Dia dois do Super Bock Super Rock. Público mais jovem que o da véspera, mais mexido e mais animado. A pala de má memória ainda cá está, mas um acerto no som do palco EDP permitiu tornar mais suportáveis os espetáculos.
E que espetáculos, senhores. A noite foi rica, com muitos tons e toques de mestria a fazer do cartaz intermédio do SBSR um acontecimento com muito para recordar.

Benjamin Clementine e White Haus nos palcos EDP e Antena 3, respetivamente, foram os primeiros concertos a receber uma massa humana considerável em final de tarde. O primeiro, ao piano, deu a conhecer um vozeirão que promete agarrar muitos fãs por estes lados. Os segundos são o projeto mais recente de João Vieira (X-Wife), banda que arrisca e bem incursões por terrenos mais dançáveis.

Ainda era de dia quando Kindness se apoderou do palco EDP, por baixo do Pavilhão de Portugal e junto ao rio. O britânico Adam Bainbridge, vocalista e protagonista, sente-se bem em cena. De fato azul vivo, canta e dança com uma atitude insinuante. O público gosta e os fotógrafos também. Em determinados momentos disputou as atenções com as duas miúdas do coro e até com a banda de quatro instrumentistas – todos se estavam realmente a divertir. Riam, dançavam, passeavam pelo palco. Essa boa energia sentia-se e, quem por ali passava, foi ficando. Adam Bainbridge, enquanto Kindness, já conta com dois álbuns em carteira e já tinha estado em Portugal, na última edição do Vodafone Mexefest.

Seguiram-se os The Drums, no palco SB. A banda de Brooklyn trouxe em destaque o terceiro álbum – Encyclopedia, saído em finais de setembro – embora tenham acrescentado os melhores sons de 2010. Jonathan Pierce, o vocalista, tem carisma e faz questão de manter algum distanciamento – pouco passou dos “thank you” da praxe. Mas no geral a atitude revelou algum deslumbramento com o tamanho da sala e mesmo da audiência.
Os Drums já cá estiveram várias vezes, uma boa razão para escolher este primeiro palco europeu depois de meses sem pisar uma boca de cena. A sonoridade anda algures entre os Smiths e os Beach Boys, procurando encontrar um caminho entre referências que se aproximam e afastam conforme dá jeito. Ainda têm um (bom) caminho para trilhar, o show do SBSR foi para fiéis e não os desapontou.

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You better make some noise“, ordenou a miúda de 26 anos. Da Chick pode não ser a rainha do Super Bock, mas pelo menos recebe o título, até agora, de rainha do Palco Antena 3. O alter ego de Teresa de Sousa pôs toda a gente a dançar com “Do the Clap”, “Cocktail” ou “Funk Call”. Da Chick editou este ano “Chick to Chick” mas antes disso já tinha lançado o EP “Curly Mess” em 2012. A rapariga não deixa o público tirar os olhos dela. Dela, dos seis músicos e do bailarino eletrizante.
Give it up for my boy!“, voltou a ordenar, de sotaque americano bem apurado. Todos alinharam no mesmo sentido, um contagiante funk e soul dos anos 70 e 80, com muito groove. O universo funky americano instalou-se no Parque das Nações para muitas pessoas que dançavam e tantas outras que assistiam nas escadas do MEO Arena. “Da Chick is fucking freak”, disse a própria. E tem alguma razão.

