O primeiro semestre do ano vai ser um pouco mais longo. Mas muito pouco. Esta terça-feira, 30 de junho, vai ter mais um segundo. (Bem, para alguns países será só no dia 1 de julho, mas será ao mesmo tempo em todo o mundo.) A verdade é que um segundo já não é o que era, literalmente. Está preparado para isso? E o seu computador?

Em 1958, o segundo foi definido como 1/86.400 de um dia. “Foi baseado na rotação média do planeta Terra em 1820, usando dados de alta precisão”, disse ao Observador Rui Agostinho, diretor do Observatório Astronómico, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Mas a Terra tem vindo a desacelerar a rotação (em torno de si própria), portanto um segundo baseado num dia de 1820, já não tem correspondência com um segundo baseado num dia de 2015. Os dias estão mais longos (bem, só um bocadinho….)

Para resolver este problema dos dias variáveis, redefiniu-se, em 1967, o segundo, com base na transição energética de um átomo de césio a zero graus Kelvin. Este segundo e os relógios atómicos que o medem são tão precisos que nunca sofrem alterações, ao contrário da oscilação na duração dos dias na Terra.

O nosso planeta não é um corpo rígido. As deformações que sofre podem fazê-lo aumentar ou diminuir a velocidade de rotação, fazendo com que os dias fiquem ligeiramente mais curtos ou mais longos, ainda que, de forma geral, o planeta esteja a abrandar a rotação. A principal causa do abrandamento da velocidade de rotação da Terra é a força gravítica da Lua, a mesma que cria as marés oceânicas. O Sol também tem um papel redução da velocidade, mas menor. “A Lua tem um efeito, 2,3 vezes maior do que o Sol”, disse Rui Agostinho. A força gravítica exercida pelos restantes planetas do sistema solar é ainda menor.

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É a força gravítica da Lua que cria as marés oceânicas – VANDERLEI ALMEIDA/AFP/Getty Images

As oscilações na duração dos dias podem continuar impercetíveis para nós, mas no passado a existência de horas legais locais levava a muitas confusões, basta pensarmos nos horários de um comboio que em cada estação se podia reger por uma hora diferente. Para evitar este tipo de situações e eliminar a variabilidade do segundo consoante a duração do dia, instituiu-se, em 1972, o Tempo Universal Coordenado (UTC) – uma escala de tempo derivada do Tempo Atómico Internacional (TAI) -, que passou a servir de base às horas legais de todo o o mundo, refere a página do Observatório Astronómico de Lisboa.

Ainda que o TAI não mude, a ideia é que o UTC não se afaste demasiado da escala baseada na rotação da Terra, daí que por vezes haja necessidade de se proceder a um ajuste – introduzir um “segundo intercalar”. Este ano, acontecerá dia 30 às 23h59m59s nos Açores e dia 1 de julho às 00h59m59s em Portugal continental e Madeira, pela vigésima sexta vez desde 1972. Com estes 26 segundos de atraso e os 10 segundos a menos que já tinham sido atribuídos ao UTC em relação ao TAI, já em 1972, o relógio por que nos regemos está na verdade mais de meio minuto atrasado em relação aos relógios atómicos. Mas também não está certo em relação à rotação da Terra.

O objetivo do “segundo intercalar” é que a diferença entre a hora que marcam os relógios (UTC) e a escala astronómica (baseada no Sol e na rotação da Terra) não seja superior a 0,9 segundos.

Mas fala-se a possibilidade de eliminar este “segundo intercalar”. O tema esteve em discussão em 2012, na Conferência Mundial de Radiocomunicação, e poderá voltar a ser discutido no mesmo evento que decorre de 2 a 27 de novembro de 2015, em Genebra (Suíça). A União Internacional de Telecomunicações das Nações Unidas definiu o UTC que é mantido pelo Comité Internacional de Pesos e Medidas em colaboração com o Serviço Internacional de Sistemas de Referência e Rotação da Terra.

Com uma escala de tempo contínua acabavam-se as preocupações com os sistemas computorizados ou com os sistemas de navegação modernos. Rui Agostinho referiu que o problema não está nos sistemas de localização geográfica (GPS), nem com os satélites, que usam os relógios atómicos, mas com os sistemas que recorrem à hora legal.

