Nisma Alozebi nunca tinha visto nada assim. A sua cidade, Aden, é um autêntico cenário de guerra. Enquanto os rebeldes hutis tentam conquistar esta cidade portuária do Sul do Iémen às milícias fiéis ao governo, esta estudante de engenharia civil de 20 anos espera.

Há duas semanas saiu da casa onde vivia, junto do aeroporto de Aden, por essa zona já não ser segura. Fê-lo em boa hora: já não resta nada para além de escombros depois de um ataque aéreo ter arrasado o seu bairro. Nisma conseguiu fugir com os irmãos para a casa da avó, que fica a 20 minutos do centro de Aden. Os seus primos fizeram o mesmo. Ao todo, são 11 pessoas a viver na mesma casa, com idades entre os 11 e os 50 anos.

“A nossa vida está muito difícil, mesmo muito difícil. Quando isto começou ainda era possível sairmos de casa, agora já é muito perigoso. Já não saio de casa há dois dias e não sei quando vou poder voltar a fazê-lo”, diz ao Observador numa conversa que começou por telefone e acabou pelo Twitter.

Quando ainda podiam sair de casa, compraram tanta comida quanto conseguiram. “Temos mantimentos para uma ou duas semanas”, diz-nos. Feijão, arroz, queijo, óleo e farinha. Quando acabar, “logo se vê”.

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“Escrevo no Twitter porque o mundo tem de saber o que se passa”

Só há água um par de horas por dia, altura em que a família se junta para encher tanques. A eletricidade falha a qualquer altura, chegando a não haver luz durante oito horas de seguida. Embora também tenha falhas, a Internet acaba por ser o recurso mais disponível. Por isso, Nisma dedica-se a fundo a escrever sobre o que se está a passar em Aden, tanto no Facebook como no Twitter. É neste último que escreve mais, “porque é mais eficaz”.

“Eu escrevo no Twitter porque o mundo tem de saber o que passa no Iémen.” Nisma não tem dúvidas de quem é o culpado por esta situação: Ali Abdula Salé. “Ele só está a fazer isto para destruir o Sul e voltar a governar.”

É este o nome do ditador que começou por liderar o Iémen do Norte em 1978 e que em 1990 passou a governar o país após uma unificação com o Sul. Salé esteve no poder até 2011, altura em que, em plena Primavera Árabe, abandonou o cargo e cedeu-o a Mansur Haidi. Este, por sua vez, governou até janeiro de 2015, quando os hutis (rebeldes xiitas) tomaram o parlamento em Sana’a, a capital, no Norte do país. Os hutis estarão a ser apoiados por Salé, que procura agora voltar a tomar as rédeas do Iémen.

Haidi fugiu para Aden, cidade principal do Sul, e depois para a Árabia Saudita. Neste momento, a cidade é defendida por milícias fiéis ao governo de Haidi, que resistem com armas de fogo e artilharia às investidas dos hutis. Entretanto, desde 26 de março que a Arábia Saudita lidera uma coligação militar com outros oito países (os EUA são um deles) que faz bombardeamentos aéreos contra os rebeldes xiitas.

E é por isso que ninguém consegue pregar olho na casa da avó de Nisma. “Não dormimos por causa dos bombardeamentos. Além de o barulho ser ensurdecedor não conseguimos adormecer porque estamos cheios de medo”, diz ao Observador. Mas, para Nisma, não há dúvida: “Não temos outra opção para além de nos opormos aos hutis, eles não vêm por paz”.

Na semana passada, quando ainda conseguiu sair de casa em relativa segurança, foi até ao hospital mais perto da sua casa para se oferecer como voluntária. “Uma amiga minha que trabalha lá contou-me que eles precisavam de pessoas e que estavam a dar formação básica de enfermagem a quem quisesse ajudar.” Nisma foi lá e durante três dias aprendeu o possível. Agora, que já fez essa formação, está impedida de ajudar. “Eu quero ir lá, mas corro o risco de morrer se sair de casa.”

Ajuda humanitária já chegou

Depois de um processo atribulado, em que a Cruz Vermelha acusou a coligação militar liderada pela Arábia Sáudita de atrasar o seu trabalho, o primeiro avião com medicamentos chegou na quarta-feira a Aden. São ao todo 16 toneladas de ajuda. A isto ainda se vai juntar um avião com tendas e geradores, que está previsto aterrar em solo iemenita na quinta-feira.

Desde 19 de março já morreram 643 pessoas neste conflito e outras 2.226 ficaram feridas, segundo a Organização Mundial de Saúde.