O homem que representou o segurismo nas negociações do pós-primárias com António Costa garante que não há oposição interna ao líder socialista, mas diz que António Costa é, por vezes, cauteloso e prudente demais. Álvaro Beleza é partidário de uma posição mais ativa na política: defende que se devem tomar riscos e que o PS tem de estar na frente da batalha em algumas áreas como na reforma do Estado e na reforma do sistema político. E por falar em sistema político, quer ouvir de Costa um ‘não’ claro a uma coligação com o PSD, seja ele de Pedro Passos Coelho ou Rui Rio, e avança com vários nomes de mulheres socialistas para a Presidência da República: Helena Roseta, Edite Estrela, Maria de Belém e Ana Gomes.
Passam 100 dias desde que António deu lugar a António. Álvaro Beleza era membro da direção e amigo de longa data de Seguro, mas garante agora que o passado já lá vai e não é “oposição a António Costa”
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Não ser oposição frontal – conta até que alguns socialistas estão desiludidos com o facto de ser “pouco duro com a atual direção” – não quer dizer que não aponte aspetos negativos (ou pequenos reparos com tom irónico) à direção socialista de Costa. Entre o que correu mal, diz, está a prisão de José Sócrates – “um incómodo” agravado pelo facto de ter sido o único “primeiro-ministro que teve maioria absoluta” -, mas que foi bem gerida por Costa. Beleza diz que o líder socialista “esteve bem” porque separou a amizade da política:
“Nem sempre todos os socialistas compreendem isto, porque temos de separar as questões de amizade e de solidariedade pessoais, que se compreendem e que é uma marca do PS – nós devemos ser camaradas e amigos – mas é muito importante que haja essa separação. Coisa que em Portugal não há. O PS vai ter de ter propostas arrojadas para que a justiça vá num sentido de maior independência em relação ao poder político”.
A prisão de Sócrates foi apenas um dos motivos para que ao fim de 100 dias, o PS não descole nas sondagens. Beleza encontra vários motivos. Entre eles, o facto de Costa ousar e arriscar pouco, no fundo, medir as palavras em demasia.
“Eu acho que António Costa tem sido moderado, cauteloso e prudente, porventura às vezes até em excesso. Eu acho é que alguns próximos ou da direção do partido embarcaram em algum excesso, alguma euforia grega que não é o PS. Por outro lado, penso que houve algum receio de abrir o partido e há que enfrentar o velho aparelho do partido que não quer abrir”, diz em entrevista ao Observador.
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A colagem ao Syriza foi um dos pontos dos primeiros 100 dias que Beleza mais discordou. Diz que Costa teve “a prudência de acertar o tiro”, depois de “alguns dirigentes se terem de facto colado bastante a essa vitória”. E isso foi para Beleza um problema porque depois da negociação, “o Syriza vai meter na gaveta o esquerdismo radical”. E isso é um problema porque, avisa Beleza: “Uma das razões para o descrédito dos políticos é a mentira: prometerem uma coisa nas eleições e depois chegarem ao governo e fazerem o contrário. É melhor não prometer, do que prometer o que não se pode cumprir. Temos de ser sérios”.
E essa é aliás uma das críticas a António Costa: a de não ter ainda apresentado muitas propostas nem ideias. Como veem os seguristas esta nova forma de política no PS?
O ex-dirigente do tempo de Seguro é perentório: algumas das ideias de Costa até são antigas, da anterior direção socialista, e esse é um ponto a favor, porque não se deve nem “fazer tábua rasa de tudo o que se fez no passado”, mas também é preciso que o PS não volte a “cometer os mesmos erros que fez no passado”. Se a primeira frase era referente ao que de bom fez António José Seguro, a segunda aplica-se à anterior governação. Mas críticas suaves à parte, Beleza diz que Costa trouxe ao PS “um estilo diferente” e acrescenta, num reparo irónico, que se o líder socialista quer ser Governo e se quer a maioria absoluta tem de ser “responsável, moderado e não vender ilusões”. Uma atitude que, diz, era a da direção anterior que em sempre foi compreendida por muitos.
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Em termos políticos, Beleza pede para já uma clarificação a Costa: o não ao bloco central. O anterior dirigente socialista acredita que se Costa conseguir unir o partido – todo o partido, não só os “dirigentes de topo” – pode vir a conseguir lutar por uma maioria absoluta. Mas caso não o consiga tem de deixar já claro que não irá coligar-se posteriormente com o PSD, seja quem for o líder do partido: “Acho que é preciso ser claro numa questão: não ao bloco central. (…) Para se ter maioria absoluta é preciso merecê-la. Para merecer, para os portugueses terem confiança em nós, têm de ver que somos competentes, rigorosos, verdadeiros sinceros. Somos aquilo que somos, não andamos aqui com floreados, temos de falar claro. E ter posições claras sobre os assuntos. Esta é uma delas”, diz.
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Além da clarificação política, Costa tem de assumir, para Beleza algumas propostas. Há duas que se destacam: a de defender uma reforma do Estado que limite a intervenção do Estado a funções essenciais e a defesa da reforma do sistema político.
“Revejo-me muito mais num PS reformista, cosmopolita, mas de terceira via”, ou seja, num PS que defenda a escola pública, o serviço nacional de saúde e segurança social, mas que seja mais liberal na economia. E esse foi o ponto em que falhou o atual Governo, diz: “Este Governo, que foi o mais liberal que tivemos em Portugal, nem isso soube fazer. O que fez foi emagrecer o Estado, mas não o modernizou”.
Mulheres à Presidência
Manuela Ferreira Leite não é um nome que lhe agrade, porque vem da área política da direita. Mas para Beleza, o PS devia assumir como bandeira o apoio a uma candidata socialista a Belém. O leque de opções, diz, é variado. Entre os nomes lançados estão três novos e um já falado: Maria de Belém, já lançada por Ana Gomes, que entra neste leque de Beleza, a que se juntam Helena Roseta e Edite Estrela.
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As presidenciais, para Beleza, não são uma prioridade, as legislativas, sim. E, para essas, Costa pode contar com o silêncio da oposição interna. É, pelo menos, essa a certeza que o segurista quis deixar: “Não há oposição interna. Há uma minoria e o que nós temos feito é colaborado sempre que nos pedem”. Uma lição que, diz, vai ao encontro daquilo que o ex-líder socialista tem feito desde que saiu do partido. “Há uma palavra que o define: dignidade. É um homem muito digno e o comportamento dele é raro na política.
Para futuro afasta a vontade de se candidatar à liderança do partido e por enquanto vai colaborar com Costa: A atitude de posição “não é a tradição do PS e quando estávamos na direção criticámos isso e portanto não vamos fazer aquilo que não gostávamos que fizessem connosco. Nunca farei isso”.
Pode ouvir a entrevista em podcast neste link.