Os investigadores William Campbell, norte-americano, e Satoshi Omura, japonês, recebem na quinta-feira a distinção pelas descobertas relacionadas com uma nova terapia para combater infeções provocadas por parasitas, com o medicamento Ivermectina a baixar significativamente duas doenças parasitárias.

A substância ativa do medicamento é feita por uma empresa portuguesa, a Hovione, na sua fábrica em Macau, sendo posteriormente transformada em comprimidos pela multinacional farmacêutica Merck Sharp & Dohme (MSD).

“É um grande orgulho fabricarmos o produto que deu aos seus inventores o prémio Nobel”, disse à Lusa o presidente da empresa Hovione Farmaciencia, Peter Villax, explicando que da sua fábrica sai todos os anos entre uma a duas toneladas de Ivermectina, que vão dar para 300 a 600 milhões de comprimidos. O produto é fabricado de forma ininterrupta pela empresa nacional desde 1997.

A empresa fabrica o princípio ativo para uma multinacional farmacêutica (Merck Sharp & Dohme), que depois o transforma em comprimidos e os distribui gratuitamente para o mundo, especialmente para a África subsaariana (também há casos na América do Sul). É nessas duas regiões, mas especialmente em África, que existem milhões de pessoas que sofrem da chamada “cegueira dos rios” ou de “filaríase linfática”, também conhecida por “elefantíase”.

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José Gil Forte, médico oftalmologista que durante vários anos esteve na Guiné-Bissau a trabalhar com doentes infetados e a ministrar Ivermectina, diz que no país mais de metade da população está em risco de contrair “cegueira dos rios”, que é transmitida pela picada de um pequena mosca e que se não for tratada provoca, entre outros males, a cegueira.

“Na Guiné-Bissau é a principal causa de cegueira e em África a segunda. No norte de Moçambique e em Angola também há zonas infetadas”, disse o médico à Lusa, acrescentando que os conflitos nalguns países tornam difícil a distribuição do medicamento, que impedia muitas infeções com apenas duas tomas por ano. “É um fármaco importantíssimo”, disse o especialista, acrescentando que salva da cegueira cerca de 30 milhões de pessoas em cada ano e não tem efeitos secundários.

Sendo o medicamento de distribuição gratuita (está na lista dos medicamentos essenciais da Organização Mundial de Saúde) as duas doenças só não foram ainda erradicadas por dificuldades de o fazer chegar a populações afetadas, diz Peter Villax, acrescentando que ainda assim há países que estão em vias de erradicar as duas doenças, como a Colômbia, o Togo, o Equador e o Iémen.

O medicamento que deu o Nobel a dois investigadores, diz ainda Peter Villax, é tomado de forma preventiva mas também cura as pessoas afetadas pela cegueira, embora não recupere as que já estão cegas. E, garante o responsável, é possível acabar com a doença, bastando tratar todos os que são portadores “Já devia ter sido eliminada”, contrapõe José Gil Forte.

A substância que permitiu o medicamento foi identificada por Omura em 1978 mas foi o norte-americano quem a purificou. A partir de 1987 a MSD passou a distribuir o medicamento gratuitamente e dez anos depois a portuguesa Hovione começou a produzir a substância, o que faz até hoje, praticamente a totalidade nas contas de Peter Villax.

A empresa especializou-se na investigação na área da saúde e detém hoje mais de 400 patentes e tem fábricas, além de Portugal, na Irlanda, nos Estados Unidos e na China. Foi criada em 1959 por Ivan Villax, de nacionalidade húngara. Com mais de 1.300 trabalhadores, está envolvida em meia centena de projetos de novos medicamentos e são dela, diz Peter Villax, 10 por cento dos medicamentos aprovados todos os anos pelas autoridades norte-americanas.

A cegueira do rio afeta cerca de 20 milhões de pessoas (em risco são 70 milhões) em África e a elefantíase mais 100 milhões.