Ter um fato vestido implica um casaco, uma camisa, um par de calças e uns sapatos bonitos. Marco Silva não teve nada disso em Vizela. O treinador vestiu-se com equipamento desportivo, um fato de treino do clube, e foi assim que esteve a dar ordens no banco a 17 de dezembro de 2014. Foi essa imagem — a de um treinador despido de fato e vestido à Sporting — que a direção dos leões estampou na capa da nota de culpa, um documento com mais de 400 páginas, que entregou na quinta-feira a Marco Silva. É lá que estão as justificações nas quais o Sporting vê a justa causa para despedir o treinador. O problema é que, do outro lado, dizem que “só uma coisa é verdade”.
O fato. O que Marco Silva não tinha em Vizela, mas que vestiu em 50 e tal jogos durante a época. O fato que era sempre o mesmo porque o Sporting, que firmou um acordo com uma marca de roupa, só deu um exemplar ao treinador. Houve alturas em que o calendário apertou e dezembro foi uma delas. Antes e depois de, a 17, ir jogar ao norte, o Sporting jogou a 14 (em Alvalade, contra o Moreirense) e a 21 (na Madeira, frente ao Nacional) para o campeonato. Um fato não chegou para tanto jogo e o treinador teve que escolher — optou por usá-lo nas partidas da liga. Mas a obrigação de o vestir em todo e qualquer jogo constava no regulamento interno do clube. O lado de Marco Silva reconhece-o e dá a mão à palmatória.
É por isso que o Sporting tem razão quando aponta o dedo ao técnico e diz que ele violou as regras. Tanto que pegou numa imagem de Marco em Vizela, vestido à desportiva, e fez dela a capa da nota de culpa. Porque é no fato que está “o único elemento factual” de toda a queixa, diz quem é próximo de Marco Silva e do processo. E que leu o documento que diz ser como “um clipping de toda a época”. Lá estão recortes de jornais, crónicas de jogos e apreciações individuais do treinador que, temporada fora, iam sendo publicadas na imprensa. O resto são páginas e páginas onde o Sporting vê factos e o lado do treinador vê mentiras. É um tu-cá-tu-lá, em que um lado acusa e o outro ri.
Onde um vê uma reunião à qual Marco não compareceu (na terça-feira), outro diz que foi Augusto Inácio, o diretor desportivo, a marcar e desmarcar o encontro com dois telefonemas — uma chamada foi no domingo, logo após a conquista da Taça de Portugal, outra deu-se na segunda-feira à noite. Um lado diz que Marco fugiu para ir a uma ação de treinadores em Fátima, outro conta que o treinador nunca foi e, por o clube “partir do princípio” que Marco tinha ido, disseram que mentiu. Onde o Sporting diz que o técnico se recusava a treinar bolas paradas, o lado de Marco diz que são os seus adjuntos a fazê-lo e que o fazem “como ninguém o faz em Portugal”.
O problema deste pingue-pongue é que nem um lado nem o outro têm provas para grande parte das alegações. Algo que não acontece, por exemplo, no ponto em que o Sporting acusa Marco Silva de ter visto uma suposta agressão de Marcos Rojo a Bruno de Carvalho, no início da época, e de ter dito que não viu. A defesa do treinador, neste caso, tem um documento, que a direção dos leões escreveu na altura, e no qual garantiu que não existiu qualquer agressão. Ou seja, o Sporting está a acusar o treinador de algo que há meses disse não ter acontecido.
Quando uma entidade patronal alega justa causa para despedir um trabalhador, como fez o Sporting, tem de apontar os porquês. Mas esses, por lei, têm de reportar, no máximo, aos 60 dias anteriores. E o caso da suposta agressão de Rojo ao presidente faz parte dos “90%” que a defesa de Marco Silva diz que “já prescreveram”. O Observador tentou confirmar esta informação com o Sporting, mas, até agora, não foi possível entrar em contacto com algum responsável do clube. O caso do fato, ocorrido a 17 de dezembro, também já aconteceu há mais de dois meses.
“O último episódio foi, após ter sido convocado para uma reunião com o seu Presidente na passada 4a-feira , ter dado a informação de que não podia reunir nessa data porque estaria presente numa acção de renovação da licença “UEFA Pro”, a decorrer em Fátima. Situação que se veio a verificar não correspondia à verdade, com a agravante de ao mesmo tempo – e como tantas vezes aconteceu – ter sido passada para os jornais a informação de que era o treinador que estava à espera para ser recebido.” — excerto do comunicado de Bruno de Carvalho, presidente do Sporting, divulgado esta sexta-feira.
Fonte próxima do processo considera que “tudo” o que o Sporting está a fazer é de “um amadorismo extraordinário”. E não só. Na reunião de quinta-feira, e antes de dizer a Marco Silva o ia despedir por justa causa, a SAD do Sporting fez-lhe uma proposta — uma rescisão amigável do contrato, com efeito imediato, em que os leões lhe pagariam o salário de junho. O treinador já estava sob ameaça de processo. Marco disse que não e daí o clube partiu para o despedimento, que a defesa do técnico vai contestar e impugnar na justiça. Logo, se o clube não levar a melhor, terá de pagar os cerca de 2,1 milhões de euros de indemnização ao treinador.
A defesa do treinador acredita que os tribunais vão dar razão a Marco Silva e não entende como o clube não optou por uma rescisão unilateral do vínculo. Porquê? Aí o Sporting teria de pagar os 2,1 milhões ao longo de três anos — os que restavam no contrato –, e, caso o treinador entretanto assinasse um acordo com outro clube, os leões ficariam a pagar apenas a diferença entre os salários. Ou nada, como acredita a comitiva do treinador, já que Marco Silva tinha algumas propostas à vista que lhe dariam ordenados mais elevados aos que auferia no clube de Alvalade. Marco ainda tem nove dias (eram 10 a partir de quinta-feira) para responder à nota de culpa. Enquanto não o fizer, continuará a ser treinador do Sporting.