Quando chegamos ao número 133 da rua de Rodrigues Sampaio, entre a Avenida dos Aliados e a Praça D. João I, no Porto, o chefe Cordeiro está na cozinha, a supervisionar os pratos que saem para os clientes ainda sentados nas mesas. Veste uma jaqueta preta, com o nome do seu mais recente restaurante gravado do lado esquerdo, o do coração: Porto Sentido. Depois de três restaurantes em Angola e um em Lisboa, a 12 de março abriu o primeiro espaço na cidade onde habita. Na primeira página de cada menu, uma frase que diz muito. “Bom filho à casa retorna.”

“Aí o bom filho é que… Não me considero muito bom, mas pronto”, diz logo. Bem-disposto, o chefe Cordeiro reconhece ter, entre os cozinheiros em Portugal, “fama de ser muito mau”. Admite que, quando está a trabalhar e a fazer sair pratos não é uma pessoa fácil, mas isso deve-se à exigência que aplica nas coisas em que se envolve. “Fui militar, fui comando, tenho aquelas coisas… Comigo não há baldas porque a cozinha é exigente.”

Nasceu em Luanda, em 1967, filho de pais transmontanos. Mas José Cordeiro enche o peito para dizer: “Eu sou do Porto!” Porque demorou então tanto tempo a abrir na Invicta, onde até tem casa própria? “Porque ainda não tinha aparecido uma boa oportunidade”. Essa chegou agora, graças à parceria que tem com a Ordem dos Engenheiros — o Porto Sentido fica no edifício da Ordem.

Ali funcionava desde os anos 1950 o restaurante Neptuno. Depois das obras, as paredes e tetos da sala principal fazem as delícias de engenheiros e arquitetos, pela originalidade. Ao fundo fica o Clube Lounge, com menos mesas, menos luz e, portanto, mais privacidade. Na sala principal, cada mesa de madeira com sofás vermelhos de diferentes tons é iluminada por uma lâmpada simples. No Clube Lounge há sofás brancos, candeeiros e quatro mesas do lado de fora, num pequeno jardim.

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Sim, um wrap de salmão. O chefe Cordeiro nunca conseguiria antecipar que um prato tão simples fizesse tanto sucesso entre os clientes. (foto: © Divulgação)

Na carta há carpaccio de bacalhau, rancho de vitela, nispo e muito mais. Os sabores nacionais com toque moderno predominam, ou não fosse José Cordeiro um acérrimo defensor do que é português. Mas não é por isso que não mete um pé na cozinha italiana, com massas e risottos, ou até no Oriente, com noodles. “A carta, no fundo, é uma viagem e um desafio aos sentidos, que toda a gente pensa que são cinco. É mentira, são seis”, diz, referindo-se ao sentido genésico, o que o gastrónomo Brillat-Savarin relacionou com a busca pelo prazer, seja na mesa ou na cama.

Partamos então em viagem, que pode começar com uma salada de fígados de ave com uvas, quente e fria ao mesmo tempo, que o chefe criou há duas décadas. Alguns pratos, poucos, transitaram do restaurante de Lisboa para ali, por fazerem sucesso na hora de fazer o pedido. Um é o ossobuco com arroz malandro de salpicão e grelos (19,50€). O bacalhau à Brás (14,50€), o bacalhau assado no forno com broa (16,50€) e o arroz malandro de tamboril com gambas (34,50€ para duas pessoas) também não podiam faltar.

Há um wrap no menu que surpreendeu o seu criador. “Pensei que não ia vender wraps nenhuns e afinal é sempre a abrir. É estranho”, atira. Mas já se habituou a estas surpresas. No restaurante com o seu nome que abriu no Terreiro do Paço, em Lisboa, pensou que os clientes entrariam “à procura de pratos mais sofisticados”, mas no topo das preferências estão, afinal, uns simples filetes de polvo com arroz.

Nas sobremesas — e aqui José Cordeiro aproveita para dizer que Portugal tem doçaria melhor do que Espanha ou França, por exemplo — destaque para a patanisca de maçã com creme de manga, “uma receita minha muito antiga”, e o folhado crocante com mousseline, chocolate quente e frutos do bosque (6,50€).

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Folhado crocante com mousseline e frutos do bosque. (foto: © Divulgação)

Ao almoço há pratos a 7,90€ ou menu completo com prato, bebida e sopa ou sobremesa por 12,50€. De duas em duas semanas, as propostas mudam.

Há ainda uma secção dedicada aos petiscos, de onde salta à vista a tosta mista à nortenha. “Ah, pois é”, exclama, quando perguntamos o que leva. Dá uso à fama de chefe mau e não conta. Quem quiser saber como é feita, tem de ir ao Porto Sentido, pedi-la e prová-la. “É diferente. Come-se com talheres e é muito boa”, garante.

Também garante outra coisa a quem por lá passar. Nada de pratos brancos e vazios com um bocadinho de comida a decorá-los. “Quando vim para cá, a primeira coisa que eu disse foi: ‘tenho de servir em quantidade, as pessoas aqui gostam de comer. Se eu ponho uma ervilhinha no prato, qualquer dia fazem-me engoli-la.'”

Depois da Páscoa, o chefe Cordeiro pisca o olho a uma estrela Michelin com uma marisqueira gourmet

É verdade: José Cordeiro ainda agora se meteu neste projeto e já está prestes a abrir outro, na margem de Gaia. Só por causa de atrasos com as obras é que o Blini já não está a funcionar. Para este novo restaurante, que será o seu sexto (outros virão), o chefe Cordeiro não tem falsas modéstias: sim, o objetivo é ganhar uma estrela Michelin.

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Apesar de ter no Porto a sua residência oficial, só agora é que o chef transmontano decidiu apostar na Invica. (foto: © Divulgação)

Esta marisqueira gourmet vai abrir na rua General Torres, em Gaia, com vista privilegiada sobre o Douro. Quem lá for vai encontrar peixe, marisco e um único prato de carne. “Vai ser muito diferente deste. Para mim, fazer um cozido à portuguesa ou uma feijoada é peanuts.” Ou seja, no Blini vai aproveitar para dar azo à criatividade e pôr na mesa dos clientes algumas das suas experiências mais recentes. Até a carta vai ser diferente. Nada de entradas, entradas, pratos de peixe e carne e sobremesas. “Não tem nada a ver com o que as pessoas estão habituadas. É feita pelo produto”, adianta.

Feitas as contas, no espaço de um mês José Cordeiro abre dois restaurantes na cidade onde mora. E se aparecer mais uma boa oportunidade na sua cidade, há-de agarrá-la sem hesitar, como bom filho que é, feliz por retornar.

Nome: Porto Sentido by Chefe Cordeiro
Morada: Rua de Rodrigues Sampaio, 133 (junto à Avenida dos Aliados)
Telefone: 22 318 9946
Horário (de abertura e encerramento da cozinha) : Segunda-feira das 12h00 às 15h00 (encerra ao jantar), de terça a quinta das 12h00 às 14h30 e das 19h00 às 23h00, sexta e sábado das 12h00 às 15h00 e das 19h00 às 23h30, domingo das 12h00 às 15h00
Reservas: Aceitam
Preço Médio: 25€
Site: www.facebook.com/Porto-Sentido