A data é incerta. “La Maja Desnuda” terá sido pintada antes de 1800 e tornar-se-ia uma das mais célebres criações de Goya. Ainda hoje atrai milhares de visitantes ao Museu do Prado, em Madrid, onde está exposta e foi exibida pela primeira vez em 1901.

Francisco de Goya, o mais importante pintor espanhol dos séculos XVIII e XIX, fez este nu não religioso provavelmente a pedido de Manuel Godoy, primeiro-ministro do rei espanhol Carlos IV. O político queria ter mais um retrato ao lado das Vénus de Velázquez e de Tiziano, que já lhe pertenciam, como recordou no El País a conservadora-chefe do Museu do Prado, Manuela Mena.

Acredita-se que o quadro começou por se chamar “Gitana”, pois assim apareceu descrito no inventário do palácio de Godoy. Cerca de 15 anos depois de terminada, a Inquisição mandou chamar Goya e perguntou quem eram o mecenas e a modelo daquela pintura considerada obscena. Não se sabe qual a resposta, mas sabe-se que, provavelmente devido a amigos bem colocados, Goya não sofreu consequências. Mas também não voltaria a pintar nus, segundo Manuela Mena.

Entretanto, em 1808, terminou “La Maja Vestida”, sucedânea da “desnuda” e também hoje no acervo do Prado. Sobre esta outra, que suscitou curiosidade mas quase nenhum escândalo, mesmo perante a Inquisição, sabe-se bastante menos.

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1. Quem é ela?

“Poucas representações de uma mulher nua, na história da pintura, suscitaram tantas interpretações novelescas e fantasiosas”, escreveu a historiadora e conservadora do Museu do Louvre Jeannine Baticle. A partir de 1843, pelo relato do escritor francês Louis Viardot, acreditou-se que a modelo teria sido a duquesa de Alba, María del Pilar Teresa Cayetana de Silva Álvarez de Toledo y Silva-Bazán – que, de facto, serviu de musa a Goya. É uma hipótese remota. Em 1945 foram feitas radiografias à pintura, para se desfazer o mito de que por baixo da tinta estaria mesmo o rosto da duquesa de Alba, depois retocado. A “maja” será, talvez, a andaluza Pepita Tudó, amante do primeiro-ministro Godoy. É a tese do crítico Robert Hughes, no livro Goya (2003), apresentada pela primeira vez em 1870 por Pedro de Madrazo, filho de um diretor do Museu do Prado. O facto é que na meia-idade, e depois da morte da primeira mulher, Godoy acabou por se casar com Pepita Tudó.

2. Braços atrás da cabeça

Para além da expressão do rosto, que parece sorrir ao mesmo tempo que demonstra reserva, surpreende a posição dos braços. Outras Vénus, de outros pintores, procuravam esconder a zona genital, por vezes com uma das mãos – basta pensar em “O Nascimento de Vénus” (1485), de Botticelli. Goya coloca a modelo reclinada, com os braços atrás da cabeça, no que pode ter-se inspirado em esculturas de Ariadne. O escritor americano John Updike dizia num artigo publicado pela New Yorker: “Há um toque nervoso de vulnerabilidade” nesta pose frontal. Esta Vénus não está imperturbável. Uma mulher nua, assim, não é uma divindade, escreveu Updike. “Abre-se à ofensa.”

3. A primeira púbis

“São certamente os primeiros anéis de pêlo púbico feminino da arte Ocidental”, escreveu Robert Hughes. Isto bastaria para assinalar o pioneirismo da tela. Claro que a representação vaginal mais conhecida na Europa será “A Origem do Mundo”, de Coubert, mas esta só apareceria em 1866, ou seja, cerca de 66 anos depois da “maja” de Goya.

4. A cor do tecido e do sofá

Jeannine Baticle não hesita em escrever que o quadro “não é muito sensual”, devido, talvez, à falta de hábito de Goya nos nus. Em contrapartida, afirma, a composição é esplêndida. “O branco do drapeado e das almofadas anuncia os impressionistas”, que aparecerão na segunda metade do século XIX. A historiadora nota, ainda, que o verde do sofá foi escolhido precisamente para fazer contrastar o corpo da “maja”, que, sendo claro, está já sobre o branco dos tecidos.

Título: “La Maja Desnuda”
Autor: Francisco José de Goya y Lucientes (1746-1828)
Data: anterior a 1800
Técnica: Óleo sobre tela
Dimensões (cm): 92×191
Coleção: Museu do Prado, Madrid