No relatório que António Costa recebeu a 21 de abril, e que servirá de base ao programa eleitoral do PS, há um capítulo dedicado ao investimento, inovação, internacionalização de empresas e empreendedorismo. Desenvolver a “Ligação Universidade – Empresa” ou criar um “Visto do empreendedor” são algumas das propostas socialistas. Mas o que pensa quem vive no ecossistema: empreendedores e investidores? O que é preciso fazer?
Para Vasco Pedro, fundador da Unbabel, startup que desenvolveu uma tecnologia de tradução online que junta inteligência artificial com pós-edição humana, as medidas apresentadas no documento socialista podem ajudar os empreendedores e investidores se forem implementadas a tempo. Mas, confessa, não acredita que os governos sejam capazes de, por si só, dinamizar o ecossistema. “Acho que tem de ser algo orgânico”, revela.
Hugo Pereira, sócio da empresa de capital de risco Shilling Capital Partners, acrescenta que, de uma forma geral, as medidas são positivas e que grande parte pode ser subscrita pela maioria dos partidos. Contudo, adianta, algumas são de caráter genérico, que se transformam “em meras manifestações de intenções com pouca aplicação prática”.
A opinião de Sérgio Sequeira, cofundador da BestTables, empresa que foi adquirida há um mês pela TripAdvisor, vai no mesmo sentido: o documento que os economistas entregaram a António Costa realiza um diagnóstico “bem conseguido”, mas as propostas não apresentam soluções concretas e práticas para os problemas, que, diz, serem sobretudo de financiamento.
“Entendo que, no caso das startups tecnológicas, estas soluções não vão alterar de forma significativa o panorama que temos atualmente em Portugal”, diz Sérgio Sequeira.
E para Pedro Rocha Vieira, presidente da Beta-i – Associação para a Promoção da Inovação e Empreendedorismo, um dos fatores determinantes para o sucesso do ecossistema empreendedor é a capacitação e atração de novo talento, sobretudo, de base tecnológica e científica, algo que está refletido no programa do PS.
Contudo, diz o empreendedor, caso não se alterem os incentivos, regras de financiamento e alguns processos internos das universidades não será possível implementar plenamente as estratégias de transferência de tecnologia e de promoção de empreendedorismo.
Vamos por partes. O que propõe, afinal, o PS?
- Aumentar o investimento com execução extraordinária de fundos europeus;
- Reforçar e simplificar o crédito fiscal ao investimento, duplicando o valor de cinco para 10 milhões de euros;
- Capitalizar empresas e desbloquear o financiamento a projetos de elevado potencial, através da concertação e concentração da atuação das entidades públicas, que permita maximizar o impacto do subsídios;
- Desenvolver o mercado de capital de risco, maximizando a alavancagem proporcionada pelos Fundos Europeus e pelo sistema de garantias, atraindo e mobilizando investidores internacionais e garantindo “Estabilidade Fiscal” aos investidores que invistam nos Fundos Europeus;
- Reforçar o financiamento das PME e empresas de dimensão intermédia, através do mercado de capitais com a constituição de um fundo de investimento, que deverá ser constituído com 50 a 100 milhões de euros. Este deverá ser composto por fundos públicos (entre 20 e 30 milhões de euros) e investimento privado (5 a 15 milhões de euros). Mais: apoiar a constituição de fundos de investimento em obrigações de empresas de menor dimensão; apoiar a criação de mecanismos de prestação de serviços de rating e de pesquisa para PME e promover as empresas portuguesas enquanto alvos de captação de poupança externa;
- Contribuir para a aceleração dos processos de reestruturação empresarial e respetiva capitalização, dando prioridade à criação de mecanismos que facilitem conversão da dívida em capital ou reduzindo a dívida em empresas consideradas viáveis;
- Pacote de Apoio à Internacionalização, com iniciativas para recuperar a estratégia dos clusters e polos de competitividade, reforçando e renovando a AICEP, tributando mais favoravelmente as despesas das empresas em promoção internacional. Os economistas consideram que o tratamento fiscal dos custos e investimentos com a expansão internacional em sede de IRC “pode ser decisivo” para manter e atrair empresas; promover acordos de dupla tributação e de atribuição automática de vistos com os países de expressão portuguesa, entre outros.
