes com o Pelé?

Claro. Com ele e com o Professor Júlio Mazzei, que à época era o preparador físico do Cosmos e já tinha trabalhado comigo no Santos. E eles me confirmaram que havia um interesse muito grande que eu fosse para lá, para ajudar na conquista do último título do Pelé. E foi mesmo. Ele despediu-se como um campeão e eu estava ao lado dele.

E se o Rei não estivesse lá, o Carlos Alberto teria ido na mesma?

Se o clube estivesse na mesma situação em que se encontrava, com aquela evolução tão grande, sim, eu iria.

O que o surpreendeu mais?

Hmm.. [demora uns segundos a arrancar] Olha, o interesse do público pelos jogos. Porque sabia-se que o futebol, até aquele instante, não era tão apreciado pelo povo e torcedor americano. E quando eu via cada jogo a bater recordes de público, isso foi bastante interessante.

Até tiveram que mudar de casa e arranjar outro estádio.

Isso. Passaram para o Giants Stadium. Quando eu cheguei já lá estavam.

Antes estavam em Long Island, onde Pelé, após fazer lá o primeiro jogo, disse que não queria jogar mais naquele campo.

Ah, nããão, eu desconheço. Ainda não estava lá. Mas de qualquer maneira eles teriam de arranjar um local novo para os jogos pelo próprio interesse dos torcedores, que não parava de aumentar pelo Cosmos e pelo Pelé. O estádio em que ele jogava tornou-se logo pequeno. Por isso o Cosmos alugou o estádio dos [New York] Giants. Lembro-me que naquele ano, em 1977, tivemos jogos com mais de 70 mil pessoas no estádio.

E jogar com o Franz Beckenbauer?

Foi muito bom. Um privilégio mesmo, muito grande. Joguei ao lado de grandes jogadores. Não só o Beckenbauer como o [Giorgio] Chinaglia, depois veio o [Johan] Neskeens, o Marinho, também brasileiros. O Cosmos era uma equipa com uma constelação muito grande de jogadores.

Carlos Albeto Torres Cosmos

Carlos Alberto Torres jogou quatro épocas no New York Cosmos e hoje é um dos embaixadores internacionais do clube © New York Cosmos

E o Chinaglia não tinha uma personalidade difícil [Pelé chegou a dizer que não valia a pena passar a bola a um avançado que a rematava de ângulos impossíveis]?

Não, não, inclusive era muito meu amigo. Sempre gostei de estar ao lado dele.

Dentro de campo também?

Sim, para mim nunca houve problema. Ele tinha uma posição privilegiada lá no clube, era muito amigo do dono, mas procurava sempre defender os interesses dos jogadores.

Nem discussões com os jogadores? Ou com o Pelé?

Nããão, nem ele. Nunca vi um jogador discutir com ele dentro ou fora de campo. Nem o Pelé.

O Raúl é apresentado no Cosmos na terça-feira. É uma contratação para chamar estrelas e voltar aos velhos tempos?

Penso que sim. Não sei como ele se encontra fisicamente, para jogar, mas acredito que está em bom estado, por isso aceitou o convite do Cosmos. E vai ser uma presença importante e no mesmo sentido de antigamente: que é trazer mais público e torcedores aos jogos do Cosmos. Espero que tecnicamente tenha uma colaboração grande.

A direção do clube pediu-lhe alguma opinião sobre isto?

Eles sempre me comunicam, sim, porque eu sou embaixador do Cosmos no Brasil. Toda a iniciativa que eles tomam, eles me dizem, para saberem se eu acho bom ou não. Sou uma espécie de consultor.

Então sugeriu a contratação de mais alguém?

Não chegou ao ponto de sugerir [ri-se]. Se eles têm o interesse de me ligar e perguntar, aí sim, eu dou as minhas opiniões.

E será que vão colocar o Raúl a jogar noutra posição como fizeram consigo, em 1977?

Eu já jogava na posição de zagueiro de área [defesa central] aqui no Flamengo, no Brasil. Para mim nem foi um problema.

Chegou para jogar fora da posição em que marcou o tal golo na final do Mundial de 1970, contra a Itália. Falavam-lhe muito disso na altura?

Ahh, sim. Em todo o lugar que eu vou as pessoas falam. Todo o mundo lembra. Até hoje, passados mais de 30 anos, as pessoas insistem.

E viver em Nova Iorque?

Era muito bom. Estávamos no meio do boom do futebol. As discotecas… Enfim. A cidade fervilhava, entende? Foi uma época muito boa, gostei muito.

Foi nessas discotecas que conheceu o Stevie Wonder, por exemplo?

Bom, sim. O pessoal do Cosmos era convidado para ir a todos os lugares da moda. Sempre.

Ainda se lembra daquele penálti estranho que marcou em 1978, nos play-offs?

Claro. Era uma forma diferente de bater. Pensei naquilo na hora, não havia preparação. Por isso executei e deu golo. E ajudei o Cosmos a qualificar-se para a final. Não tinha estado numa cobrança [grandes penalidades]. Inclusive não esperava que o treinador pedisse para eu bater. Se falhasse o Cosmos ficaria eliminado. Mas fiz golo e, depois, o Beckenbeauer cobrou o penálti da vitória. É um momento que até hoje as pessoas lembram nos EUA. É considerado como um dos maiores momentos de futebol.

Porque cobravam os penáltis tão longe da baliza?

Era uma maneira de motivar o público. O penálti normal, pura e simplesmente, já se fazia no mundo todo. A possibilidade é sempre maior da parte do cobrador. E aquela modificação que os americanos fizeram trouxe mais emoção e interesse nas pessoas. Todo o mundo ficava aguardando, com ansiedade. Naquela disputa qualquer um poderia ganhar, o batedor ou o goleiro.

Funcionaria hoje em dia?

Não sei, teriam que voltar a experimentar e colocar em prática. Na época funcionou.

Chegou a jogar contra o Eusébio nos EUA [o português jogou pelos Toronto Metros, os Las Vegas Quicksilver, os New Jersey Americans e os Buffallo Stallions, entre 1976 e 1980]?

Eu cheguei… Oh, não, pelo Cosmos não. Joguei contra ele no Santos, quando ele era do Benfica, em 1966, num torneio em Nova Iorque até, depois da Copa do Mundo. Foi a única vez que joguei contra ele.

E falaram?

Penso que sim. Mas já não me lembro de nada. Foi há muito, muito tempo já.