Muito se tem discutido a utilização dos tampões e pensos higiénicos, porque podem ser um meio favorável ao desenvolvimento de bactérias, com potencial aparecimento de infeções ginecológicas ou urinárias. Mas o artigo da revista francesa 60 Millions de Consommateurs traz um novo alerta: alguns destes produtos de higiene íntima feminina podem conter resíduos potencialmente tóxicos.

60 Millions

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A revista francesa 60 Millions de Consommateurs é editada pelo Instituto Nacional do Consumidor (INC) deste dezembro de 1970.

À semelhança da Deco, ainda que de cariz público, faz testes comparativos de produtos, fornece orientações de consumo e serve os direitos dos consumidores.

A equipa da 60 Millions passou meses a tentar que as marcas de tampões e pensos higiénicos revelassem a composição exata dos produtos que comercializavam, mas sem sucesso. Ainda assim, decidiu estudar que moléculas indesejáveis estavam presentes em 11 marcas destes produtos de higiene. Cinco marcas falharam neste teste de segurança: apresentavam poluentes, como dioxinas, resíduos halogenados, pesticidas e glifosato (a substância ativa do herbicida Round up). A investigação permitiu ainda descobrir que um dos produtos, em vez de ser feito à base de algodão, era composto de viscose e celulose.

  • Dioxinas nas marcas OB e Nett;
  • Resíduos halogenados numa referência da marca Tampax;
  • Glifosato em pensos diários Organyc, uma marca que se autointitula “bio”, segundo a revista.

Alguns destes produtos são comercializados em Portugal, mas a Associação de Defesa do Consumidor (Deco) disse ao Observador que até ao momento não tinha recebido qualquer tipo de denúncia ou reclamação sobre estes produtos em específico. E também nunca analisou este tipo de produto.

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Bruno Campos Santos, representante da associação, disse ao Observador que primeiro é preciso perceber se estes resíduos estão sempre presentes em todos os lotes, ainda que em quantidades mínimas, ou se foi uma contaminação esporádica. “[De qualquer forma,] sabendo que os produtos não são benignos, e obedecendo ao princípio da prevenção, os fabricantes deveriam banir este tipo de compostos dos produtos finais.”

É muito importante que as marcas revelem os constituintes dos produtos, reforçou o representante da Deco. “Pede-se que a rotulagem seja tão explícita que aponte todos os compostos presentes.” Bruno Santos admitiu, no entanto, que neste momento vão “aguardar calmamente” que as marcas justifiquem perante o governo francês os resultados desta investigação. “Elas têm de dar explicações. Só depois das respostas podemos fazer alguma coisa.”

A deteção de resíduos tóxicos nestes produtos não surpreendeu Margarida Silva, investigadora na Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto. “Não é uma novidade absoluta, é mais um segredo a ‘céu aberto'”, disse ao Observador. As dioxinas aparecem sempre que se usa produtos com cloro, como a lixívia, em produtos orgânicos, como o algodão. E o glifosato é, segundo a investigadora, o herbicida mais usado em Portugal e na Europa e, provavelmente, no mundo.

Substâncias carcinogénicas

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As dioxinas foram consideradas pela Agência Internacional para a Investigação em Cancro, da Organização Mundial de Saúde, “carcinogénicas para humanos”, inserindo-as na categoria 1.

O glifosato aparece na categoria 2A, da mesma classificação, como substância “provavelmente cancerígena em humanos”.

Margarida Silva questiona-se porque havemos de aumentar a exposição a estas substâncias tóxicas quando essa exposição pode ser evitada. Há situações em que é desnecessário o branqueamento do algodão (o tal que é feito com os produtos com cloro). Tampões, pensos higiénicos e fraldas de bebé são alguns desses exemplos. E também existem outras formas menos tóxicas de branqueamento.

“Não há limites de segurança para substâncias carcinogénicas. Qualquer quantidade de dioxinas é potencialmente perigosa”, diz Margarida Silva. “Com substâncias carcinogénicas não se pode ficar descansado.”

O glifosato, ainda que classificado como “provavelmente cancerígeno para humanos”, é largamente usado e pouco estudado. Este herbicida, utilizado para matar ervas daninhas nas produções agrícolas, também matava as plantas de algodão, mas as plantas transgénicas de algodão, soja ou outras são resistentes ao herbicida. Assim, o glifosato pode ser usado nas quantidades que os produtores desejem, sem prejudicar a colheita.

A investigadora lembra que em relação ao glifosato não são só os tampões, pensos higiénicos ou fraldas que estão em causa. Também todas as roupas feitas de algodão. E ainda os alimentos. Todas as culturas transgénicas têm de ser tratadas com este herbicida, refere Margarida Silva, mas a verdade é que o consumidor “não pode escolher não consumir transgénicos, porque há falhas na rotulagem” dos produtos alimentares.

“Não há forma de eliminar [o glifosato] antes de chegar ao consumidor”, alerta a investigadora. “A única solução é não usar e voltar à agricultura tradicional [sem transgénicos].”

Margarida Silva frisa que se “já conseguimos proibir coisas que faziam mal às pessoas”, como o amianto, também o podíamos fazer com estas substâncias tóxicas. Mas há falta de vontade política ou interesses escondidos. “Só com a indignação social é que se pode mudar alguma coisa.” Bruno Santos, enquanto representante da Deco, lembrou que papel podem ter os cidadãos: podem exigir informação ao fabricante e, se este não a fornecer em tempo útil, podem denunciá-lo à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE).

“Segundo o regulamento europeu sobre Registo, Avaliação, Autorização e Restrição de Substâncias Químicas (REACH) [que entrou em vigor em 2007], o consumidor tem o direito de questionar os fabricantes ou distribuidores sobre a presença de eventuais químicos perigosos nos produtos que comercializam. Aqueles dispõem de 45 dias para responder, listando as substâncias contidas nos artigos, bem como os cuidados na sua utilização, de forma a mitigar os riscos”, pode ler-se num artigo da revista Deco Proteste Saúde sobre químicos nos produtos.