A auditoria externa à empresa municipal Gaianima, a que a Lusa teve acesso, revela ter havido violação da lei dos compromissos por parte do antigo Conselho de Administração que, segundo o documento, também desrespeitou regras de contratação pública. Com quase 770 páginas, a “Avaliação da situação económico-financeira e contextualização da dissolução da Gaianima” começa com o Conselho de Administração da Comissão Liquidatária da empresa a sugerir o envio do relatório à Direção-Geral das Autarquias Locais, às Finanças e ao Tribunal de Contas.
Das principais conclusões dos auditores resulta que “toda a despesa assumida, comprometida e paga desde a entrada em vigor da LCPA [lei dos compromissos] foi concretizada num quadro de inexistência de fundos disponíveis” e ainda “sem emissão do número de compromisso válido e sequencial”. Tais situações, referem os auditores, “são suscetíveis de tipificar ilícitos geradores de responsabilidade civil, criminal, disciplinar e financeira, sancionatória e ou reintegratória”.
Identificando Ricardo Almeida (presidente do Conselho de Administração da Gaianima), Angelino Ferreira (administrador) e João Vieira Pinto (administrador) como responsáveis, a auditoria incidiu sobre o período compreendido entre 21 de fevereiro de 2012 e a cessação de funções daqueles, em outubro de 2013. O documento revela ainda que “de forma reiterada”, e apesar de informado, o Conselho de Administração (CA) decidiu pela adjudicação de empreitadas e aquisição de bens e serviços “em violação do estabelecido na LCPA”.
Na análise de situações contratuais consideradas “relevantes”, e “com impacto na dissolução” daquela empresa municipal, a auditoria nota que o seu CA funcionava como um órgão unipessoal, uma vez que a maioria das decisões de contratação “eram tomadas individualmente” pelo presidente.
Resulta ainda um “crónico” problema de assunção de despesas sem cabimentação e um “desrespeito sistemático pelas regras de contratação pública, nomeadamente as procedimentais”. “Quando existia procedimento, as regras materiais de definição de natureza, quantidade e espécie de aquisições são sistematicamente olvidadas, não se percebendo muitas das vezes a materialidade das mesmas, fundamento e destino”, lê-se numa das páginas.
O relatório revela também a existência de contratos de empreitada “sem submissão a qualquer regra de transparência”, de “inúmeras aquisições feitas ao mesmo fornecedor (…) que denotam um fracionamento da despesa”, de “faturação abusiva de serviços não realizados” e até contratos “a que foram atribuídos efeitos retroativos” com a finalidade de “acobertar despesas realizadas em data anterior”. Mesmo depois da decisão de dissolução da Gaianima, tomada no final de 2012 pelo anterior executivo, liderado por Luís Filipe Menezes (PSD), a empresa “continuou a laborar como nada se tivesse passado” especialmente nas áreas de “promoção de eventos e comunicação”.
Segundo a comissão liquidatária, e em resultado das conclusões do relatório, foi aprovado o pagamento de 203,4 mil euros a 28 fornecedores, estando a empresa contudo impedida de realizar pagamentos no valor de 4,4 milhões de euros, relativos a despesas assumidas em violação à lei dos compromissos e que deverão ser alvo de um acordo de transferência com o município. O presidente da Câmara de Gaia já anunciou que irá enviar à procuradoria-geral da República o resultado da auditoria feita à Gaianima que pediu em abril.