O diretor do Programa Nacional para a Saúde Mental afirmou que houve “um acréscimo muito significativo” de crianças e adolescentes de famílias em situação de crise a recorrer às urgências com situações de depressão, ansiedade e tentativas de suicídio.
“Desde que a crise tem estado mais significativa o que empiricamente tenho recolhido da parte dos meus colegas dos serviços de saúde mental de adultos, de crianças e adolescentes é que há um aumento de recursos a serviços de urgência por situações de depressão e de ansiedade”, disse Álvaro de Carvalho.
No caso das crianças e jovens houve “um acréscimo muito significativo”, adiantou o psiquiatra, que falava à Lusa a propósito de um relatório da Organização Mundial da Saúde e do Observatório Europeu sobre Sistemas e Políticas de Saúde hoje divulgado, que sublinha as evidências “bem documentadas” do impacto da crise na saúde mental.
Álvaro de Carvalho explicou que esta situação “não é de estranhar, porque havendo crise nas famílias, originada em dificuldades económicas, desemprego, etc., é inevitável que os elos mais fracos”, as crianças e os adolescentes, repercutam essa situação de tensão.
Na base destas idas às urgências estão situações de depressão e ansiedade, mas também tentativas de suicídio de jovens adolescentes.
“Os meus colegas responsáveis dos serviços de psiquiatria do Porto (Centro Hospitalar do Porto) e de Lisboa (Hospital D. Estefânia) registaram um aumento de recursos às urgências também com tentativas de suicídio de jovens adolescentes com origem em famílias com rendimento médio e médio alto, contrariamente ao que era tradicional”, adiantou.
Defendendo que os pais devem estar atentos a estas situações, o psiquiatra explicou que no caso destas crianças e jovens, os pais estão “tão preocupados com a crise” que estão menos atentos e menos sensíveis aos sinais de alarme emitidos pelos filhos.
Estes sinais de alarme são “bastante inespecíficos”, mas nas crianças e jovens a depressão manifesta-se mais através da ansiedade, dificuldade de concentração, problemas alimentares, alterações do sono e automutilações, que têm estado a aumentar, o que pode estar relacionado com a situação de crise, adiantou.
Ressalvando que não há dados epidemiológicos em Portugal sobre o impacto da crise a nível da saúde mental, o psiquiatra disse que a evidência internacional de outras crises na União Europeia aponta para um crescimento significativo da depressão e da ansiedade.
“A evidência também mostra que na maioria dos países esse aumento da depressão e ansiedade está associado ao aumento de pessoas com ideação suicida e eventualmente de risco de concretização do suicídio”, adiantou.
“Mas aparentemente nesta crise, Portugal e Espanha parecem ter menos aumento de suicídio com a crise do que a Grécia, por exemplo”, disse Álvaro de Carvalho, baseando-se em “dados ainda muito preliminares”.
Apesar de não ter havido um reforço significativo dos cuidados de saúde mental, houve um aumento do número de serviços comunitários.
“A maioria das pessoas em Portugal com problemas emocionais recorre em primeira linha aos cuidados de saúde primários e na medida em que haja uma articulação entre as equipas de saúde mental comunitárias e os cuidados de saúde primários há melhor capacidade de diagnóstico”, explicou.
No entanto, o número de consultas manteve-se porque os transportes aumentaram e as pessoas que estão empregadas deixaram de ter tanta facilidade para irem a uma consulta ou a um tratamento.
Por outro lado, “as pessoas em crise nem sempre, por pudor, evidenciam os sintomas emocionais”, frisou.