Tudo às escuras. Ninguém fala, reage, opina, escreve ou dá palavras ao que pensa. Um blackout é assim, e quando um clube o decreta, o silêncio não é apenas o melhor remédio — é o único. Não há conferências de imprensa, entrevistas ou jornalistas à espreita nos treinos. Só se ouvem coisas nas flash-interviews, as obrigatórias, que acontecem logo após uma partida oficial. Ou, por outras palavras, “nenhum órgão social, dirigente, funcionário, colaborador, treinador, atleta ou outras pessoas” prestará “qualquer tipo de declarações aos órgãos de comunicação social, com exceção das plataformas de comunicação próprias” do clube.
No Sporting é assim. Pelo menos desde a noite de segunda-feira, quando os leões, no seu site, emitiram um comunicado para auto-imporem um silêncio, sem fim anunciado, “em virtude dos injustificados e repetidos ataques por parte de diversos órgãos de comunicação social” ao clube. Os leões indicarem uma desculpa, mas não tocaram no assunto que a terá motivado — as costas de Marco Silva, o treinador, e as de Bruno de Carvalho, o presidente, que, diz-se, estão cada vez mais voltadas.
Comunicado da Sporting SAD: http://t.co/Jl7J2BPV7C
— Sporting CP ???? (@SportingCP) December 22, 2014
Na manhã seguinte, a desta terça-feira, lá está, as capas dos três diários desportivos encostavam as costas na mesma parede: todos davam conta de uma cisão entre Marco e Bruno, falando até de um despedimento iminente. Coisa séria, portanto. O suficiente, pelos vistos, para a direção dos leões proibir as pessoas do clube de falarem com tudo o que não seja do Sporting. Mas já houve quem o tenha feito por menos e durante muito tempo.
Até nem lhe chamou blackout — como não o fez o Sporting –, mas houve uma sessão de silêncio, no Dragão, que durou mais de cinco meses. E apareceu do nada. A 9 de dezembro de 2005, os dragões ainda estavam a ressacar um empate vindo de Bratislava, contra um Artmedia que conseguiu obrigar a equipa a sair das competições europeias. O treinador, nesse tempo, ainda pensava em holandês e Co Adriaanse, antes do tal encontro, dissera que o FC Porto “jogando” como o fez quando recebeu a equipa eslovena (derrota por 2-3, em casa), “em dez jogos, [ganharia] nove”.
Exemplo de frases que, aos olhos do clube, eram “constantemente reproduzidas fora do seu contexto” e geravam “um mau tratamento jornalístico” que enganava “os associados e adeptos”. A decisão “do grupo de trabalho”, portanto, foi iniciar um “período de contenção verbal” que duraria até 14 de maio, dia em que, no Jamor, venceu a Taça de Portugal, já depois de levar o caneco do campeonato nacional para casa.
Neste caso há diferenças. A primeira no facto de, na altura em que se calou, o FC Porto ser líder da liga e por lá ter continuado depois. A segunda reside no facto de, segundo o comunicado emitido na altura, o silêncio ter sido decidido pelo grupo de trabalho — ou seja, pelo treinador, jogadores e direção. E não, supostamente, apenas por quem manda desde lá de cima, como aconteceu agora, com o Sporting. Em 2003, por exemplo, o FC Porto decretou outro blackout, na altura, motivado pelos castigos que a Comissão Disciplinar da Liga de Clubes impusera a Jorge Costa e Costinha. E os dragões, aliás, estiveram 11 dias sem que algum jogador ou dirigente falasse à comunicação social.
Na mesma época, aliás, até houve outro blackout que, afinal, não o chegou a ser. Durante algumas semanas, Ronald Koeman, o então treinador do Benfica, não apareceu nem falou em qualquer conferência de imprensa. Os rumores não tardaram e sussurravam um silêncio imposto na Luz. Os jogadores, esses, não falavam mesmo a ninguém e notícias só houve a 18 de março de 2006, quando o técnico holandês decidiu falar.
E, pelos vistos, quebrar uma ordem. Os encarnados tinham acabado de acenar um adeus, em casa, à Taça de Portugal, ao serem derrotados (1-0) pelo Vitória de Guimarães, e Koeman quis “sair em defesa do grupo” e “dar a cara” no “momento difícil”. O Benfica acabaria a temporada sem títulos, mas com a consolação de, na Liga dos Campeões, só ter caído nos quartos-de-final e por culpa do empurrão do Barcelona de Deco, Ronaldinho e Eto’o, que nessa época venceria a competição.
Ronald Koeman, aliás, até contrariou a existência de um blackout, quando defendeu ter sido “apenas um momento de descanso” face aos “muitos jogos, que implicavam muitas conferências de imprensa”. Algo, confessou na altura, que “às vezes cansa”.
Antes, em 2002, por exemplo, o Benfica, aí sim, decretou um blackout e chegou até a barrar a entrada de jornalistas na sala de imprensa do Estádio da Luz. O silêncio foi anunciado a 22 de abril por João Malheiro, então diretor de comunicação do clube, justificando a decisão com a cobertura jornalística ao dérbi lisboeta com o Sporting. Durante semanas apenas se ouviu a voz de Jesualdo Ferreira, então técnico que só estava autorizado a falar 48 horas antes de cada jogo, numa conferência de imprensa.
O Sporting também entra nesta história de silêncio. Há duas temporadas, na última da era Godinho Lopes, os leões estiveram entre 16 de abril e 15 de maio de 2012 calados, sem nada dizerem. Esta jura só terminou após a equipa perder com a Académica na final da Taça de Portugal. Aí até houve uma diferença — a administração do clube usou o termo “blackout” no comunicado no qual anunciou a decisão.
Aí o silêncio só terminou quando a época disse adeus e até para o ano. E quando os leões chegaram a uma final e foram derrotados. Hoje as bocas receberam ordens para estarem caladas em dezembro, a meio de uma temporada na qual o Sporting está a 10 pontos do líder do campeonato, vai para os “quartos” da Taça de Portugal e ainda tem pela frente os dezasseis-avos de final da Liga Europa. E, alegadamente, tem tremidas as relações entre presidente e treinador. Veremos como, e quando, vai acabar.