Martelos pneumáticos, bidons de lata, marretas e motores, chapas de metal, rebarbadoras e berbequins. Fazem parte da bagagem de instrumentos que, em conjunto com os musicais, produzem a coerência melódica caraterística dos Einstürzende Neubauten, autênticos discípulos do dadaísmo neste século.

Considerados uma referência no panorama do rock industrial, nasceram na então Berlim Ocidental em 1980 graças ao impulso criativo de Blixa Bargeld, nome artístico de Christian Emmerich. No início a voz grave e a guitarra conviviam com os ruídos da sucata produzidos pelas ferramentas. O caos e a destruição em palco eram as suas imagens de marca. A formação original em quarteto incluiu desde logo o percussionista N.U. Unruh (alcunha do norte-americano Andrew Chudy) a que se juntaram, por pouco tempo, as duas vozes femininas de Beate Bartel e Gudrun Gut. Os primeiros espetáculos desenvolviam-se numa espiral confusa e ruidosa por muitos considerada inacreditável. Ironicamente fixaram a data de estreia no dia primeiro de abril de 1980 num dos clubes da noite berlinense.

O projecto foi crescendo e atraindo novos músicos, aproximando-se gradualmente do formato tradicional de uma banda mas preservando sempre a sonoridade invulgar e até inconfundível. Ao longo dos anos vários artistas de diversos quadrantes integraram o colectivo. Entre 1983 e 2003 o carismático líder do grupo, Blixa Bargeld, acumulou funções como guitarrista dos Bad Seeds que acompanhavam o australiano Nick Cave.

Contam com 11 álbuns de estúdio no catálogo, mais um se considerarmos o primeiro longa-duração “Stahlmusik” de 1980, editado em cassete. A extensa discografia inclui também alguns EPs, bandas sonoras para documentários e peças de teatro, registos de atuações ao vivo e ainda uma longa série de discos gravados com o apoio direto da base de fãs através da plataforma Neubauten.org Supporters Project criada em 2002.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Mais facilmente identificados por um logotipo que representa uma gravura rupestre, de origem aparentemente Tolteca, os Einstürzende Neubauten (deve ler-se ein-chtu-êr-dzênde nói-bau-ten) são mais um nome de difícil pronúncia no cartaz do Primavera Sound. Com diversas atuações no nosso país, onde pontifica uma noite memorável na Casa da Música, em maio de 2008, tocam desta vez no Parque da Cidade a 6 de junho, último dia do festival.

O nome da banda pode ser traduzido como “Desmoronamento de Novos Edifícios”. Nem de propósito, em 21 de maio de 1980, pouco tempo depois das primeiras actuações ao vivo em Berlim a cobertura do Kongresshalle desabou, provocando uma vítima mortal e vários feridos com gravidade. Na altura, o destaque dado pela imprensa ao acidente e a relação inusitada com o nome do recém-formado coletivo artístico contribuiu para dar maior visibilidade ao projecto, então a dar os primeiros passos. As referências premonitórias garantiram aos Neubauten o espaço necessário para continuarem a ser ouvidos com atenção, a tocar e a criar instrumentos, estabelecendo novos padrões na arquitetura sonora do pós-guerra.

O inconformismo e o desafio das convenções materializados na busca constante por novos sons podem ser traduzidos na influência que os Neubauten, por vezes depreciativamente apelidados de “bate-chapas”, produziram na definição do ambiente sonoro de bandas como os Nine Inch Nails, de Trent Reznor, os Rammstein ou os portugueses Mão Morta.

Este é o vídeo de “Sabrina” incluído no álbum “Silence is Sexy”, reeditado em 2011, que marcou uma fase de maturação do projecto quando foi lançado originalmente em 2000. É um trabalho mais sofisticado em termos de produção, integrando já as secções de cordas, além da percussão e dos instrumentos “feitos por medida”. Para os puristas é um disco mais distante da atmosfera de catarse que marcou os primeiros anos.

Uma das melhores formas de conhecer o imaginário do combo germânico é o documentário (que recomendamos) disponível em três partes no YouTube, filmado durante a fase de produção do álbum “Perpetuum Mobile” em 2003. Os músicos, os produtores e até a webmaster elaboram sobre o processo criativo e a construção de instrumentos.

Cinco anos depois da celebração do seu trigésimo aniversário, o grupo de culto Einstürzende Neubauten está de regresso aos palcos com um musical inspirado pelo eclodir da Primeira Guerra Mundial, cujo centenário vai sendo assinalado de diversas formas nas diferentes partes do mundo. Em jeito de ópera-rock, o espectáculo baseia-se no último “Lament”. Um álbum concebido justamente a pensar na performance ao vivo, com Blixa Bargeld a assumir também o papel do narrador, explorando assim componentes mais ligadas ao teatro expressionista.

Do alinhamento fazem parte temas como “Kriegsmaschinerie”, literalmente a “máquina de guerra” que abre as exibições em grande estilo. Durante a peça surgem também referências aos bravos Harlem Hellfighters, a célebre unidade do 369º Regimento de Infantaria composta por militares afro-americanos e afro-porto-riquenhos que lutaram integrados no contingente militar do exército francês, na Primeira Guerra Mundial. A banda militar deste regimento é considerada a primeira a trazer o jazz, até então desconhecido, aos ouvidos europeus.

No final de uma atuação em Roma, em 30 de novembro, Blixa Bargeld caiu de cima do palco e partiu uma perna. Assumindo ele próprio o papel de um estóico combatente, continuou a actuar apesar dos ferimentos e cantou ainda mais duas canções antes de sair de cena. O jornal britânico The Guardian chamou ao espetáculo “a mais estranha comemoração da Primeira Guerra Mundial”.

Por cá não iremos ver esta obra experimental em torno do centenário. Espera-se antes uma exibição no formato greatest hits, percorrendo a maior parte do universo discográfico da banda alemã, com particular incidência no mais recente álbum de estúdio. “Lament” apresenta-nos 14 novos temas na melhor tradição “avant-garde”, sob a forma de investigação científica, resultado de um longo trabalho de seleção e recuperação de gravações de áudio feitas no período 1914-1916, pelos prisioneiros de guerra de todo o mundo que eram enviados para um dos primeiros campos de concentração, nos arredores de Berlim. A pesquisa foi realizada entre os arquivos sonoros preservados na Universidade Humboldt em Berlim e no Deutsches Rundfunkarchiv (arquivo da radiodifusão alemã) em Frankfurt. Foi ainda usado material audiovisual do Museu de História Militar das Forças Armadas Alemãs, em Dresden.

Este interesse pela história e pelas relações internacionais não é novidade. Blixa Bargeld afirmou que os Neubauten sempre sentiram grande atração pela Armenia, numa entrevista a propósito da situação no enclave e do tema “Nagorny Karabach” lançado em 2007:

Além do centenário da guerra de 1914-1918, estão também em curso durante este ano as comemorações do 70º aniversário do fim da Segunda Guerra Mundial que terminou, na Europa, em 8 de maio de 1945. Motivos de sobra para assistir ao espetáculo destes pioneiros da cena rock industrial, que continuam a administrar doses de fascínio e de choque nos diferentes públicos através das suas performances, sobretudo graças à sua palamenta de instrumentos bizarros. Sejam punks, revivalistas da década de 1980 ou simples amantes da música, todos são bem-vindos ao Parque da Cidade, no dia 6 de junho, para celebrar o fim da Segunda Guerra Mundial com os Einstürzende Neubauten.

neubauten.org / NOS Primavera Sound