Ninguém mostrou ter dúvidas de que a avaliação externa é importante para avaliar o conhecimento dos alunos, a certa altura do percurso formativo. Mas os vários especialistas em educação que estiveram esta sexta-feira numa conferência promovida pelo Instituto de Avaliação Educativa (IAVE) sublinharam que a avaliação, seja ela de cariz sumativo ou formativo, exames nacionais ou provas de aferição, só cumpre a sua finalidade se devolver à escola e aos alunos os resultados e permitir melhorias das aprendizagens.

“Estar repetidamente a fazer provas sem dar feedback aos alunos e sem que estes percebam quando estão a errar e em que é que falharam não adianta rigorosamente nada. E isso aconteceu tanto com as provas finais como com as provas de aferição que já existiram”, admitiu Helder de Sousa, presidente do conselho diretivo do instituto responsável pela realização dos exames em Portugal.

O responsável acredita que a “principal vantagem desta mudança” – para as provas de aferição nos 2.º, 5.º e 8.º anos – “é que abre portas para uma divulgação de informação de muito maior qualidade”, disse ao Observador, à margem da conferência “Avaliar para aprender: contributos para uma cultura de avaliação”.

Até aqui, admitiu Helder de Sousa, as “provas de exames estavam a ser usadas em Portugal numa perspetiva de avaliar escolas, atribuir créditos às escolas, alimentar esta máquina dos rankings, cuja utitilidade é, no meu ponto de vista, bastante residual”.”Tivemos no passado situações em que era claramente notório no quadro de provas de aferição haver uma preocupação enorme em treinar”, avançou, reforçando que já no passado, quando houve provas de aferição, “se treinava”. Mas “o problema não é o treino. É quanto tempo dura esse treina, em que moldes é feitos e se antes desse treino eu percebi exatamente qual o objetivo do mesmo.”

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Também Jorge Ascenção, da Confederação Nacional das Associações de Pais, afirmou que o problema da avaliação externa é que “não a vemos como um instrumento de melhoria que nos ajuda a perceber as fragilidades”.

Aliás, sobre isto já tinha falado antes Gordon Stobart, professores no Institute of Education, da University College London. Sublinhou o especialista que “os professores têm de explicar o porquê de estarem a pedir este ou aquele exercício” pois se os alunos “souberem o que os exames pretendem, ou qual é o objetivo das aprendizagens, aprendem melhor”.

O professor da University College London também destacou a importância de haver um rápido feedback sobre o progresso dos alunos.

E exames são bons ou maus para as crianças?

Já se a avaliação externa deve revestir a forma de uma prova final a contar para a nota ou uma prova de aferição, com caráter formativo, as opiniões dividiram-se. O ex-ministro da Educação, David Justino, considera que para haver o tal feedback é preciso codificá-lo, com notas, com letras, com bonecos, o que quer que seja.

Por seu turno, o professor Domingos Fernandes, do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, que também defende a importância da avaliação externa, entende, contudo, que “a nível do ensino básico as provas aferidas são uma perspetiva muito mais adequada e consistente com o que é o pensamento internacional do que haver exames logo a partir do 4.º ano”.

Também Ana Vasconcelos, pedopsiquiatra, confessou que lhe “agradou muito” que este Governo tivesse voltado às provas de aferição ao invés das provas finais no 4.º e 6.º anos, pois é mais fácil nesse caso “usar palavras amigas da prova de aferição”. “As provas de aferição servem para ponderar, para ver o que é preciso melhorar”. E o stress, que está muitas vezes associado à realização de exames, “prejudica as aprendizagens”.

Por outro lado, o psicólogo Eduardo Sá, defende que “os exames não magoam as crianças”, acrescentando que “o que magoa é o mau uso e a forma dúbia com que muitas vezes pais e escolas acabam por usá-los”.

“Quanto mais tarde tiverem provas, mais tarde reúnem recursos para lidar com elas. As crianças precisam de experimentar alguma dor para aprender a lidar com ela e ter insucessos para crescer com eles”, defendeu Eduardo Sá, que não vê mal nenhum em que a ponderação de um exame vá aumentando de ano para ano.

Crianças têm o direito de errar. Devem errar.

Uma outra ideia que esteve presente nesta conferência está relacionada com o direito e a necessidade que as crianças têm de errar. Direito, esse, que lhes tem sido retirado.

“É verdade que ultimamente entrámos numa euforia da cultura da nota, na preocupação com a nota e esta absoluta preocupação dos pais com o sucesso dos filhos e de eles não poderem ter a menor falha. É fundamental as crianças errarem, darem respostas tolas. O essencial é perceber que raciocínio está por trás dessas respostas”, defendeu Helder de Sousa.

Mais tarde, também o psicólogo Eduardo Sá afirmou que “somos todos muito batoteiros nas avaliações que lhes fazemos porque não lhes damos o direito de errar como precisam para aprender”.

“Esperamos avaliá-los e desejamos que não errem. E é estranho que não se acarinhe o erro. Crianças que não podem livremente errar e que esperam que as escolas lhes tirem mais dúvidas do que as perguntas que lhes colocam ganham uma imunodeficiencia adquirida ao erro.”

É preciso também mudar currículo e olhar para a avaliação interna

Os especialistas presentes na conferência frisaram por fim que não se pode apenas mexer na avaliação externa, sem olhar também para o currículo e a avaliação interna das escolas.

“Não podemos mexer na educação, mexendo apenas na avaliação, ou só na profissão docente ou só no currículo”, defendeu Jorge Ascenção. Já antes, o ex-ministro David Justino destacou que não viu “ninguém a fazer uma avaliação da avaliação interna”, nem “ninguém discutir o currículo”.

O secretário de Estado da Educação, João Costa, que esteve no Centro Científico e Cultural de Macau, em Lisboa, a encerrar o encontro desta sexta-feira, sublinhou que tem havido um “fraco debate público em torno da cultura da avaliação”, na medida em que “não se tem discutido o essencial”. E para que isso seja feito, atirou, “é preciso dessacralizar a avaliação”.

À margem da conferência, ao Observador, o governante explicou que o foco do Governo “tem de estar nos processos de aprendizagem, de como é que se aprende. Isto implica ver que práticas temos em sala de aula e o que é que tem de ser alterado nas práticas e nas condições que as escolas precisam para poder alterar práticas. Perceber que currículo é que temos. Neste momento não temos perfil de saída”. E, para isso, vão lançar discussão pública.