O presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), Carlos Tavares, defende que “não é possível” perceber quem foi enganado intencionalmente na compra de papel comercial do Grupo Espírito Santo (GES).
“Não é possível fazer isso”, disse Carlos Tavares esta terça-feira no parlamento, referindo-se a uma possível análise sobre os clientes que teriam sido lesados intencionalmente ou não na compra dos respetivos produtos. “Os meios de prova são diferentes. Há emails, telefonemas? Como é que vamos distinguir uns dos outros?”, interrogou o responsável, reiterando todavia que “há um fundamento para que a dívida para com estes credores comuns do BES seja assumida pelo Novo Banco como foi assumida inicialmente”.
E acrescentou: “Estes clientes eram credores comuns do BES. Deixaram de ser do GES, ESI e Rioforte, e com estes compromissos transformaram-se em credores comuns do BES”.
Em comum, todos os lesados têm o facto de terem recebido “informação que não era verdadeira” e lhes ter sido dito, “repetidamente”, que o papel comercial “era uma responsabilidade do BES”. O pagamento do papel comercial, compromisso que chegou a ser assumido nos primeiros dias do Novo Banco, depois da resolução do Banco Espírito Santo, acabou por ser remetido para o banco mau, o BES, por decisão do Banco de Portugal.
A responsabilidade está no BES, uma vez que os emitentes estão em insolvência, mas o dinheiro para reembolsar os mais de 500 milhões de euros, não está. Por outro lado, o reembolso por parte do banco está condicionado à prova em processos judiciais de que o BES não cumpriu com os deveres de intermediário financeiro na comercialização destes produtos de dívida do GES.
Carlos Tavares, que defende o reembolso do papel comercial pelo Novo Banco, cumprindo expectativas criadas junto destes clientes, vem agora dizer que será muito difícil de provar que as pessoas foram enganadas. O responsável foi à Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública (COFAP) apresentar o plano de atividades da CMVM e o balanço de dez anos à frente do supervisor dos mercados financeiros. Mas o tema do papel comercial do GES era incontornável.
Ano do BES teve maior número de participações de suspeitas de crime desde 2004
O caso BES será aliás a prioridade dos cinco meses que faltam para concluir o mandato, onde a CMVM pretende contribuir para salvaguardar os direitos de investidores no papel comercial, mas também ao nível da gestão de carteiras, credores subordinados e pequenos acionistas. O supervisor está ainda a averiguar responsabilidades de natureza contraordenacional e a cooperar com o Ministério Público em matérias de natureza criminal.
O ano que passou fica marcado por participação de oito indícios de crime ao Ministério Público, o número mais elevado de participações desde 2004, ou seja em 12 anos. A maioria destas participações, que estarão relacionadas com o colapso do BES, prende-se com suspeitas do crime de abuso de informação. Desde 2005, foram comunicados 35 suspeitas de crimes de mercado.
Desde 2004, a CMVM decidiu cerca de 500 processos de contraordenação e aplicou 214 multas num valor global superior a 25 milhões de euros. Entre as coimas mais elevadas estão as relacionadas com os processos do BCP e do Banco Privado Português.