O Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) detetou indícios de que José Sócrates tentou utilizar Lula da Silva, ex-presidente do Brasil, para interceder junto do Governo de Dilma Roussef e de entidades públicas brasileiras em defesa do grupo Octapharma. Os investigadores da Operação Marquês, ao que o Observador apurou, consideram mesmo que se trata de uma alegada tentativa de influência internacional em proveito dos interesses comerciais das empresas representadas por Paulo Lalanda Castro – líder da Octapharma Portugal e administrador da holding suíça.

O que são hemoderivados?

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São medicamentos derivados do sangue, mais concretamente do plasma contido no sangue, que são usados no tratamento de doenças raras e graves, como por exemplo a hemofilia ou imunodeficiência primária.

 

No centro do caso está o negócio de plasma sanguíneo e a produção e distribuição de hemoderivados, sendo que Sócrates participou neste caso como consultor da Octapharma para a América Latina – cargo que que teve entre 2013 e 2014, tendo a farmacêutica rescindido o contrato logo após o anúncio da prisão preventiva a 21 de novembro por alegada imposição da lei suíça.

Paulo Lalanda Castro tinha interesse em ter uma relação comercial com a Hemobrás como fornecedor de plasma sanguíneo ou em participar no acordo de cooperação que aquela empresa pública tinha assinado com o Butantan.

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Hemobrás/Butatan

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A Hembobrás é uma empresa pública federal brasileira, criada em 2005, que tem como missão a pesquisa e produção de hemoderivados. Enquanto que o Butatan é um centro de pesquisa biomédica tutelada pelo Governo do Estado de São Paulo. As duas instituições assinaram um acordo de cooperação em Dezembro de 2011.

 

Lalanda Castro arguido por suspeitas corrupção activa

Lalanda Castro é igualmente suspeito da Operação Marquês, tendo sido interrogado a 12 de fevereiro deste ano e formalmente constituído arguido pelos crimes de corrupção ativa no comércio internacional, branqueamento de capitais, fraude fiscal e falsificação de documento.

No que diz respeito ao crime de corrupção estão em causa alegados pagamentos que terão sido feitos a responsáveis políticos da Líbia a troco da adjudicação de serviços a empresas geridas por Lalanda Castro através de um programa de cuidado médicos que também está sob suspeita no caso dos Vistos Gold.

Os contactos com Lula da Silva

As suspeitas relacionadas com a relação entre Sócrates e Lula da Silva surgiram pouco tempo depois do inicio da investigação. Em causa estão contactos próximos entre o ex-primeiro-ministro e Guilherme Dray, seu ex-chefe de gabinete no segundo governo Sócrates, que ocorreram entre setembro de 2013 até às vésperas de o ex-líder do PS ser preso preventivamente. É com base nesses contactos que os investigadores consideram que é claro o interesse de José Sócrates em influenciar o governo brasileiro na linha dos interesses comerciais da Octapharma.

Sócrates e os ex-assessores

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O ex-primeiro-ministro tinha o hábito de usar ex-assessores dos tempos de São Bento para marcar encontros com titulares de cargos políticos de países estrangeiros. Dray, que na altura das escutas era administrador da Ongoing e colaborador das empresas Carlos Santos Silva, era usado essencialmente no Brasil – país que visitava regularmente e onde tinha bons contactos com o círculo de Lula da Silva desde o tempo em que foi chefe de gabinete de Sócrates.

José Sócrates foi sempre o ponta-de-lança da Octapharma em reuniões com altas individualidades brasileiras, segundo os investigadores. Ao que o Observador apurou, a investigação conseguiu reconstituir os contactos que se verificaram com Lula da Silva mas também com o José Ramos Temporão, ex-ministro da Saúde, e Jorge Kalil (presidente do Butatan). Foi durante o mandato de Temporão, mais concretamente em dezembro de 2011, que a Hemobrás e o Butatan começaram as negociações para um acordo de cooperação para a produção de hemoderivados.

O encontro com Lula da Silva, que aconteceu no início de outubro de 2014 em São Paulo, acabou por ser o auge desses encontros. Paulo Lalanda Castro e José Sócrates pretendiam que o ex-presidente brasileiro influenciasse o ministro da Saúde do Governo de Dilma Roussef (Arthur Chioro à data) e Rómulo Maciel Filho, então presidente da Hemobrás, de acordo com os interesses comerciais da Octapharma.

Entre setembro de 2013 e até ser detido, José Sócrates tentou recorrer de forma regular a Lula da Silva para o ajudar na consultadoria que prestava à Octapharma.

Antes, a 29 de setembro de 2014, Sócrates tinha estado com José Ramos Temporão, ex-ministro da Saúde do Governo Federal entre 2007 e 2011, no Rio de Janeiro, com quem falou sobre o mesmo negócio Hemobrás/Butatan.

Os contactos de José Sócrates com as autoridades brasileiras sobre o interesse da Octapharma em colaborar com a Hemobrás já tinham, contudo, começado antes do inicio da Operação Marquês.

Tal como o jornal i noticiou na altura, José Sócrates teve um encontro a 5 de de fevereiro em Brasília com o então ministro da Saúde, Alexandre Padilha – reunião essa que foi devidamente publicitada no site daquele Ministério brasileiro. De acordo com a descrição daquele jornal, nessa reunião participaram Carlos Gadelha, secretário de Estado de Ciência e Tecnologia do Governo Federal, Luiz de Melo Amorim, diretor de produtos estratégicos da Hemobrás, e Paulo Lalanda de Castro. Na sala estava também Guilherme Dray, então administrador da Ongoing, que acompanhou José Sócrates nessa reunião.