Bobby Sands

Undated picture of North Ireland's Bobby Sands, who starved himself to death in jail in a protest at British rule 05 May 1981 in Belfast. (Photo credit should read STF/AFP/Getty Images)

Bobby Sands morreu ao fim de 66 dias de greve de fome na prisão norte-irlandesa de Maze (STF/AFP/Getty Images)

5 de maio de 1981. Norte-irlandês, católico e dirigente do IRA, o Exército Republicano Irlandês, Bobby Sands morreu aos 27 anos na prisão de Maze, a sul de Belfast, após 66 dias em greve de fome.

Nesse mesmo dia, discursando na Câmara dos Comuns, Margaret Thatcher disse: “Ele era um criminoso. Um criminoso confesso! Foi ele que escolheu tirar a sua própria vida. Não fomos nós. E tirar a própria vida foi uma escolha que o IRA não permitiu sequer às suas vítimas.”

No dia 7 de março, mais de cem mil norte-irlandeses seguiram, a pé e em silêncio, o funeral de Sands pelas ruas de Belfast até ao cemitério de Milltown. A violência veio depois. E não sossegou durante dias.

Nascido em Belfast, em 1954, Bobby Sands era filho de católicos, mas cresceu num bairro de maioria protestante. Em 1972, o sectarismo violento obrigou-o a deixar tudo para trás e a mudar-se, com a família, para um centro residencial público numa zona católica da cidade. Foi lá que o IRA o recrutou. O Exército Republicano Irlandês, sobretudo a partir de 1969, defendia a luta armada como um meio para que a Irlanda do Norte se desagregasse do Reino Unido e, em seguida, se unisse à República da Irlanda e formassem uma república socialista irlandesa.

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Logo após ter sido recrutado para a causa independentista norte-irlandesa, Sands foi detido pela primeira vez e condenado a cinco anos de prisão por, alegadamente, ter participado em várias ações armadas.

Menos de um ano depois da sua libertação, em 1977, Bobby Sands voltou a ser detido, desta vez no local onde acontecera, horas antes, um atentado do IRA. Sands trazia consigo uma pistola no momento da detenção e acabou condenando a 14 anos de prisão. É importante recordar que o governo britânico promulgou, em 1976, uma política de criminalização dos terroristas norte-irlandeses, o que lhe agravou a pena.

A primeira greve de fome ocorreu precisamente na prisão de Maze, para onde foi enviado após o julgamento, e iniciou-se a 27 de outubro de 1980, tendo terminado a 18 de dezembro desse mesmo ano. Bobby Sands reivindicava, para ele e para os restantes presos do IRA, o estatuto de preso político e não de terrorista. O governo britânico, pressionado pela comunidade internacional, acedeu inicialmente à reivindicação, mas acabou por deixá-la cair. 

No dia 1 de março de 1981, cinco anos decorridos sobre a promulgação da política britânica de criminalização do IRA, Sands voltou à greve de fome. Bebia água, consumia sal e o seu peso caiu dos 70 para os 43 quilos. Tinha 26 anos. 

Bobby Sands foi eleito para o Parlamento britânico pelo distrito de Fermanagh e South Tyrone, na Irlanda do Norte, com 30.492 votos. Estávamos a 9 de abril de 1981. O Parlamento, contudo, aprovou logo em seguida uma legislação que impossibilitava os condenados a cumprir pena de serem eleitos.

Sands entrou em coma a 3 de maio e acabaria por morrer na manhã de dia 5. Outros nove membros do IRA presos em Maze acabariam também por falecer em consequência das greves de fome que fizeram até ao fim. O último foi Mickey Devine, a 20 de agosto de 1981.

A 28 de julho de 2005, o IRA anunciou o fim da luta armada. A Irlanda do Norte assinala todos os anos, na primavera, o dia da morte de Bobby Sands.

Guillermo Fariñas

Cuban opposition activist Guillermo Farinas lies on a couch at his home in Santa Clara, Cuba, March 10, 2010. Farina, who has been in hunger strike for two weeks, said that he is ready to die if President Raul Castro doesn't release 26 seriously ill political prisoners. AFP PHOTO/ADALBERTO ROQUE (Photo credit should read ADALBERTO ROQUE/AFP/Getty Images)

O ativista cubano Guillermo Fariñas, em casa, durante uma das 24 greves de fome que realizou (ADALBERTO ROQUE/AFP/Getty Images)

É talvez o mais conhecido e reconhecido — a 21 de outubro de 2010 foi-lhe atribuído o Prémio Sakharov — dos dissidentes cubanos. Foi aos 23 anos que Guillermo Fariñas fez a sua primeira greve de fome em protesto contra as políticas do regime de Fidel Castro.

Ativista, psicólogo e jornalista, Fariñas foi condenado a várias e sucessivas penas de prisão e, quer no cárcere quer fora dele, realizou, em 53 anos de vida, 24 greves de fome. Recusou sempre ser exilado político.

