Num mundo cada vez mais digital, o vinil ultrapassou o teste do tempo. Apesar de ter sido profetizada a morte do formato na década de 90 com a chegada do CD, o vinil ressurgiu no mercado e desde 2008 que as vendas têm vindo a aumentar. De acordo com a British Phonographic Industry, associação que contabiliza a venda de discos no Reino Unido, 1,3 milhões de vinis novos foram vendidos em 2014, a primeira vez que este indicador superou a fasquia de um milhão desde 1996. Existem cada vez mais amantes do vinil e até as rádios ainda lhe dão uso. O que não se sabe é o que isso realmente significa nos dias que correm, porque o streaming veio mudar o paradigma do consumo e do comércio da música.
Este ano o Record Store Day é assinalado a 18 de abril, um dia para refletir e celebrar a presença das lojas de discos (discotecas). O Observador aproveitou a data para refletir sobre a atual importância do formato vinil em Portugal: encontrar velhos colecionadores, conhecer novos utilizadores e a realidade das lojas. Será que a febre do vinil também chegou a Portugal?
O Record Store Day foi uma iniciativa que começou em 2007 para “as pessoas que pertencem ao mundo das lojas de discos – os vendedores, os clientes e os artistas – celebrarem juntos a cultura única da loja de discos e o papel importante que as lojas independentes têm nas suas comunidades.” Todos os anos, neste dia, lojas de discos por todo o mundo recebem os amantes de música com descontos, atuações ao vivo, festas e edições especiais em vinil e CD com o selo Record Store Day. Há 1400 lojas em todo o mundo a participarem oficialmente na iniciativa, de acordo com o site oficial da Record Store Day. Nesta lista constam 17 lojas portuguesas, inclusive algumas já encerradas (como a Trem Azul Jazz Store) mas também lojas não listadas que se juntam à celebração.
Mas nem nesta data a vida das lojas está facilitada. Jorge Dias, sócio-gerente da Louie Louie em Lisboa, aderiu ao Record Store Day desde 2007 e sente que passou de “uma ideia bastante entusiasmante para promover as lojas de discos independentes” para uma “desapontante espécie de circo mediático.”
“Este evento foi feito numa altura em que as lojas de discos começaram a desaparecer, mas agora deixou de ser uma coisa para lembrar as lojas de discos independentes. A indústria pegou no assunto, viu que havia aqui um filãozito e dedicou-se a explorar a data,” desabafou Jorge Dias, justificando que até os grandes retalhistas, como a FNAC, “se colaram à data” e também passaram a receber edições Record Store Day.
“Já no ano passado ficámos desapontados. Não sabemos se para o próximo ano vamos aderir. Se o movimento antes tinha algum interesse, está a perder a força toda”, acrescentou o gerente da Louie Louie, que acha, ainda assim, que “o fundamento do evento é bom”.
Até Jota Cunha, dono da Vinil Experience, loja situada num segundo andar da Calçada do Combro, afirmou que não irá receber edições especiais do Record Store Day, mas vai fazer alguns descontos. Ficou surpreendido com o crescimento das vendas no Reino Unido e explica que lucra mais com as vendas a estrangeiros e que sofre com o IVA aplicado aos discos (23%).
Na cidade do Porto o cenário é idêntico. Pedro Branco, da loja Porto Calling, disse-nos que são poucas ou quase nenhumas as edições especiais que as distribuidoras disponibilizam para as lojas portuguesas. E sublinhou que acha incorreto que várias edições Record Store Day (RSD) estejam disponibilizadas no eBay, retalhista online, dias antes da data. Até alguns artistas ficaram indignados com esse facto e afastaram-se do movimento Record Store Day.
“Eu sou um grande adepto das lojas independentes e é uma pena que me tenha que afastar desta iniciativa. Mas é nojento os gananciosos retalhistas estarem a fazer dinheiro fácil com fãs genuínos. Vai contra toda a filosofia do Record Store Day,” disse Paul Weller dos The Jam, numa entrevista ao Telegraph, após ver uma edição RSD do seu single com um preço inflacionado no eBay, dias antes do evento.
“Hoje em dia o Record Store Day é quase como um Dia da Mãe, serve só para relembrar como é bom ir a uma loja de discos,” desabafou Pedro Branco. No entanto acha uma excelente iniciativa e sente sempre uma boa afluência na data. “É bom para dar a conhecer as lojas, especialmente à nova geração”, conclui, e sente-se contente por este recente interesse dos mais jovens.
A nova e a velha geração: o vinil e a relação (re)descoberta com a música
“Apesar de o mercado ainda ser muito pequeno, temos sentido um aumento nas vendas dos vinis. Especialmente agora que as gerações mais jovens também começaram a investir,” disse ao Observador Pedro Vindeirinho, um dos responsáveis pela Rastilho Records, editora independente responsável pela produção de inúmeras edições e reedições em vinil de bandas portuguesas.
