Uma fuga de informação revelou um esquema de enriquecimento ilícito que envolve chefes de Estado, banqueiros, criminosos e celebridades internacionais através de paraísos fiscais para esconder dinheiro e património. A fuga foi revelada este domingo pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung e partilhada pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (CIJI). Em causa estão 11,5 milhões de documentos e 2,6 terabytes de informação, uma quantidade superior à do caso Wikileaks, em 2010, recorda o jornal britânico The Guardian.

Os documentos, intitulados “Panama Papers” por serem originários do Panamá, revelam um esquema de corrupção envolvendo o presidente da Rússia, Vladmir Putin — cujo nome terá sido utilizado para o enriquecimento de vários amigos –, e outros 11 antigos e atuais líderes de Estado, como o primeiro-ministro da Islândia. A fuga de informação inclui ainda detalhes sobre transações financeiras ocultas que envolvem 128 políticos de todo o mundo e 214 mil empresas de fachada.

O escândalo dá conta da existência de empresas offshore controladas por figuras de renome. De acordo com o site Fusion, a lista de políticos inclui:

  • Ian Cameron, pai de David Cameron, primeiro-ministro do Reino Unido;
  • Mauricio Macri, presidente da Argentina;
  • Ayad Allawia, ex-primeiro-ministro do Iraque:
  • Sigmundur David Gunnlaugsson, primeiro-ministro da Islândia:
  • Rei Salman Bin Abdulaziz Bin Abdulrahman Al Saud, rei da Arábia Saudita;
  • Petro Poroshenko, presidente da Ucrânia;
  • Rami e Hafez Makhlouf, primos de Bashar Hafez al-Assad, presidente da Síria;
  • Kojo Annan, filho do antigo secretário-geral da ONU;
  • Família de Nawaz Sharif, primeiro-ministro do Paquistão;
  • Sergey Roldugin e Arkady e Boris Rotenberg, amigos de Vladmir Putin, presidente da Rússia.

Segundo relata o Expresso, entre os ficheiros estão também 33 pessoas e empresas que constam de uma lista negra elaborada pelos Estados Unidos da América, nomes envolvidos em negócios com os patrões de droga mexicanos, organizações terroristas ou países como a Coreia do Norte e o Irão.

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A investigação foi realizada ao longo de um ano pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (CIJI) e envolveu a participação de 107 organizações dos media em 78 países que têm estado, desde então, a analisar os documentos. Os ficheiros divulgados este domingo, e que estão a agitar a imprensa internacional, dizem respeito a um período de quase 40 anos, de 1977 a 2015, e pertenciam à empresa Mossack Fonseca & Co. A sua divulgação permite um olhar inédito sobre os regimes offshore e mostram a evolução da lavagem de dinheiro ao longo dos anos.

https://twitter.com/wikileaks/status/716684918600937472

O que é a Mossack Fonseca?

A Mossack Fonseca, sediada no Panamá, é a quarta maior empresa de advocacia do mundo especializada em paraísos fiscais. Administra empresas offshore e faz gestão de fortunas — entre os seus serviços está a incorporação de empresas em jurisdições de paraísos fiscais. A sua operação é mundial e envolve uma atuação junto de mais de 300 mil empresas — mais de metade destas estão registadas em paraísos fiscais com administração britânica, incluindo no Reino Unido. Escreve ainda a BBC que a empresa em questão opera há 40 anos sem nunca ter sido acusada de qualquer crime.

A informação divulgada este domingo, dia 3 de abril, mostra como os ricos e poderosos exploram regimes fiscais secretos. O trilho de corrupção começa no Panamá e atravessa a Rússia, Suíça e Chipre.

Recorrer a offshores é perfeitamente legal, lembra o The Guardian, que admite que há razões legítimas para o fazer. Pessoas de negócios em países como a Rússia ou a Ucrânia por norma colocam os seus bens em offshores para protegê-los de mãos criminosas, mas a ideia também é proteger fortunas pessoais.

O envolvimento de Vladmir Putin

1,5 mil milhões de euros. Este será o valor de que terão beneficiado os amigos de Vladmir Putin a partir do esquema de corrupção revelado pelos “Panama Papers”. Apesar de o nome do presidente russo não aparecer nos registos divulgados, os dados revelam o enriquecimento ilícito de várias pessoas próximas de Putin.

É o caso de Sergei Roldugin, responsável por apresentar ao presidente russo a sua mulher, Lyudmila, além de ser o padrinho da sua filha mais velha, Maria.

Segundo descreve o jornal The Guardian, Roldugin é um músico profissional e controla ações de empresas no valor de 87,7 milhões de euros. Os documentos libertados este domingo revelam que uma empresa do russo terá comprado os direitos de um empréstimo de 175,5 milhões de euros por 87 cêntimos.

Roldugin terá ainda uma participação de 12,5% na maior agência de propaganda televisiva da Rússia, Video International, 15% de uma empresa do Chipre chamada Raytar e uma participação minoritária na fabricante de camiões russa Kamaz. Roldugin também será dono de 3,2% do Banco Rossiya.

O banco, por sua vez, também é citado pelos “Panama Papers”. A instituição é liderada por Yuri Kovalchuk, que terá feito uma transferência no valor de 877,6 mil milhões de euros a uma offshore chamada Sandalwood Continental. O dinheiro terá vindo de uma série de empréstimos não garantidos (quando não há garantias para o reembolso) do Russian Commercial Bank, localizado no Chipre, para outros bancos. Parte deste dinheiro foi utilizada para conceder empréstimos com taxas de juro elevadas na Rússia, cujo lucro excedente terá sido desviado para contas secretas na Suíça.

Funcionários da Bank Rossiya terão enviado informações sobre as contas secretas para uma empresa de advocacia na Suíça, que terá pedido à Mossack Fonseca para criar empresas de fachada, registadas nas Ilhas Virgens britânicas, para receber as transações.

Quando a Sandalwood Continental foi fechada, as suas ações foram transferidas para a empresa Ove Financial Corp, ligada a Mikhail Lesin, consultor de Putin e ex-ministro da Comunicação.

FIFA também está envolvida

Ainda há seis semanas Gianni Infantino tomou posse como presidente da FIFA e prometeu limpá-la da crise que enfrenta. Agora, A FIFA vê-se novamente envolvida num escândalo, desta vez relacionado com os “panama papers”.

Um membro do comité de ética daquela entidade, o advogado uruguaio Juan Pedro Damiani, está a ser internamente investigado depois de documentos associados à fuga de informação deste domingo sugerirem ligações a Eugenio Figueredo, antigo vice-presidente da FIFA detido em maio no quadro de uma investigação ao futebol mundial, acusado de ter aceitado subornos pela cedência dos direitos televisivos e de marketing a uma sociedade norte-americana.

A fuga de informação sugere que Damiani e a sua firma providenciaram assistência legal a pelo menos sete empresas offshore associadas a Figueredo, que foi extraditado da Suíça para o Uruguai em dezembro último, no âmbito do escândalo de corrupção na FIFA, esclarece a BBC.