Foi a 24 de fevereiro de 2010 — após a morte de outro dissidente cubano, Orlando Zapata, também ele em greve de fome — que o protesto de Guillermo Fariñas quase o levou à morte. Nesse dia, começou um longo jejum que só terminaria a 8 de julho. Foram 135 dias sem comer, durante os quais foi internado repetidas vezes, acumulou infeções bacterianas no hospital, teve órgãos em princípio de falência, esteve em estado de coma. A aparência de Guillermo tornou-se quase cadavérica, mas resistiu. E exigiu, até ao fim, sobrevivesse ou não, que Cuba libertasse 26 presos políticos que se encontravam doentes e com falta de cuidados médicos nas prisões do país.

O fim da greve de fome chegou com a intervenção da Igreja Católica cubana e a pressão da comunidade internacional, o que obrigou o regime de Castro, não a libertar 26, mas 52 presos políticos.

A secretária de Estado norte-americana à época, Hillary Clinton, elogiou em 2010 a “perseverança” de Fariñas. Hillary afirmou que a libertação dos presos políticos de Cuba era “algo que já deveria ter ocorrido há mais tempo”, ainda assim, foi “uma decisão muito bem-vinda.”

Marion Wallace-Dunlop

Marion Wallace-Dunlop (LIFE/Getty Images)

Marion Wallace-Dunlop foi uma defensora do direito ao voto das mulheres no Reino Unido do começo do século XX (LIFE/Getty Images)

Escocesa de berço, teve a escultura por ofício e o feminismo por luta. Wallace-Dunlop foi uma das mais ilustres Suffragettes (assim se designavam as mulheres que defendiam o direito de outras mulheres a votar) na Inglaterra do final do século XIX e início do século XX.

E foi pelo direito ao voto, o qual não lhe era reconhecido, que Marion Wallace-Dunlop fez a sua primeira (e brevíssima) greve de fome. Foi a 5 de julho de 1909 e só durou 91 horas. A brevidade do jejum é “responsabilidade” do governo britânico, que resolveu, nessa altura e também por causa de Wallace-Dunlop, aprovar a alimentação forçada nas suas prisões.

Marion Wallace-Dunlop afiliou-se na Women’s Social and Political Union (WSPU), organização feminista e sufragista, em meados de 1908. E foi numa marcha da WSPU que foi detida, pela primeira vez, na manhã de 30 de junho, depois de ter arremessado pedras contra a casa do primeiro-ministro britânico, no N.º 10 de Downing Street.

A segunda detenção — a tal de 1909, que a levou à prisão e à greve de fome — ocorreu depois de Marion Wallace-Dunlop ter afixado, numa das paredes da Câmara dos Comuns, uma passagem da Carta de Direitos, onde se lia: “O súbdito tem o direito de dirigir uma petição ao Rei, mas todos os compromissos e ações decorrentes de tal petição são considerados ilegais”. Wallace-Dunlop não se conformava com o constante ignorar de Eduardo VII (e do parlamento britânico) às petições da WSPU.

Marion Wallace-Dunlop morreu em 1942. Mas votou. E fê-lo em 1918, depois da aprovação no parlamento britânico do Representation of the People Act, o qual estabeleceu, até hoje, o voto feminino no Reino Unido.

Mahatma Gandhi

Indian statesman Mahatma Gandhi (Mohandas Karamchand Gandhi, 1969 - 1948) fasts in protest against British rule after his release from prison in Poona, India. (Photo by Keystone/Getty Images)

Mahatma Gandhi fez inúmeras greves de fome até 1948, quando foi assassinado (Keystone/Getty Images)

Não foi o primeiro, mas é talvez o mais mediático dos grevistas de fome no século XX. E fê-las, greves atrás de greves, pela independência da Índia e pelo fim das lutas sectárias entre hindus e muçulmanos no país.

Em 1924 fez o seu primeiro jejum, precisamente contra o sectarismo — uma greve de fome que se prolongou por três semanas. Os resultados não foram os que Mahatma Gandhi desejaria. O sectarismo por lá permaneceu. E permaneceria anos a fio. Mas foi aí, em 1924, o começo do seu conceito de Satyagraha, ou a “insistência na verdade”, que o tornou reverenciado por milhões de seguidores. Gandhi defendia a desobediência civil sem violência.

No jejum, Gandhi via uma arma política. E foi-o, realmente. Sobretudo na década de 30.

No dia 16 de setembro de 1932, Mahatma Gandhi deu início àquela que foi, provavelmente, a mais frutífera das suas greves. E fê-la numa altura em que se encontrava detido na prisão de Yerovda, perto de Bombaim, precisamente por desobediência civil.

A greve de fome foi, na altura, um protesto contra a decisão do governo britânico de separar o sistema eleitoral da Índia por castas. O seu jejum, prometeu então Gandhi, seria “até à morte”, acrescentando que a greve era “uma dádiva de Deus”, pois Ele via na sua vida “um sacrifício final para os oprimidos.”

Os seus seis dias de greve de fome só terminaram depois de o governo britânico ter aceitado os termos de um acordo entre indianos da casta superior e os denominados “intocáveis”, que reverteria a decisão da separação.