- Desenvolver uma “Ligação Universidade-Empresa” que permita instalar e incubar empresas inovadoras junto de universidades e reforçar as equipas de transferência de tecnologia e de empregabilidade. Objetivo: acelerar os níveis de empreendedorismo. Neste ponto, os economistas dão como exemplo o Reino Unido, onde foram criados sete centros Catapult, em funcionamento desde 2013, especialistas em áreas como terapia celular, economia digital, cidades do futuro, entre outros;
- Aumentar os recursos para a área de transferência de tecnologia, financiando uma parte das despesas correntes e centros de tecnologia através de catapultas (modelo misto com investimento de fundos comunitários e apoio à despesa corrente pelo orçamento de Estado) ou de um novo sistema de financiamento nas universidades (a ideia é que parte do aumento de financiamento das universidades seja feita tendo em conta o aumento de recursos e de resultados na área de transferência de tecnologia);
- Criar um “Visto do Empreendedor”, uma espécie de visto gold para os empreendedores que criem empresas em Portugal, e parques de empreendedores nas universidades, em parceria com as instituições;
E o que querem os empreendedores?
Vasco Pedro deixa uma pista, vinda da terra de Sua Majestade. “Se olharmos para Inglaterra, há medidas para permitir que, através da redução de impostos, se possa recuperar o dinheiro investido em startups, que têm funcionado bastante bem. Isso seria interessante”, diz.
De que é que o empreendedor sente falta? De espaços de qualidade, inspiradores, com espaços para estagiários e onde as empresas possam crescer. De preferência, perto de universidades de tecnologia. “Temos visto imensos prédios fantásticos devolutos. Que tal usar o dinheiro para recuperar os edifícios e dar espaço com alma a startups inovadoras?”, sugere.
Para Sérgio Sequeira, cofundador da BestTables, empresa que foi adquirida há um mês pela TripAdvisor, os gestores têm apenas um problema quando querem internacionalizar as empresas para outros mercados: a escassez de capital.
“As startups apresentam, tipicamente, contas negativas nos primeiros anos. Por isso, as soluções tradicionais de investimento, nomeadamente os capitais próprios, banca, incentivos estatais ou comunitários, não são uma solução adequada”, refere. Porquê? Porque os capitais próprios que são fruto da atividade em Portugal são limitados, porque a banca não investe em projetos de risco e porque os incentivos obrigam a que os promotores tenham capital, explica.
As alternativas passam por procurar investimento de capital de risco ou investidores particulares (business angels), o que leva a outro problema: as poucas capitais de risco que existem em Portugal são, por sua vez, avessas ao risco, diz Sérgio Sequeira.
“Ouvimos algumas dizerem que preferem entrar mais tarde para não assumirem tanto risco, mesmo que depois lhes fique mais cara a entrada no capital. Ou então pretendem apenas investir em empresas com receitas acima de dois ou três milhões de euros. São, no fundo, capitais de risco, mas que evitam o risco inerente à sua atividade, não cumprindo assim o seu papel”, refere.
Já os business angels padecem dos mesmos problemas – estão pouco capitalizados, são avessos ao risco e, apesar de existirem soluções de apoio estatal e de partilha de risco para business angels, estas apresentam várias limitações: são conhecidas apenas por um grupo muito limitado de investidores, não permitem que promotores (que são investidores) usufruam dos apoios, entre outros.
“A BestTabes é o exemplo prático das dificuldades acima descritas: desde o início de 2013 que procurámos investimento para a nossa internacionalização em todos estes mecanismos e tipos de entidades, tendo a quase totalidade do investimento (mais de 700 mil euros) sido feita por capitais próprios dos promotores e colaboradores. Apenas fora de Portugal acabámos por encontrar interessados em investir montantes e valorizações significativas e interessantes”, conta Sérgio Sequeira.