Directions are shown on a GPS unit mounted in a car travelling along Kaiserdamm at dusk in Berlin, October 8, 2010. AFP PHOTO / ODD ANDERSEN (Photo credit should read ODD ANDERSEN/AFP/Getty Images)

O GPS não depende da hora legal, mas dos relógios atómicos – ODD ANDERSEN/AFP/Getty Images

A NAV Portugal que presta serviços de tráfego aéreo de áreas sob a responsabilidade portuguesa garantiu ao Observador que este segundo extra “não terá nenhuma implicação para tráfego aéreo e segurança”. Os sistemas atualizam automaticamente, atualizam ao mesmo tempo em todas as regiões do globo e em todo o mundo se utilizam os mesmos sistemas, justificam. A companhia aérea portuguesa TAP também confirmou ao Observador que nunca tiveram problemas com a introdução destes segundos adicionais antes e não esperam que venha a acontecer.

E em relação aos mercados e bolsa, que cada segundo conta? João Queiroz, diretor de Negociação do Banco Carregosa, disse ao Observador que este segundo a mais “não tem importância em termos de risco ou de desempenho”. “As máquinas estão sempre a sincronizar com o servidor e para certos eventos como este já está tudo programado.” O diretor refere que caso as máquinas estivessem a processar cálculos estatísticos poderia ter algum impacto, mas a hora escolhida prevê que haja menos atividade humana – “entre o fecho da Bolsa de Nova Iorque e a abertura das bolsas asiáticas”, refere João Queiroz.”Faz-se o mesmo com as atualizações dos antivírus”, referiu o diretor como exemplo.

A Bloomberg Business, pelo contrário, mostrou que os mercados têm razão para estar preocupados. Cerca de 10% das grandes redes de computadores vão ter problemas com o segundo intercalar, disse Geoff Chester, porta-voz do Observatório Naval norte-americano, citado pela Bloomberg. Chester lembrou que um minuto de 60 segundos passará a ter 61. Para ultrapassar este problema, os relógios podem parar, voltar um segundo atrás ou “diluir” o segundo a mais em várias frações noutros segundos desse dia. Adicionalmente, as bolsas podem encerrar mais cedo ou, noutros casos, as transações podem começar mais tarde.

“O problema mais grave está na medição de algo para tomada de decisão”, disse ao Observador Ricardo Lopes Pereira, professor auxiliar do Departamento de Engenharia do Instituto Superior Técnico. Sempre que há uma medição a ser feita a cada segundo, ou até em unidades de tempo mais pequenas, ter dois segundos 59 (por exemplo) pode ter impactos numa análise contínua, numa série temporal, mas especialmente numa tomada de decisão. Ricardo Pereira dá exemplos: pode desligar-se um sistema de fornecimento de energia ou pode abrir-se uma barragem, porque o sistema interpreta a informação de forma errada. Ou até se podem vender ou comprar ações baseadas numa informação desfasada da realidade – virtualmente as transações eletrónicas em bolsa não param de acontecer.

Tanto a NAV Portugal como João Queiroz, do Banco Carregosa, lembraram que isto não é como a passagem para o ano 2000, as máquinas e os sistemas estão melhor preparados. Ainda assim, Rui Agostinho lembrou que os Açores vão ter de acrescentar um segundo na passagem de um dia para o outro (o último minuto do dia 30 terá 61 segundos) e admite que alguns aparelhos podem ter dificuldade em ajustar a data. Mas para um computador, que conta os dias em segundos, pouco importam os dias, tranquiliza Ricardo Pereira.

Os computadores pessoais à partida não terão problemas, isto se tiver feito as devidas atualizações do sistema operativo. Quanto ao seu telemóvel, deverão ser as operadoras a fazer o acerto. Mas não se preocupe, mais segundo, menos segundo não fará grande diferença. Mas se ficou baralhado com este segundo a mais e já não a certeza de qual é a hora certa, o OAL enquanto entidade responsável pela manutenção da hora legal em Portugal mantém-no sempre atualizado aqui.

Atualizado às 23h20