A 12 de janeiro de 1948, Gandhi realizou a derradeira greve de fome. Queria persuadir hindus e muçulmanos a pacificar as suas relações. No dia 30 de janeiro, e menos de duas semanas depois de terminar esse jejum, Gandhi foi assassinado por um extremista hindu.

Yulia Tymoshenko

Newly freed Ukrainian opposition icon and former prime minister Yulia Tymoshenko delivers a speech on Kiev's Independence square on February 22, 2014. Ukraine's opposition leader and former premier Yulia Tymoshenko, sentenced to a seven-year jail term in 2011 for abuse of power, was released on February 22. Tymoshenko received a rapturous welcome on Independence Square. "You are heroes, you are the best of Ukraine," she told the 50,000-strong crowd before breaking down in tears. The latest developments in the ex-Soviet nation's three-month political crisis came after protesters took control of Kiev's charred city centre and seized Yanukovych's lavish residence on a day of dramatic twists and turns. AFP PHOTO / GENYA SAVILOV (Photo credit should read GENYA SAVILOV/AFP/Getty Images)

A ex primeira-ministra ucraniana foi condenada a sete anos de prisão em 2011 (GENYA SAVILOV/AFP/Getty Images)

A ex-primeira-ministra ucraniana (esteve no cargo de 24 de janeiro a 8 de setembro de 2005 e, posteriormente, de 18 de dezembro de 2007 a 3 de março de 2010) concorreu às eleições presidenciais em 2010. Perdeu. E acabou por ser deposta do governo pelo vencedor, Viktor Yanukovych.

No dia 11 de outubro de 2011 foi condenada a sete anos de prisão por crime de abuso de poder. O tribunal condenou-a ainda a ressarcir o Estado em 169 milhões de euros. E tudo por causa de um contrato de gás natural que terá lesado o país nesse valor – o contrato foi negociado com o então homólogo russo, Vladimir Putin.

A primeira de três greves de fome de Yulia Tymoshenko aconteceu precisamente quando estava a cumprir pena. Tymoshenko foi acusada, a posteriori, de apropriação ilícita de fundos públicos provenientes da União dos Sistemas Energéticos da Ucrânia. A ex-primeira-ministra recusou-se a ir a tribunal, alegando que se encontrava doente. Pouco depois, seria transferida, contra a sua vontade, da prisão em Kachanivska para um hospital da cidade, onde foi operada a uma hérnia discal. Tymoshenko queixou-se de maus-tratos no hospital.

A greve começou nesse dia, a 19 de abril de 2012, e só terminaria a 9 de maio.

Entre 29 de outubro e 16 de novembro de 2012, Yulia Tymoshenko entrou em greve de fome como protesto contra os resultados eleitorais das legislativas ucranianas de outubro, que diz terem sido adulterados.

E entre 25 de novembro e 6 de dezembro de 2013, Tymoshenko fez nova greve de fome, agora contra a relutância do presidente Yanukovych (muito por causa da pressão que chegava do Kremlin) em assinar o Acordo de Livre Comércio (DCFTA) com a União Europeia. Isto durante os protestos na praça Euromaidan.

E foi com o fim dos protestos, em fevereiro de 2014, que Yulia Tymoshenko acabou por ser libertada. Como uma heroína. 

Militão Ribeiro

Militão Ribeiro

Militão Ribeiro morreu na Cadeira Penitenciária de Lisboa durante o Estado Novo   (Partido Comunista Português)

“Tenho sofrido o que um ser humano pode sofrer. Dores, insónias, fome, agonias, tudo tenho sofrido nestes sete meses.”

Em março de 1949, Militão Ribeiro, membro do Comité Central e do Secretariado do Partido Comunista Português, foi detido pela PIDE numa casa clandestina, no Luso. Com ele viviam Álvaro Cunhal e Sofia Ferreira. Daí, seguiriam, os três, para a Cadeia Penitenciária de Lisboa.

Militão Ribeiro sofria de uma grave doença no fígado, contraída no Campo do Tarrafal, onde estivera detido mais de seis anos. Ele que passou ainda pelas cadeias de Aljube, Peniche e Angra do Heroísmo. Viveu 10 anos encarcerado durante o Estado Novo.

Militão Ribeiro, nado e criado em Murça, emigrou para o Brasil aos 13 anos. Aos 15, fez-se militante do Partido Comunista Brasileiro. Acabou repatriado para Portugal, precisamente pela sua filiação partidária, e por cá se destacou na clandestinidade, também no Partido Comunista.

Numa última carta escrita ao PCP, com tinta feita do seu sangue e em papel higiénico (aos presos políticos como Militão Ribeiro foi-lhes retirado tudo, até a correspondência, e só assim lhe foi possível chegar ao exterior), o dirigente comunista falava dos dias de tortura, de privação e do agravamento da sua doença por ausência de cuidados médicos. Perdeu muitos quilos. Estava cadavérico. Esgotado.

Dois meses depois, morreria. Recusou-se a comer até ao fim, a 2 de janeiro de 1950. Tinha 53 anos.