Heterossexuais, homossexuais, bissexuais. Três categorias de identificação e caracterização sexual que conhecemos, ou das quais já ouvimos falar. E desde que Miley Cyrus se definiu como pansexual que acrescentamos uma nova categoria ao espetro do leque cada vez mais vasto de possibilidades de caracterização sexual.
É importante não confundir a orientação sexual, que tem a ver com a atração (ou falta dela) – por alguém do mesmo sexo, de um sexo diferente, pelos dois sexos, ou por ninguém – com a identidade de género, que tem a ver como nós nos sentimos no nosso corpo e com as coisas de que gostamos, explicou Maria Joana Almeida, psicóloga e sexóloga ao Observador.
“A identidade de género começa, tendencialmente, a construir-se durante a infância, e a orientação sexual começa geralmente a definir-se na puberdade. E nenhuma das duas é estanque,” reforçou a terapeuta responsável pela Consulta de Sexologia.
A palavra-chave é fluidez. O aumento das possibilidades de auto-caracterização em termos sexuais manifesta também a vontade de “a deixar em aberto, porque a orientação sexual pode mudar ao longo da vida, pode ser fluida.” Apesar de existirem cada vez mais designações possíveis, em simultâneo, “há cada vez mais pessoas a viver a sua sexualidade sem rótulos,” lembrou Maria Joana Almeida.
O desafio é encontrar termos mais inclusivos embora o enquadramento destes novos termos como orientações sexuais ou comportamentos sexuais também ainda não seja consensual. Ao contrário do comportamento, a orientação sexual não é uma opção nem uma escolha. A menor rigidez entre categorias e designações permite múltiplas sobreposições. Isto é, alguém que se define como heterossexual pode também considerar-se demissexual ou sapiossexual. Mas que “novas” categorias são estas?
Alguém que se define como pansexual não limita a sua preferência a um sexo biológico, género ou identidade sexual específica. Podem apaixonar-se e sentir atração sexual por homens, mulheres ou pessoas intersexo (que têm características sexuais dos dois sexos). É o termo mais abrangente deste grupo. O termo omnissexual é usado com o mesmo sentido.
É a orientação sexual daqueles que sentem atração por várias pessoas de mais do que um sexo biológico ou identidade de género. Mas isso não significa que se sintam atraídos por todos os sexos e géneros. Qual a diferença entre pansexual e polissexual? O prefixo “pan” significa todos e o prefixo “poli” significa muitos, explica o movimento STOP-Homophobia.
É o tipo de orientação sexual de alguém que não sente atração por terceiros, independentemente do seu sexo ou género. Apenas sente atração por si próprio. Segundo o site Kinkly, esta orientação sexual não implica uma vida sexual solitária já que existem vários grupos virtuais de pessoas (sobretudo constituídos por homens) que se masturbam em simultâneo.
Refere-se à atração sexual por indivíduos que não se identificam binariamente (como homens ou mulheres), ou seja, como cisgénero. O termo cisgénero refere-se a pessoas que se identificam com o seu sexo biológico. Por exemplo, um bebé definido como rapaz à nascença e que depois cresce e identifica-se como homem, explica a Rede Ex-Aequo. A expressão cisgénero é usada em contraponto a transgénero – uma pessoa que nasceu com um sexo biológico, mas que se identifica com uma identidade de género diferente.
Uma pessoa que se define como assexual não sente atração sexual. O que não significa que a pessoa não esteja interessada em estabelecer vínculos afetivos e emocionais com outras pessoas, apenas não sente necessidade de ter relações de índole sexual com elas. A comunidade virtual Asexual Visibility and Education Network (AVEN),que reúne pessoas que se definem como assexuais, conta com mais de 60 mil membros que partilham experiências e testemunhos sobre assexualidade.
Gray significa, em inglês, cinzento, e remete para a expressão “zona cinzenta” entre assexualidade e sexualidade e para a fluidez entre as duas posições. Uma pessoa que se define como graysexual sente atração sexual de forma esporádica.
É uma orientação sexual em que alguém sente atração apenas por pessoas com as quais têm um vínculo emocional. No entanto, a natureza do vínculo pode ser, ou não, de tipo romântico ou amoroso. Quem se identifica como demissexual não considera que seja apenas um comportamento, pois não consegue sentir atração sexual sem vinculação. Ou seja, um comportamento é uma escolha, uma atração não.
Alguém que se sente atraído sexualmente pela inteligência de uma pessoa, independentemente do sexo biológico ou identidade de género. Esta orientação sexual, tal como a assexualidade ou a demissexualidade, está mais próxima de uma vivência sexual que extravasa a relação puramente física e dá primazia aos aspetos românticos e emocionais do relacionamento com o outro.
Maior diversidade… mais etiquetas
“Caminhamos no sentido de esbater fronteiras e criar mais diversidade, menos dualidade. A teoria queer põe em causa as identidades sexuais e aponta para a necessidade de abolir conceitos muito delimitados ou predefinidos em relação à sua sexualidade. Cada pessoa define-se como quer,” considera Maria Joana Almeida.
A mediatização da sexualidade também ajuda a criar categorias? A resposta não é literal, porque “a variabilidade é enorme e os rótulos não são suficientes.” Se, por um lado, as terminologias estão sempre a aparecer porque há uma tentativa de catalogar a diferença, “muitas vezes são as próprias pessoas que precisam de uma etiqueta, as pessoas têm a necessidade de se situar algures, precisam de algo que as tranquilize,” disse Marta Crawford, sexóloga, ao Observador.
E, muitas vezes, a procura de outros com quem se identificam acontece no mundo virtual. “A Internet permitiu criar comunidades de pessoas que têm interesses em comuns. Antes era mais complicado essas pessoas encontrarem-se,” recorda Maria Joana Almeida.
“Em prática clínica, quando quem me procura fala de outra pessoa, eu não assumo que é heterossexual nem homossexual, nem qualquer outra coisa. Como terapeuta, estou aberta a qualquer possibilidade, que pode ser muito diferente. Pode aparecer qualquer pessoa, a identificar-se como quiser,” reforça Marta Crawford.
As duas terapeutas reiteram, no entanto, que a maior parte das pessoas que as consultam não se auto-definem com estas categorias, porque muitas “ainda procuram as suas balizas”. E as pessoas que recorrem a estes novos termos “estão bem na sua pele e querem brincar com as categorias,” disse Maria Joana Almeida.
Ilustrações de Milton Cappelletti