Ainda vale a pena dizer mal da pala? Talvez não. Mas é um crime meter as guitarras poderosas das Savages debaixo dela. Que coisa brutal são estas Savages. E que melhores estão desde 2013, quando se estrearam por cá – primeiro no Primavera Sound, depois no Mexefest.
Foi um espetáculo de pós-punk com atitude poderosa, encabeçado pela extraordinária Jehnny Beth – já um dos nomes maiores do atual panorama musical. O concerto durou uma hora mas as músicas fortes ficaram a zunir nos ouvidos durante muito tempo mais, no olhar a memória de um show de vontade, energia e carisma no trio corajoso vestido de negro que veio de Londres.
O espaço não começou composto mas rapidamente encheu, as guitarras chamaram muita gente pelo recinto. Jehnny & companhia não desiludiram ninguém. O alinhamento cruzou as músicas do primeiro álbum com sons do segundo, ainda por estrear. Ambos com o sangue sempre a ferver nas veias e a voz a rebentar com emoção e intensidade. Já depois de se ter descalçado para andar perto do público, Jehnny voltou a calçar-se e avisou: “da última vez que tocámos ‘Fuckers’, no Porto, vocês foram um espetáculo. Vamos agradecer-vos assim”. Arrancou à bruta um “Don’t let the fuckers kick you down”, cantado em uníssono por uma plateia completamente rendida, fechou o palco sem direito a encore e sem se despedir. Vai voltar, com certeza.

Ao mesmo tempo, a sala principal do MEO Arena ia-se compondo para ouvir Jorge Palma e Sérgio Godinho. A dupla portuguesa de gigantes não conseguiu mais do que metade da lotação do palco Super Bock, talvez pela grande massa mais nova que marcou presença neste segundo dia de festival.
Quem ali ficou teve direito a clássicos de um e de outro, cantados pelos dois. Os refrãos de “Dá-me lume” e “Frágil”, de Jorge Palma fizeram-se ouvir pelo público que se repartiu igualmente pela plateia e pelas bancadas. “O Elixir da eterna juventude”, com a marca de Sérgio Godinho, também arrancou alguns pulos do público e na introdução a “Os Conquistadores” constaram referências aos homens dos Descobrimentos.

Depois da confirmação em 2014 no palco Vodafone do Rock in Rio, os Bombay Bicycle Club já foram recebidos como se fossem da casa. Sabem como é: aos primeiros acordes toda a gente grita em reconhecimento, segundos depois está tudo a pular e a bater palmas.
É uma música alegre e descomplexada, uma banda com a pop feliz. Recusam ser encaixotados num estilo e por isso sacodem a herança de disco para disco, voltando a baralhar as referências e a criar um som novo que anima os espetáculos, porque esta banda é mesmo para ser consumida com todos os sentidos… e espaço para abanar.

Os dEUS são mais uma banda com público fiel, suficiente para quase metade do MEO Arena. A idade não lhes pesa e energia têm a pontapé, estes belgas que já levam vinte anos disto. À conta da longevidade e das muitas visitas a Portugal, o vocalista Tom Barman já domina muito razoavelmente o português e usou isso como arma para animar o público – que retribuiu com entusiasmo, à espera de um concerto memorável que não chegou a aparecer.
Os músicos são profissionais experientes, trabalharam por isso o som que se lhes conhece com energia e não recusam elevar o volume quando é preciso. O rock dos dEUS é barulhento, mas também um pouco indistinto – e se chegou para animar os convertidos, não terá sido o suficiente para angariar muitos fãs novos. Até porque estavam a chegar os cabeças de cartaz desta noite.

E os Blur não desiludiram. Mesmo nada. Encheram a alma de uma Arena muito bem composta e portaram-se como super-banda que são, com Damon Albarn a mergulhar na multidão e a desafiá-la para os acompanhamentos. A experiência vale muito. Albarn foi sempre o maestro de um público que não se fez rogado para dançar, aplaudir e gritar pelos êxitos novos e velhos da banda britânica.
O palco tinha cones de gelado em néon e espaço para um coro de quatro elementos que se equilibrava, a espaços, com um quarteto de sopro para ajudar à festa. As duas baterias forçavam o ritmo nas pernas da audiência, que respondia com letras bem decoradas – especialmente nos hinos “Badhead” e “Beetlebum”. A bandeira portuguesa levantada bem alto no palco ajudou à apoteose, que se confirmou em absoluto com “Girls and Boys”, tocada já depois do regresso obrigatório ao palco e com dedicatória para a Grécia. O povo apreciou, e muito. É o que interessa.