Com a câmara ligada, a gravar, nunca tira a capa protetora. Só depois, com a entrevista feita e o material a ser arrumado, é que Rui Jorge se solta. Aproxima-se, já a rir e a passar uma mão pela cabeça. Mais descontraído, desobrigado de formalidades, vem falar-nos da pergunta com que tínhamos tocado “num assunto tramado”. O selecionador desabafa onde antes se contivera e, aí, admite que não sabia o que fazer quando teve de escolher quem levar ao Europeu. A colheita era tão boa que lhe “custou muito” escolher as melhores uvas. Disse-o, repetiu-o e, sobretudo, sentiu-o. Mesmo sem o reconhecer, talvez já soubesse que tinha jogadores com qualidade de sobra para ir à República Checa (pelo menos) igualar o que, há 21 anos, uns amigos seus conseguiram.

Já o conseguiu: Portugal está na final do Europeu de sub-21 (terça-feira, 19h45, RTP1), onde só estivera uma vez. Aconteceu em 1994, quando era moda os miúdos portugueses vencerem competições ou darem muito nas vistas. Em 1989, os sub-20 foram a Riade, na Arábia Saudita, ser campeões do mundo — no mesmo ano, os sub-16 ganhavam o Europeu e os sub-17 ficavam em terceiro lugar no Mundial. Um ano depois, os sub-18 ficavam em segundo lugar no Campeonato da Europa e, em 1991, chegou o bicampeonato mundial dos sub-20, em Lisboa. Estas gerações foram crescendo e não foi surpresa nenhuma quando, em 1994, os sub-21 chegaram a uma final — perdida, por 1-0, contra a Itália de Fabio Cannavaro, Pippo Inzaghi, Francesco Toldo e Pierluigi Orlandini, o tal que tramou a seleção com um golaço.

Do lado português havia as fintas de Luís Figo, os passes de Rui Costa, as pinceladas de João Vieira Pinto e a dureza de Jorge Costa. Todos já sabiam o que era ganhar e, sobretudo, jogar com Portugal. Entre os 11 portugueses que, a 20 de abril de 1994, foram titulares na final, apenas Figo somava menos de 10 internacionalizações nos sub-21. Logo ele? Sim, porque o extremo, nessa altura, já era pertença da seleção principal (16 jogos) e foi ao Europeu para fortalecer uma equipa já forte. De resto, toda a gente andava há quase dois anos nos sub-21. E ainda se diz que os miúdos de Rui Jorge são especiais por já conseguirem jogar muito nos clubes e na seleção. Verdade, mas não são tanto como a geração de 1994.

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Os titulares que perderam a final com os italianos tinham, em conjunto, 392 jogos feitos durante 1993/1994. Fernando Brassard, o guarda-redes, e Toni, o avançado, a quem a época dera menos ação, tinham ambos 19. Hoje há quatro nomes que nem aí chegaram: José Sá só defendeu a baliza do Marítimo em quatro jogos, Ricardo Esgaio apenas apareceu a partir do Natal (15 partidas na Académica, mais as três feitas antes, no Sporting), Tiago Ilori foi atrapalhado por lesões no Bordéus (13 jogos) e Ricardo Pereira foi sempre lateral direito, e não avançado, no FC Porto (13 jogos). Ao todo, os 11 que mais têm jogado neste Europeu somaram, esta temporada, 319 encontros — sem contar com jogos pelas equipas B — pelos seus clubes.

E agora, a pergunta para queijinho: Porquê? As respostas podem ser várias, por isso vamos por exclusão de partes. Não será pelas internacionalizações. Hoje seis dos 11 titulares (Paulo Oliveira, Raphäel Guerreiro, William Carvalho, João Mário, Bernardo Silva e Ivan Cavaleiro) já foram à seleção principal. Na altura, sete também o tinham feito antes do Europeu. A diferença, então, poderá estar nos clubes. Os portugueses, que agora compram mais estrangeiros do que antes e gastam mais dinheiro a fazê-lo. Dos quatro jogadores da seleção sub-21 que hoje jogam lá fora, dois fizeram as malas (Bernardo Silva e Ivan Cavaleiro) quando perceberam que pouco iam jogar no Benfica. Na final de 1994, os 11 titulares jogavam em Portugal.

Há mais outra coisa a separar as duas gerações — os minutos de seleção. No número de internacionalizações a diferença pode não ser assim tanta (39, a favor dos titulares de 1994), mas nos minutos já é muita. Os previsíveis titulares da final de terça-feira, em Praga, somam entre si 12.537 minutos passados a jogar na seleção sub-21 e, em 1994, antes de perder com os italianos, a equipa portuguesa treinada por Nelo Vingada registava 16.918 minutos jogados neste escalão. Isto pode-se pelo facto de, tal como Rui Jorge indicou, há semanas, em entrevista ao Observador, Portugal teve “33 jogadores a participarem ativamente na qualificação” e convocou, ao todo, uns “66 ou 67”. É muita gente por quem dividir minutos.

E serão também muitas mãos para dividir um caneco, o tal que escapou há 21 anos. Pode ter sido tramado para Rui Jorge decidir que jogadores iria levar ao Europeu. Mas será bem mais fácil para o selecionador escolher os 11 que vão tentar, de início, ganhar à Suécia, na terça-feira, em Praga. Têm sido quase sempre os mesmos — só Tobias Figueiredo poderá jogar em vez de Tiago Ilori, caso o central do Liverpool não se livre de uma lesão — e os resultados têm agradecido em português. Só falta aparecer mais um obrigado.