A ideia central é uma: é preciso refletir sobre o estado da democracia, a representação dos partidos e a participação dos cidadãos, mas para isso é preciso ir à raiz das coisas e sair da “caixa de pensamento” ou “da caixa clássica” ou da “caixinha dos formalismos”. Foi assim que Sampaio da Nóvoa, proto-candidato à Presidência da República, defendeu um debate sobre o estado da política atual, mas não no que diz respeito aos poderes do Presidente. Aos críticos, sobretudo a Francisco Assis numa troca de argumentos que marcou o debate, responde: “Não sou independente de nada. (…) Não me considero menos político por não estar dentro de um partido”.

É a primeira vez que Sampaio da Nóvoa fala em público depois de ser dado como candidato a Presidente da República. E o homem que tem sido mais falado entre os socialistas na última semana decidiu responder àqueles que lhe têm endereçado críticas, entre eles Francisco Assis, que estava mesmo ao lado: “Não sou independente de nada. Não sou independente das causas, das pessoas, da política. Não me considero menos político por não estar dentro de um partido. Uma coisa é agir com independência, outra ser independente”, disse.

Apesar de defender a participação dos independentes, Nóvoa quis responder a quem diz que ele é contra os partidos. Disse Nóvoa que defende que “haja uma grande preservação dos partidos”, mas que é preciso perceber que a ação política “não se esgota aí”. “Se não sou mais do que alguém que está num partido, também não sou menos. Não há nenhuma diminuição”, disse.

Ora esta resposta teve um destinatário: Francisco Assis que tinha criticado, na sua coluna no jornal Público, Sampaio da Nóvoa por “cultivar uma linguagem equívoca em relação ao mundo político e parecer excessivamente deslumbrado com uma ideia de regeneração da dinâmica da vida nacional”. Esta sexta-feira, sentado ao lado do proto-candidato a Presidente, no Palácio da Bolsa, no Porto, Assis começou por dizer que não é “contra a participação” de independentes, mas que é necessário ter em atenção ao discurso que se faz e não fazer parte do “pensamento dissolvente” dos partidos que tem feito caminho nos últimos anos no mundo: “Aquele que aspira a uma ação política – seja candidato a Presidente da República seja a uma junta de freguesia – não pode juntar caos ao caos”, disse.

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Até porque, para Francisco Assis, a ação política “é mais exigente” nos partidos, porque mostram mais disponibilidade para “um maior compromisso cívico”.

Mas não ficou sem resposta. Sampaio da Nóvoa ainda hesitou “15 segundos” se haveria de responder, disse, mas “cá vai”. Então o que disse? Disse que o que os restantes intervenientes no debate estavam a fazer era “justificarem brilhantemente e inteligentemente o que está”. “Assisti a isso mil vezes na universidade. ‘Sr. reitor não se meta nisso olhe o risco…'”, disse para defender que “um sistema mais participativo tem riscos. (…) Se não conseguirmos fazer isso perdemos os cidadãos, perdemos a ideia da presença na vida democrática. O risco maior é não fazer nada em vez de nos tentarmos abrir a uma realidade nova”.

No pingue-pongue entre os dois, Assis lá respondeu: “Ninguém aqui fez uma apologia do que está”.

Não se deve mexer nos poderes do Presidente

Para Sampaio da Nóvoa, não é preciso mexer nos poderes que quer vir a exercer. No debate do Instituto da Defesa Nacional sobre “Os poderes legislativo, executivo e judicial no Portugal do séc. XXI”, Sampaio da Nóvoa diz que o exercício dos poderes presidenciais depende mais da “circunstância” em que são exercidos e da “cultura” de cada país.

Sampaio da Nóvoa refere um estudo de Reis Novais – um dos nomes que tem sido também convidado para algumas iniciativas do PS, incluindo o congresso do PS, onde foram dois dos independentes convidados – para defender que em termos constitucionais há semelhanças na Europa entre vários países, mas que “a forma como os presidentes da república exerce os seus poderes é muito diferente”. Falando do passado, Nóvoa lembra que a forma como atualmente é exercido o mandato presidencial tem influências nos mandatos de Ramalho Eanes que criaram “uma cultura”. E acrescenta que os poderes dependem mais das circunstâncias em que são exercidos do que da letra de lei.

Não a uma revisão da Constituição agora

Se não quer mexer nos poderes do Presidente, também não considera que este seja o momento atual para uma revisão da Constituição. O ex-reitor da Universidade de Lisboa diz que até concorda que é preciso fazer uma revisão constitucional, até porque “não podemos estar numa posição estática”, mas este não é o momento.

“Neste momento concreto, em que todos reconhecemos o papel do Tribunal Constitucional – julgo que não podemos ser inocentes: o que está na mesa na revisão Constituição é para pior e não para melhor. (…) Não me parece que seja o melhor momento para estarmos a falar disso”, disse.

As “caixas” e a “caixinha” de Nóvoa

Na intervenção inicial no debate que travou com os eurodeputados Paulo Rangel (PSD), Francisco Assis (PS) e o deputado do PCP, António Filipe, o ex-reitor da Universidade de Lisboa defendeu que é necessário fazer uma “reflexão mais profunda” sobre o estado da democracia e que não é possível “ficar numa caixa de pensamento” até porque nesse campo seguro “podemos encontrar toda uma arquitetura quase perfeita, mas não resolve os problemas que temos pela frente”. A metáfora da “caixa” foi repetida por Sampaio da Nóvoa ao longo dos cinco minutos iniciais em que falou. Disse ainda que “há uma crise de representação e temos de refletir sem nos fecharmos numa caixa clássica”. E que é um debate “que temos de fazer, em vez de nos fecharmos em caixas”.

Por fim, a “caixa” final. Seja na função de Presidente da República, seja numa ação geral, “a realidade do Estado não pode ser pensada numa caixinha de formalismos, tem de ser pensada no problema das pessoas”, acrescentou.