De repente, Portugal pôs-se a falar de Domingos António de Sequeira, um pintor do século XVIII. Motivo: uma campanha de angariação de fundos lançada esta semana pelo Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) para conseguir pagar 600 mil euros a um colecionador privado que quer vender a pintura “A Adoração dos Magos”.
Dizem os historiadores que Domingos Sequeira (1768-1837) construiu uma obra de síntese entre os períodos clássico e romântico. Era um pintor de processo académico. Nascido em Lisboa, cursou Desenho e Figura na Aula Régia e em Itália, a partir de 1788, estudou na Academia Portuguesa em Roma e, mais tarde, na Academia di San Luca.
Em “A Adoração dos Magos”, o pintor retoma uma tema bíblico a que muitos outros artistas já tinham dado atenção. Fá-lo no contexto do regresso a Roma, em 1826, e da necessidade de exibir qualidades perante os pares. É também a época em que se repensa o neoclassicismo e Domingos Sequeira quer ter uma voz nesse debate.
Explicam os especialistas daquele museu lisboeta que, antes de fixar a tela, o artista fez vários rascunhos – estudos a carvão e giz sobre papel. Ao contrário do que era de norma, primeiro desenhou a cena geral e só depois estudou em pormenor cada personagem. Veja nesta fotogaleria alguns desses rascunhos.
O MNAA tem no acervo 45 pinturas e 760 desenhos de Domingos Sequeira. Pretende agora, se os donativos forem suficientes, juntar-lhe “A Adoração do Magos”, peça principal de uma série de quatro telas sobre Cristo. Eis os 7 pontos que tem de saber sobre a obra.
1. A luz volta a ser tema
O clarão que domina a cena é da estrela de Belém, por certo. Tem, aqui, uma extrema importância. “Os pintores neoclássicos já não exploravam o tema da luz”, explica Alexandra Markl, conservadora do MNAA e autora de uma tese de doutoramento sobre a obra de Domingos Sequeira. Mas Domingos Sequeira volta a ela. Porquê? Queria mostrar-se um pintor completo, no pleno domínio de todas as técnicas.
2. O chapéu-de-sol e outros exotismos
O pintor “quis marcadamente criar uma nota de exotismo” na pintura, diz a conservadora do MNAA. O chapéu-de-sol oriental é um dos adereços que transmitem essa ideia (à direita vemos outro). As vestes, as cores quentes e a etnia das personagens também concorrem para o discreto jogo de luxo exótico.
3. Muito público numa grande produção
Vários pintores retrataram a adoração como cena austera; casos de Botticelli e Da Vinci ou, em Portugal, Gregório Lopes. Domingos Sequeira quebra a tradição. Os reis são acompanhados por um séquito. São centenas as figuras na pintura, umas mais iluminadas, em primeiro plano, outras esbatidas. A cena é “como uma grande produção de cinema”, analisa Alexandra Markl. O autor quis “marcar posição e mostrar os seus créditos como pintor”, acrescenta. “Ele regressa a Roma em 1826, trinta anos depois de lá ter estudado, mas já não era conhecido pelos pares, por isso optou por esta pintura de aparato, quis investir na apresentação dos seus créditos.”
4. Os reis a seus pés
A cena mostra uma absoluta reverência perante Cristo. Se olharmos com atenção, sentimos o silêncio. Nasceu Jesus, os reis prostram-se a seus pés, todos estão assombrados. Parece, até, que sussurram, apenas. Neste sentido, o título do quadro só pecará por modesto na descrição da veneração.
5. Jesus liga dois planos
Note-se a cara do menino. A Virgem olha para dentro. São José está e não está a observar alguma coisa. Quase todas as personagens olham para Jesus, mas Jesus não olha para ninguém: olha para cima, como um bebé no seu próprio mundo ou como o messias que não se interessa pelos valores materiais. O olhar dele liga dois planos: o espiritual e o terreno. Para Alexandra Markl, devemos olhar a pintura como se fosse a cena de um filme, pois todas as personagens têm um papel e estão a representá-lo.
6. As ruínas como tradição
Se muitos elementos na tela são novos (a luz ou a quantidade de personagens), já a existência de ruínas, ainda que esbatidas, segue uma tradição. As ruínas aparecem em diversas representações da adoração dos Magos: para lá de elementos históricos factuais, parecem representar o ruir do paganismo. De assinalar, ainda, que não há paisagem em fundo. Porque a cena é noturna, porque a luz ofusca o entorno, porque nada deve distrair o observador da narrativa.
7. Profusão de elementos
De repente, um cão, no canto inferior esquerdo. Apenas um exemplo da variedade de elementos. “A pintura está construída de maneira a que o olhar ande à procura”, explica Alexandra Markl. “É uma técnica da pintura italiana, que não tem designação concreta: dar muitos pontos de interesse que despertem a atenção.” Era uma regra da boa composição, aprendida por Domingos Sequeira em Roma.
Título: “A Adoração dos Magos”
Autor: Domingos António Sequeira (1768 – 1837)
Data: 1828
Técnica: Óleo sobre tela
Dimensões (cm): 100 (altura) x 140 (largura)
Coleção particular: herdeiros do Duque de Palmela, zona de Lisboa