De onde vem o fascínio dos novos utilizadores de vinil para terem ido ao baú limpar o pó dos velhos discos do pai e dos avós? Francisco Fidalgo tem 21 anos e começou a colecionar há três.
“Sempre tive uma relação bastante próxima com a música e os vinis em casa dos meus avós e tios sempre me suscitaram curiosidade. Arranjei um gira-discos antigo que o meu tio tinha numa arrecadação a apanhar pó e, aos poucos e poucos, fui levando alguns discos para minha casa,” explicou Fidalgo após mostrar a coleção que arrecada perto de 400 discos. Dos vários destaques da sua coleção, mostrou-nos dois que guarda com particular carinho: o ‘Lift Your Skinny Fists to the Sky like Antennas to Heaven’ dos Godspeed You! Black Emperor e o ‘Pearl’ da sua “adorada” Janis Joplin.
“Adoro a Janis e em vinil é ainda melhor. Foi o primeiro disco que comprei e um dos que mais ouço ainda hoje. Arranjei numa feira a 15 euros,” acrescentou mostrando com orgulho os discos que guardava. Ele tem o costume de conhecer primeiro as músicas online e depois comprar os discos que mais lhe chamam à atenção.
“Não compro qualquer disco, só os que mais gosto. Quando compramos um disco compramos um bocado de tempo, um lugar na prateleira que nos dá gosto olhar,” concluiu.
Colecionador há 15 anos, Tiago Freire, subdiretor do Diário Económico e colaborador do site de música Altamont, considera-se “um romântico” e explicou-nos porque razão tem tanto fascínio pelos discos.
“O vinil requer a tua atenção. Não é pôr a tocar, limpar a casa e quando parou, parou. É preciso tirar o disco da capa, limpar o pó do disco, pôr a agulha, ouvir o disco, virar o disco. Basicamente dedicas tempo ao vinil. E isso faz com que tenhas uma relação especial com esse formato,” explicou Tiago Freire, declarando o seu fascínio pelo formato e pelo som de uma edição original do disco de estreia dos Jáfumega, “Estamos aí.”
“Aqui noto a diferença. Vês o baixo a destacar-se e como é fácil notar cada instrumento? É quase como se tivesse saído do estúdio,” denunciou, explicando que, apesar de não ser “um purista do som” e de não perceber sempre a diferença do som do vinil, detém um verdadeiro fascínio pelo ritual e por uma relação material com a música que não consegue ter com mais nenhum formato.
Mas não é só nas coleções caseiras, o vinil também está presente na rádio. Tiago Castro, radialista da Radar, ainda usa o formato no seu programa “Floresta Encantada”. O som do vinil é uma das justificações para Tiago Castro ter começado a fazer a “Floresta Encantada”.
“O vinil é ideal para aquele típico som do rock psicadélico e progressivo dos anos 70. Obviamente que já esgotei muitos dos meus vinis nas primeiras emissões,” justificou o locutor que diz que muitas vezes usa o vinil em rádio porque não há outra maneira de passar uma determinada música.
Tiago Castro explica a popularidade do vinil como “algo natural”, uma consequência das plataformas digitais e do streaming e da procura pela qualidade do som analógico.
“Com a democratização [da música] podes ouvir álbuns inteiros na internet e ter uma opinião formada antes de comprar um disco. E quem tem o objeto percebe que de facto a sensação física de colocar uma agulha no vinil acaba por ser quase viciante,” explicou o produtor de rádio que, apesar de ser um apaixonado pelo vinil, confessa que nem sempre se deve optar por este formato. “Se ouvires uma banda que só trabalhe com digital e faça o som pensado para o digital, se calhar é melhor comprar em CD”, explicou.
Mas, apesar de tudo, e de acordo com as declarações do responsável da Rastilho Records, as vendas dos discos de vinil ainda constituem uma parcela muito pequena da indústria musical: o CD ainda vende mais, o formato streaming domina e o vinil cresce a um ritmo lento. A tendência de crescimento do vinil é imprevisível mas continua a haver quem fomente o hábito de ouvir discos e de ir às lojas.
Nas palavras do Tom Waits, para apoiar o Record Store Day: “É altura dos mentores, dos irmãos mais velhos, dos pais, dos tutores e vizinhos começarem a levar os mais jovens, que seguem o exemplo dos mais velhos, a uma verdadeira loja de disco, e mostrar-lhes o quão importante a música é. Eu não confio em ninguém que não tenha tempo para a música. É tão vergonhoso abandonar uma criança, ou pior, uma geração sem uma das maiores belezas da música.”
Texto editado por Pedro Esteves