A Academia das Ciências Sueca atribuiu esta quarta-feira, em Estocolmo, o prémio Nobel da Química 2015 a Thomas Lindahl, investigador no Instituto Francis Crick e Laboratório Clare Hell (Reino Unido), Paul Modrich, investigador no Instituto Médico Howard Hughes e Faculdade de Medicina da Universidade Duke (Estados Unidos), e Aziz Sancar, investigador na Carolina do Norte (Estados Unidos), pelo estudo dos mecanismos de reparação do ADN.

“Foi uma surpresa. Sinto-me muito orgulhoso”, disse o laureado Thomas Lindahl aos jornalistas, assumindo que sabia que já tinha sido proposto antes, mas que não estava à espera que acontecesse agora.

Todos os dias o nosso material genético sofre erros e alterações. Se esses erros não fossem corrigidos, neste ponto o nosso ADN já não seria minimamente parecido com o original. Os três investigadores foram galardoados pela descoberta de três mecanismos que permitem a reparação do ADN nas células. Estes foram os primeiros mecanismos descobertos – o primeiro deles nos anos 1970 –, mas muito outros estudos têm sido feitos depois disso. E mesmo sobre estes mecanismos ainda há investigação a ser conduzida.

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“As descobertas sobre estes mecanismos são tão surpreendentes que ficamos com a sensação que ainda há um longo caminho a percorrer”, disse ao Observador Marta Sousa Silva, investigadora no Departamento de Química e Bioquímica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. “A descoberta dos mecanismos de reparação do ADN na célula abriram as portas para o conhecimento de algumas doenças relacionadas com alterações no material genético. No entanto, há erros que persistem e escapam a esses mecanismos de reparação e para os quais ainda há muita investigação a fazer.”

Os três investigadores descobriram mecanismos de reparação de ADN em situações diferentes, mas juntos demonstraram que existem mecanismos básicos que nos permitem manter a integridade do nosso material genético, referiu o Comité do Nobel. Estes mecanismos são comuns a vários tipos de células, incluindo a bactérias. Daí que seja muito difícil combater células tumorais e bactérias danificando o material genético, porque estes “agressores” também têm forma de corrigir esses problemas. Mas conhecer estes mecanismos abrirá certamente as portas para terapias alternativas.

“Precisamos do mecanismo de reparação de ADN, mas não estamos satisfeitos que as células cancerígenas também os usem”, disse aos jornalistas Thomas Lindahl.

“A modificação indesejada do ADN constitui um problema complexo. O ADN pode ser danificado por diversas vias, algumas ambientais e outras espontâneas, levando à formação de mutações que podem originar doenças”, explica ao Observador Marta Sousa Silva, investigadora no Departamento de Química e Bioquímicada Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. “Um dos exemplos mais conhecidos é o cancro de pele, provocado por modificações no ADN causadas por excessiva exposição à radiação UV (luz solar). Outro exemplo é o cancro do pulmão, no qual as mutações são causadas pelo fumo do tabaco.”

“Mas para além dos agentes ambientais, o ADN está ainda sujeito ao stress oxidativo causado, por exemplo, por radicais livres produzidos pela própria célula”, continua a investigadora. A este se junta ainda as modificações que são provocadas durante a multiplicação das células, lembra o comunicado de imprensa do prémio Nobel. O ADN duplica sempre que há divisão celular, um processo que ocorre milhões de vezes por dia no corpo humano. Dá para imaginar a quantidade de erros que podem ocorrer.

“A presença de mutações no ADN faz parte da vida”, disse Marta Sousa Silva. “A descoberta dos mecanismos de reparação destas mutações foi fundamental para a compreensão de determinadas doenças, entre elas o cancro. É crucial perceber como o ADN é reparado e, principalmente, perceber porque há erros que escapam a estes mecanismos de reparação levando à formação de doença.”

Os tijolos que compõe o nosso ADN funcionam como uma espécie de chave e fechadura, em que cada par deve encaixar perfeitamente numa cadeia dupla, mas às vezes a chave (ou a fechadura) são trocadas e não encaixam no par. Sempre que um destes problemas acontece espontaneamente nas células, existe um mecanismo – base excision repair – que permite retirar esses erros para serem corrigidos. Esta descoberta foi feita inicialmente por Thomas Lindahl nos anos 1970.

Todos os dias as células do organismo replicam-se, ou seja, dividem-se para que as novas células formadas possam substituir as antigas. Dividir não será a melhor forma de o dizer, porque na verdade elas duplicam-se: fazem uma cópia do material genético e de toda a maquinaria celular, e depois dividem-nos equitativamente em duas células. Quando o ADN está a ser copiado, como os monges que copiavam livros à mão, alguns erros vão sendo introduzidos. Paul Modrich descobriu que existe um mecanismo nas células – mismatch repair – que deteta esses erros e os eliminam, como um avançado corretor ortográfico, permitindo que se fala uma cópia correta.

Mas as alterações não acontecem apenas por motivos intrínsecos às células, alguns fatores externos, como as radiações ultravioleta ou o fumo do tabaco, podem provocar alterações na informação genética contida nas células. Aziz Sancar descobriu o mecanismo através do qual as células reparam o ADN danificado pelas radiações UV – nucleotide excision repair – e que também é válido para outros fatores que induzem estas alterações. As pessoas que têm defeitos neste sistema de reparação têm maior probabilidade de desenvolver cancro de pele, como melanoma, quando expostas à radiação.

“No século XX, uma das descobertas científicas mais relevantes consistiu na descoberta da composição química e estrutura tridimensional do ADN”, lembra Marta Sousa Silva. “É claro que, para que a espécie se perpetue ao longo das gerações, é necessário garantir a estabilidade da informação genética ou seja, preservar a estrutura do ADN.” Daí que a investigadora considere a atribuição deste prémio Nobel tão importante. “Como bioquímica e bióloga molecular, considero que este prémio é um reconhecimento justo do trabalho de três grandes investigadores no estudo de um fenómeno fundamental à vida.”

Alfred Nobel deixou grande parte da sua fortuna para uma fundação que deveria atribuir anualmente prémios as mais importantes descobertas da humanidade. Uma das áreas de ciência contempladas foi a Química. O próprio trabalho de Alfred Nobel estava muito relacionado com esta ciência – nela baseou muitas das suas invenções e processos industriais, refere a página do Nobel dedicada a este prémio.

Algumas curiosidades sobre o prémio Nobel da Química:

  • Houve 106 prémios Nobel atribuídos entre 1901 e 2014;
  • 63 desses prémios foram atribuídos a um único laureado;
  • Até agora quatro mulheres foram laureadas;
  • Frederick Sanger, foi o único a receber o prémio duas vezes, em 1958 e 1980;
  • O mais jovem laureado tinha 35 anos – Frédéric Joliot, em 1935;
  • O mais velho laureado tinha 85 anos –  John Fenn, em 2002;
  • A média de idades dos laureados é 58 anos.

Os mais populares prémios Nobel da Química:

  1. Ernest Rutherford
  2. Marie Curie – que também foi prémio Nobel da Física
  3. Linus Pauling
  4. Mario J. Molina
  5. Eric Betzig
  6. Irène Joliot-Curie
  7. Stefan W. Hell
  8. Dorothy Crowfoot Hodgkin
  9. William E. Moerner
  10. Fritz Haber

Como se escolhe um prémio Nobel:

O exemplo é para o prémio Nobel da Química, mas o processo é equivalente para as outras ciências consideradas.

Atualizado dia 8 de outubro à 1 hora