Investigadores do CERN (Organização Europeia de Pesquisa Nuclear) observaram pela primeira vez um fenómeno raro previsto pelo modelo mais consensual da física de partículas – o modelo-padrão. A seguir à observação do bosão de Higgs, registar o decaimento do mesão BS em dois muões é a descoberta mais importante do maior acelerador de partículas europeu (Large Hadron Collider, LHC).

Mesões, muões, bosão de Higgs… Confuso? Já lá vamos.

Esta observação, além de se revelar muito importante na confirmação do modelo-padrão da física de partículas, foi também inédita do ponto de vista da cooperação entre duas equipas ligadas à colisão de partículas no LHC – o LHCb e o CMS -, conta Nuno Leonardo, um dos investigadores que participou nesta experiência.

Recuemos um pouco no tempo. Durante três anos, o acelerador de partículas fez correr dois feixes de protões (partículas que existem no núcleo dos átomos) em direções opostas ao longo da circunferência de 27 quilómetros. Os feixes foram forçados a colidir em quatro localizações específicas, nos locais onde se encontram milhares de detetores pertencentes às experiências ALICE, ATLAS, CMS and LHCb.

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De cada vez que os protoões colidem podem formar novas partículas, que se podem manter por mais ou menos tempo ou decair e dar origem a partículas diferentes. Estas observações são registadas por cada uma das experiências: ATLAS e CMS mais dedicadas a estudar a generalidade dos fenómenos, ALICE para estudar iões pesados e LHCb com um foco específico em quarks b (bottom).

Event display of a candidate B0s particle decaying into two muons in the LHCb detector.

Possível decaimento da partícula B0s em dois muões nos detetores do LHCb – LHCb/CERN

Quarks e antiquarks são a base de todos os tipo de mesões. Quando têm um antiquark b – a partícula oposta do quark b (com a mesma massa e carga contrária) – temos um mesão B, mas mesmo dentro destes a variedade é grande, varia com o tipo de quark. O mesão Bs tem um antiquark b e um quark s (strange) e o mesão B0 tem antiquark b e um quark d (down). E estes dois mesões são as estrelas do artigo que LHCb e CMS (Compact Muon Solenoid) publicaram esta quarta-feira na Nature.

Cada experiência faz as próprias deteções, medições e análises de forma independente. E quando duas experiências chegam à mesma conclusão, a força dos resultados é ainda maior. Foi o que aconteceu com o bosão de Higgs. ATLAS e CMS tinham encontrado sinais da partícula, mas nenhum dos grupos conhecia os resultados do outro.

Quando cada grupo apresentou os resultados que tinha na mesma conferência de imprensa, em 2012, ficou confirmada a descoberta deste bosão. Era a única partícula fundamental do modelo-padrão que estava por descobrir. E a descoberta foi tão importante que valeu o prémio Nobel da Física em 2013 a dois dos físicos teóricos que a descreveram há 50 anos – Peter Higgs e François Englert. O terceiro físico a descrevê-la, Robert Brout, faleceu ainda antes da partícula ser detetada pelas equipas do CERN.

Os mesões Bs são partículas compostas que têm um comportamento fora do vulgar: “Oscilam entre partícula e antipartícula três biliões de vezes por segundo”, conta Nuno Leonardo, investigador do Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas (LIP), em Lisboa, que coordena o grupo de física do quark b em CMS.

O decaimento dos mesões Bs em dois muões (um muão e um antimuão) foi detetado por LHCb e CMS de forma independente e os resultados apresentados em julho de 2013, mas as observações não permitiam ter certezas. “Embora os resultados estivessem em excelente acordo, ambos ficavam aquém do nível de precisão estatística de 5 sigma [grau de confiança estatística] que é historicamene requerido para reinvindicar uma observação”, explica o comunicado de imprensa do CERN.

A combinação dos dados das duas experiências e um ajuste no tipo de análise realizado pelas equipas permitiu realizar observações com 6,2 sigma para o decaimento dos mesões Bs, conta Nuno Leonardo. A deteção deste processo vem, por agora, confirmar o que estava previsto pelo modelo-padrão: um fenómeno extremamente raro com uma probabilidade de acontecer quatro vezes em cada mil milhões de decaimentos. “Do bilião de partículas com quarks b produzidas nas colisões, detectamos 100 que decaem em 2 muões”, conta o investigador. Adicionalmente, exclui alguns dos modelos mais recentes da física de partículas (nova física), como a supersimetria, conclui.

“Este resultado constitui um excelente exemplo da precisão que pode ser alcançada quando experiências combinam as suas medições”, disse em comunicado de imprensa Rolf Heuer, diretor-geral do CERN.

Para excluir o modelo-padrão como um modelo possível para o decaimento do mesões B em muões e antimuões era preciso observá-los com uma maior frequência do que a que está prevista. Esse é um dos motivos porque na segunda temporada de colisões no LHC, que está prevista ter início em junho de 2015, se vai aumentar a energia de 8 teraelectronvolt (TeV) da primeira temporada para 13 TeV. Quanto maior a energia, maior o número de colisões, logo maior a probabilidade de se encontrarem partículas novas ou fenómenos imprevistos.

Diagramas com decaimentos possíveis para o mesão B (lado esquerdo) em muões (lado direito). c) é o diagrama mais simplificado, mas impossível no modelo-padrão; e) diagrama compatível com modelo-padrão; f) e g) diagramas compatíveis  com a nova física - CMS&LHCb (2015) Nature

Diagramas com decaimentos possíveis para o mesão B (lado esquerdo) em muões (lado direito). c) é o diagrama mais simplificado, mas impossível no modelo-padrão; e) diagrama compatível com modelo-padrão; f) e g) diagramas compatíveis com a nova física – CMS&LHCb (2015) Nature

A nova etapa do LHC poderá ajudar a perceber melhor o decaimento dos mesões B0. Por agora, a observação do decaimento deste mesão em muão e antimuão foi suficientemente frequente para ser estatisticamente significativa (3 sigma). Já discrepância de 2 sigma em relação ao modelo-padrão, na interpretação dos resultados, deixa a dúvida no ar. A discrepância (que equivale a 5% de probabilidade de flutuação) não permite dizer que este decaimento é incompatível com o modelo-padrão, mas deixa uma porta aberta para investigar este fenómeno.

Os resultados agora publicados resultam da partilha de dados e do trabalho conjunto de duas equipas – LHCb e CMS – que trabalham normalmente de forma independente numa forma de “cooperação competitiva” em que o desejo de serem os primeiro a revelar novas descobertas estimula o trabalho de investigação. Mas neste caso, como explica Nuno Leonardo, foi preciso encontrar o consenso entre os mais de 4.500 colaboradores das duas experiências.

“Havia um bom espírito de colaboração e uma grande motivação”, diz o investigador, justificados pela necessidade de ambos os grupos chegarem ao melhor resultado possível. “Havia um bom ambiente dentro do grupo de trabalho, mas a necessidade de consenso entre todos os investigadores torna os processos de decisão e aprovação mais lentos.”