A E3 é sem dúvida o evento de videojogos mais conhecido em todo o mundo, mas a Gamescom começa a assumir o papel preponderante no mercado: é em Colónia na Alemanha que são revelados os jogos para o imediato, e onde centenas de milhares de pessoas podem contactar diretamente com o que aí vem.
Gamescom: o evento que as grandes querem que definhe?
Quem visitou as duas feiras percebe à partida a diferença: se a E3 está mais direcionada para a indústria e está algo “dominada” pelas grandes companhias, a Gamescom é um evento mais abrangente – é o local onde as editoras “médias” (sem outra forma de as definir) e os indies andam lado a lado com os gigantes. E é por falar nos gigantes que fica o meu primeiro reparo à edição de 2015 da Gamescom, que bateu recordes de assistência ao atingir os 345.000 visitantes: depois de terem gasto a munição há mês e meio em Los Angeles, as grandes companhias surgiram algo tímidas no certame. A Nintendo limitou-se a repetir discretamente o catálogo que já jogámos na E3 com a adição do genial Xenoblade Chronicles X (do qual falaremos noutro artigo), a Electronic Arts revelou um pouco dos títulos já anunciados enquanto aproveitava o território europeu para promover o FIFA com toda a força (e alguns pós de Star Wars que vendem quase sozinhos), a Microsoft acabou por revelar mais sobre as suas grandes apostas para este ano.
A Blizzard fez mais uma vez da sua “conferência” um evento direcionado aos media e que esteve essencialmente a falar de expansões de produtos, denunciando a posição confortável do monopólio que possuem. Resta-nos a Sony, que para todos os efeitos não esteve lá. Sem apresentações para os jornalistas que não fossem alemães, sem fast passes para a zona de público (que permitem aos jornalistas passar à frente das filas de duas horas de espera), sem conferências, sem anúncios, sem nada. O silêncio total. Ou a Sony não tem nada para mostrar ou está a ser vítima de soberba. Ou ambas. Mas apara alguém que quer dominar o mercado das consolas estranha-se a ausência do maior evento de videojogos do mundo. Algo vai mal pelas terras da PlayStation?
Como funciona afinal a Gamescom?
Situada na Koelnmesse, uma verdadeira cidade-centro-de-congressos, uma espécie de FIL sob esteróides, que ocupa 11 grandes pavilhões num bairro da cidade de Colónia, na Alemanha. É aliás a dimensão do Centro de Congressos que permite receber 345.000 visitantes. Três dos pavilhões do evento ficam reservados para o que denominam Business Area, acessível apenas a media e jornalistas, e onde todas as bancas têm um ar mais sóbrio, mais acético, institucional, longe do ruído, das luzes, da música em alto volume da área de público. Foi nesta área que os seis membros da equipa do Rubber Chicken passaram a quase totalidade do evento, em mais de 210 apresentações numa tentativa de fazer a maior (e a melhor) cobertura possível tanto para o nosso site e para o Observador.
Ao contrário da E3, que é muito direcionada para os media e onde as apresentações e revelações das companhias são sempre a médio prazo, é na Gamescom que grande parte dos negócios são estabelecidos. Entre estúdios independentes que dão os primeiros passos e que tentam encontrar financiamento para as suas produções, assim como estúdios já estabelecidos que negoceiam com esta ou aquela empresa uma parceria de exclusividade. E é aqui também que as editoras (as que teimosamente apelido de “médias”) anunciam quais os jogos que irão publicar no final deste ano e o início do próximo. Apesar destas empresas terem uma dimensão considerável, não dispõem dos capitais de investimento em marketing de uma Sony ou uma Microsoft, e por isso dedicam muita atenção aos jornalistas (os que revelam o mínimo interesse em mercados que não apenas os AAA), que serão, ao fim ao cabo, o grande veículo de comunicação dos seus novos produtos.
A verdadeira dimensão das editoras (ditas) “médias”
O Rubber Chicken/Observador esteve na Gamescom com uma equipa de seis pessoas, o que permitiu uma cobertura quase (ênfase no quase) total do evento. Foi possível cobrir os AAA, as empresas de média dimensão e até aqueles pequenos developers que pediram reuniões sentados à mesa do café ou no chão da Zona de Negócio, por não terem capital para alugar uma banca.
Esta Gamescom permitiu-nos ter a confirmação de duas coisas: há uma força ímpar no PC e nas editoras médias. Se a Sony, Microsoft, EA, Nintendo, Ubisoft são as portadoras do fogo-de-artifício e dos holofotes da imprensa, acabam por ser as empresas financeiramente (e estruturalmente) uns patamares abaixo que dão os passos de inovação e que estão a fazer jogos surpreendentes. Falamos de empresas como a Focus Home, a Paradox, a Nordic Games, a Devolver Digital, entre muitas outras (maioritariamente europeias) que tentam rentabilizar ao máximo o evento. E que, como verão no artigo que iremos publicar sobre os destaques da Gamescom, têm dos jogos mais interessantes a serem lançados no futuro próximo.
A aposta tecnológica de alguns países
De ano para ano temos visto uma maior aposta de stands institucionais de países, que marcam em força a sua presença na Área de Negócio. Seja a promover alguns eventos locais, ou núcleos empresariais, ou ainda a formação superior na área dos videojogos, é possível perceber que o peso institucional da Gamescom começa a dar frutos. Até o Irão, que já tinha construído um espaço de negócio no ano passado veio este ano aumentar essa zona, demonstrando alguma vontade em permitir a exportação de videojogos do país para o exterior. E depois é claro, o Reino-Unido, a Alemanha, a Espanha, a França (com uma produção de videojogos fortíssima), a Suíça, a Itália, a Holanda, o Canadá, a Coreia e a China, entre outras pequenas bancas como as do México e da Argentina que demonstravam a vontade nacional de criar e exportar videojogos. Cada país teve uma dupla tarefa: a de promover o seu mercado e a de servir de espaço de apresentação para os muitos developers que de outra forma não teria onde expor as suas criações.
O grande destaque a nível de qualidade (e que se refletirá no nosso artigo sobre os melhores lançamentos) veio mesmo do conglomerado institucional dos 5 países nórdicos (Suécia, Noruega, Dinamarca, Islândia e Finlândia) e que dividiram o mesmo espaço na Área de Negócio. Com uma população total de cerca de 25 milhões de habitantes, com uma produção que ultrapassa em quantidade e qualidade o seu consumo interno, parece-me que institucionalmente a grande surpresa do evento foi mesmo este consórcio. Jogos criativos, de grande qualidade estética e narrativa, cuja qualidade lhes permitiu a quase todos estarem presentes em quase todas as plataformas.
O que restava? Um pavilhão português. Por muito tímido que fosse, por desconhecimento da Tutela da importância crescente que o mercado de exportação pode ter, urge a criação de um pavilhão português. Que demonstre que estamos neste pequeno canto mas que temos produção, e que temos consumo. Estaremos a ser utópicos? Ou teremos de esperar pela Gamescom 2050 para Portugal olhar para o comboio que está a ver partir?
Ricardo Correia, Rubber Chicken