O regulador de energia acaba de aprovar uma diretiva que impõe condições ao funcionamento do mercado grossista de eletricidade que irão permitir numa poupança potencial de custos para os consumidores no valor de 120 milhões de euros até 2020, número divulgado esta terça-feira em comunicado.
Esta estimativa, que equivale a cerca de 24 milhões de euros anuais, representará uma poupança para os consumidores à custa das receitas futuras da EDP, empresa que domina o mercado de sistemas de serviço que é visado nesta decisão da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).
A economia será o resultado de uma imposição à EDP que define qual será o nível adequado (ou proporcional) da participação das centrais elétricas que têm contratos de remuneração garantida e das centrais que estão em regime de mercado no abastecimento de eletricidade.
Outra intervenção feita neste mercado, por iniciativa legislativa do anterior governo, foi a definição de um teto ao preço a cobrar pela EDP pela prestação dos serviços de sistema à REN (Redes Energéticas Nacionais). A definição deste limite surgiu na sequência de um aumento súbito dos custos destes serviços, detetado em 2012, e terá permitido já obter poupanças de 50 milhões de euros, desde a sua aplicação em meados de 2014 e até ao final do ano passado.
Auditoria pode decidir devoluções da EDP
Mas as penalizações à EDP podem não ficar por aqui. Os ganhos obtidos pela elétrica no mercado dos serviços de sistema e na maximização das receitas obtidas pelas suas centrais elétricas, entre 2010 e 2012, foram alvo de uma auditoria independente que poderá determinar a devolução de ganhos, caso se confirme que as centrais receberam sobrecompensações excessivas, face ao que está salvaguardado nos contratos. Esta será, contudo, uma decisão tomada ao nível do executivo.
A auditoria encontra-se na fase de conclusão e irá determinar se houve sobrecompensação à EDP no cálculo das receitas das centrais CMEC durante os anos de 2010 e 2012, embora ainda não se saiba qual a solução legal ou regulatória para impor uma eventual devolução dessas verbas. Outro ponto avaliado é a eficácia das medidas administrativas adotadas pelo anterior governo. O relatório do Brattle Group, consultora internacional, já terá sido entregue à Direção-Geral de Energia e Geologia, mas tem de ser validado pela comissão de auditoria constituída para o efeito.
Também a Autoridade da Concorrência foi notificada da existência de indícios de práticas contrárias à concorrência por parte da EDP, que é a elétrica dominante no mercado de produção e no fornecimento de serviços de sistema. Esta operação permite a quem está a gerir a rede, neste caso a REN (Redes Elétricas Nacionais), fazer o encontro, a cada momento, entre a procura de eletricidade e a oferta necessária para satisfazer essa procura, contratando a energia proposta pelas várias centrais.
Uma barragem, a mesma água, dois regimes
O caso dos serviços de sistema foi desencadeado em 2013, depois de a ERSE ter detetado situações que contrariavam o que seria o funcionamento normal do mercado, em particular no ano de 2012. Nesse ano, registou-se um aumento extraordinário do custo/preço deste serviço, não obstante uma maior concorrência no setor da produção.
O que são serviços de sistema
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A necessidade dos serviços de sistema resulta da natureza específica da eletricidade, uma forma de energia que não é armazenável. Quem gere o sistema precisa de fazer corresponder a oferta na rede com a procura expectável para cada momento. Qualquer desvio, a mais ou menos, pode conduzir a uma rutura no serviço (apagão ou blackout). Os serviços de sistema permitem fazer esse encontro. Cabe à gestora da rede, a REN, contratar a eletricidade dentro das várias ofertas e preços disponibilizados pelas elétricas no mercado grossista.
E foi a entrada no mercado de uma nova central no Rio Douro, da EDP, que fez soar o alarme. A barragem de Picote era, até então, uma central protegida do risco de mercado por um CMEC (contrato de manutenção do equilíbrio contratual), um mecanismo que assegura uma remuneração garantida e que muitos apontam como estando na origem das famosas rendas excessivas da EDP. Esta central foi objeto de um reforço de potência que começou a operar em regime de mercado.
A mesma central, com a mesma água, funcionava em dois regimes diferentes. Mas quando era pedida eletricidade para responder à procura, só respondia a central que estava em regime de mercado, recebendo o pagamento correspondente. A central do CMEC não precisava de produzir porque tinha já a receita (remuneração) assegurada, com ou sem produção. A EDP, que explora as duas centrais, estaria a ganhar dos dois lados.
O custo era pago pela REN, mas passado para as tarifas e para os consumidores. Esta situação repetiu-se em outra barragem da cascata do Douro que foi alvo de reforço de potência, Bemposta, que passou também a operar num duplo regime, de mercado e CMEC.
Depois de sinalizado o problema, e verificado que era uma situação consistente e não pontual, a ERSE avisou o governo, tendo também sido identificada a “possibilidade de estarem a ser incumpridas disposições na lei da concorrência, razão pela qual foi a situação notificada à Autoridade da Concorrência (AdC). Na altura, o regulador de energia não tinha competências sancionatórias.
A AdC produziu, em novembro de 2013, uma recomendação ao governo em que defendia a revisão do regime dos CMEC, por considerar que este regime, reprovado na Comissão Europeia por ser uma ajuda de Estado à EDP, representava riscos de sobrecompensação às centrais da elétrica.
O anterior governo avançou com um despacho que fixou novas regras para o funcionamento do mercado de serviços de sistema, impondo um limite ao preço cobrado por estes serviços, que tem por base o valor praticado em Espanha ou o preço cobrado para uma central de ciclo combinado. Estes limites administrativos aos preços praticados neste mercado terão permitido, nas contas da ERSE, poupar 50 milhões de euros nos custos dos serviços de sistema, desde que as regras administrativas entraram em operação em meados de 2014.
A estas poupanças efetivas poderão agora juntar-se, nas estimativas do regulador, mais 120 milhões de euros até 2020, que resultarão da diretiva que impõe uma distribuição mais proporcional na participação dos dois tipos de central. A ERSE define, também, um conjunto alargado e exaustivo de informação sobre cada central e sua geração, de forma a permitir uma monitorização mais reforçada.