Pedro Rocha Vieira dá outra sugestão: que se continue a trabalhar para implementar leis de imigração ainda mais flexíveis, que consigam atrair talento internacional, e que se olhe para países como Alemanha, Irlanda ou Reino Unido quando o assunto é a internacionalização de startups. São países “que têm agências governamentais com uma presença fortíssima em mercados estratégicos e a atuar em articulação com o setor privado e outras organizações”, explica.
Para o presidente da Beta-i, é importante assegurar que existem fundos e que estes são executados, mas é mais importante que sejam bem gastos e que tenham impacto ao nível da produtividade. “É importante aproveitarmos os fundos estruturais, mas estes não devem substituir a componente privada, nem servir para subsidiar operações sem viabilidade“, diz.
Devem, antes, alavancar o investimento privado, conta, citando o exemplo do Reino Unido, que incentiva ao investimento privado através de incentivos fiscais.
“Nos instrumentos de coinvestimento seria interessante promover uma maior componente de ‘crossboarder investment’ [investimento transfronteiriço], para permitir a incorporação de ‘startups’ nacionais noutros países e estimular a criação de estratégias de investimento mais profissionais e menos ligados a dinâmicas mais institucionais”, diz. E sugere outro mecanismo: que se avance com os esforços de adoção de uma lei de ‘crowdfunding’ [financiamento coletivo] nacional.
Apostar em marcas fortes e numa estratégia de venda agressiva e ambiciosa ou incentivar o empreendedorismo durante a escolaridade obrigatória são outras das sugestões de Pedro Rocha Vieira. Bem como a estabilidade de políticas, a necessidade de haver rapidez de decisão nos fundos e nos pagamentos do Estado, simplificar e reduzir a carga e dos custos administrativos para as empresas ou criar um gerente de conta integrado para as questões administrativas, relacionadas com a segurança social e as finanças dos empreendedores, entre outras.
“A estabilidade e a visão de longo prazo é uma das questões mais relevantes no que toca à promoção de políticas de inovação e empreendedorismo, pelo que um dos pontos relevantes será assegurar uma continuidade das políticas, em particular, na área fiscal e de licenciamento“, diz Pedro Rocha Vieira, para quem o principal papel do Estado deve ser o de criar as condições, retirar barreiras, definir linhas estratégicas e assegurar fundos para áreas estratégicas. E deixar que o ecossistema faça o resto.
“Em setores de investimento mais intensivo e de longo prazo é relevante a existência de estratégias de eficiência coletiva, mas em setores mais novos e com investimento menos intensivo e ciclos de desenvolvimento mais rápidos o importante é retirar barreiras e conseguir atrair e apoiar novos atores”, diz.
Sobre o aumento de investimento através dos fundos europeus, Hugo Pereira coloca uma questão: como é que se vai poder utilizar 100% dos fundos em cada um dos programas, se diminuiu o valor médio de comparticipação por cada projeto? De acordo com o investidor, isto colocará mais pressão sobre a necessidade de aportação de capitais próprios, que é um dos calcanhares de Aquiles da economia portuguesa, refere.
Quanto ao fundo de investimento de 100 milhões de euros, diz que “é uma gota de água no oceano do financiamento das PME’s que precisam de milhares de milhões de euros “para crescer ou reduzir o endividamento. “São precisos 10 ou 20 destes fundos para que possa notar algum efeito estatístico relevante”, afirma Hugo Pereira.
O investidor diz ainda que não acredita na transferência de tecnologia por via de subsídios. “A melhor forma de fazer com que a tecnologia seja transferida é obrigar ao coinvestimento entre as universidades e as empresas. No campo da investigação aplicada nenhum projeto deveria ser financiado exclusivamente pelas universidades, obrigando os investigadores a encontrar pelo menos 50% de financiamento do setor privado”, sugere.
Sobre o visto gold de empreendedor, diz que é uma opção interessante, mas alerta para o risco de ser subvertida por “empreendedores menos escrupulosos”. Conta que em países como os EUA são definidos valores mínimos de investimento por parte de empreendedores ou valores de angariação de capital por parte de business angels ou fundos de capital de risco.