Nem sempre acontece o que se espera. A vida ensina isso a toda a gente e também o futebol tem a mania de se armar em professor. Mas não é assim tão comum, claro. Ter na equipa um avançado com uma relação séria com os golos, por exemplo, é meio caminho andado para, a cada jogo, os adeptos ficarem a roer as unhas, ansiosos, à espera que seja ele a marcar. Como costume. E o hábito, entre 2007 e 2014, de quem torcia pelo Benfica, teria esta relação com Óscar Cardozo. O mesmo que haveria entre adeptos do Sporting, de 2003 a 2011, quando Liedson por lá andava.
Porquê? Eram goleadores, dos bravos, e sobretudo nos dérbis, nos jogos que colocavam no mesmo relvado os dois rivais de Lisboa. Ambos deixaram a sua marca nos duelos entre encarnados e leões, tanto que o paraguaio é o melhor marcador estrangeiro de sempre em clássicos lisboetas (13 golos em 18 jogos), e o brasileiro ficou logo atrás na corrida (11 em 17). Deles sempre se esperaram golos e mais golos. E tanto um, como outro, foram obedecendo.
As épocas iam passando e o que ao início podia ser novidade foi deixando de o ser — era provável que Cardozo ou Liedson decidissem um dérbi. Como antes o era com Nené ou Manuel Fernandes e hoje o será com Jonas ou Fredy Montero. São todos homens de atenção fixa no golo, sempre perto da baliza e, logo, com maiores probabilidades de tocar em bolas que se possam tornar em golos. Depois há os improváveis: o defesa tímido, especialista em evitar golos ao invés de os marcar, ou o jogador que conhece melhor o banco de suplentes do que o relvado.
Poucas pessoas esperam que sejam estes a decidir um dérbi. Mas a verdade é que acontece. E aconteceu umas vezes nos últimos 25 anos. Por isso o Observador foi vasculhar clássicos lisboetas que, em Alvalade, foram resolvidos, totalmente ou em parte, por nomes que pouco habituados estavam a decidir jogos.
Beto, Sporting 1-0 Benfica, 26 de outubro de 1996
Estava acabadinho de voltar do Alentejo e de um empréstimo ao Campomaiorense. O miúdo prometia, via-se nele o talento para defender e bloquear caminhos para a baliza, mas ser titular num dérbi era coisa para erguer a sobrancelha de surpresa. Com 20 anos, Beto jogava de início logo à primeira vez que defrontava o Benfica. Ou seja, era jogo e circunstância suficientes para tremer as pernas aos mais sensíveis. Mas o defesa central, além de não vacilar, ainda utilizaria a cabeça para, aos 51′, marcar o golo que acabaria por dar a vitória ao Sporting.
Era apenas o terceiro encontro que Beto fazia com esta camisola. Chegaria ao final dessa época com 31 partidas, dois golos marcados e um lugar reservado na defesa leonina que só largaria quando saiu do clube, a meio de 2005/2006.
Beto, Sporting 1-2 Benfica, 3 de janeiro de 1999
Três anos depois, Beto ainda não era graúdo, mas já tinha uma quanta experiência acumulada. Ia já com mais de 60 jogos na equipa principal do Sporting e, neste dia, cumpria o terceiro dérbi em Alvalade contra o Benfica. Até já tinham começado os rumores que, durante uns anos, pegavam em Beto e o colocavam no centro dos interesses do Real Madrid. Verdade ou não, não terá sido este encontro a manter vivaço o entusiasmo dos merengues pelo central português.
Os encarnados chegaram a estar a vencer em casa do rival por 2-0 e chegariam ao fim do jogo sem marcarem qualquer golo. Mas com a vitória. Foi do pé direito de Beto, e da cabeça, depois, que apareceram dois auto-golos. O primeiro quando, em carrinho, tentou cortar um cruzamento vindo da esquerda, e o segundo no momento em que saltou com Jorge Cadete para o tentar impedir de cabecear a bola. Aconteceram aos 27’ e aos 79’, e o Sporting perdeu 2-1 (Delfim marcaria aos 81’).
Abdel Sattar Sabry, Sporting 0-1 Benfica, 6 de maio de 2000
A ansiedade, os nervos, a festa preparada, o alívio por chegar. Tudo isto pairava antes e durante o dérbi que, 18 anos depois, podia voltar a dar ao Sporting um título de campeão nacional. As celebrações estavam preparadas: bastava um empate para os leões celebrarem com o rival a ver. Quase que aconteceu. E o quase que faltou foi roubado por Abdel Sattar Sabry, um egípcio magricela, que passava pouco a bola e queria fintar tudo e todos com ela colada ao pé esquerdo.
Neste dia começou sentado no banco. Jupp Heynckes, então treinador do Benfica, preferira o chileno Uribe para fechar um dos lados do meio campo. Por isso Sabry, que excitava as bancadas e de lá arrancava aplausos dos adeptos encarnados sempre que jogava, teve de esperar, como de costume (o extremo era mais um substituto utilizada muitos vezes do que um titular).
Entrou ao 50′, para substituir o capitão João Pinto, e teve que esperar 38 minutos até João Tomás ganhar uma falta a André Cruz perto da esquina direita da grande área. O egípcio, com a gola para cima, pegou na bola, beijou-a, bateu-lhe com o pé esquerdo e fê-la entrar na baliza de Schmeichel. Mandou calar com um dedo os adeptos do Sporting e adiou a festa do título por uma semana.
Luís Loureiro, Sporting 2-1 Benfica, 10 de setembro de 2005
Chegara ao Sporting já com um certo estatuto. Afinal, quando ainda estava no Gil Vicente e poucos sabia o que andava a fazer, já Luiz Felipe Scolari o começara a chamar para a seleção nacional. Isto foi em 2002 e, depois disso, Luís Loureiro ainda cumpriu uma época em Braga e outra em Moscovo, levado pela debandada de compras que o clube russo fez em Portugal após o FC Porto conquistar a Liga dos Campeões com José Mourinho, em 2004. Um ano depois e juntou-se aos leões.
À 3.ª jornada do campeonato de 2005/2006 aparecia a titular no meio campo logo no primeiro dérbi da época. E num canto aos 38′ foi ele que inaugurou o marcador, quando um ressalto levou a bola para perto do seu pé direito e, com uma escorregadela pelo meio, a rematou com força para a baliza. Um de dois golos que o Sporting marcaria para vencer o Benfica (2-1).
Ricardo Rocha, Sporting 0-2 Benfica, 1 de dezembro de 2006
O dérbi ainda mal aquecera, nem houvera tempo para isso, quando o Benfica ganha o primeiro canto do jogo. O jogo estava no segundo minuto. Simão Sabrosa foi lá marcar, cruzou a bola e Ricardo Rocha saltou para, com a cabeça, marcar o primeiro de dois golos com que os encarnados venceriam os leões em Alvalade. Isto logo aos 3’.
Esta também seria a partida em o defesa central, após ganhar no corpo a corpo com Liedson, junto à linha de fundo, fez um gesto para aconselhar ao então avançado do Sporting — cuja alcunha era “o Levezinho” –, a praticar mais no ginásio. Semanas depois, o internacional português sairia do Benfica para rumar aos ingleses do Tottenham e para não mais voltar a jogar em Portugal.