“Alguém que esteja muito ruim levanta e anda 50 minutos de bicicleta [pela manhã]?”. Assim respondeu Dilma Rousseff sobre como está o seu estado de espírito no meio da crise política que enfrenta o Brasil. Em causa está o processo de impugnação do seu mandato como presidente, que vai a votos este domingo na Câmara dos Deputados — etapa anterior à decisão final atribuída ao Senado brasileiro. Análises de diferentes meios de comunicação avançam um resultado imprevisível, com vitória para ambos os lados com uma pequena margem.
Como parte da sua estratégia para reverter o processo, Dilma Rousseff recebeu esta terça-feira no Palácio do Planalto dez meios de comunicação do país para uma entrevista de quase duas horas. Entre as publicações convidadas estavam meios assumidamente pró-impeachment, como a Folha de S. Paulo e Estadão, e anti-impeachment, como a revista Carta Capital e o site Socialista Morena. A meio de diferentes abordagens, duas descrições curiosas em comum: o pão de queijo servido ao final da conversa e a blusa preta com bolas vestida pela presidente. O Observador recuperou os dez tópicos mais importantes da entrevista.
Impeachment: “Fere a nossa democracia”
Dilma Rousseff acredita que o seu processo de destituição é uma tentativa de fazer “eleição indireta perigosíssima”.
Eu não respeito e nenhum de nós pode concordar com um impeachment sem base legal. Fere a nossa democracia, é um atalho para o poder daqueles sem voto, que não vão submeter-se a nenhuma eleição, porque não serão sequer considerados, porque não têm os requisitos necessários para se apresentar como tal. Podem porque são brasileiros natos, mas não têm capacidade de atrair apoio”, justificou.
A presidente acredita que as “pedaladas fiscais” não são motivo para a sua saída do governo. “Fui investigada, virada do avesso. O impeachment sobre uma contabilidade esotérica (todos os que me antecederam usaram, todos os governos usam) evidencia que não acharam outro motivo para tentar forçar meu impedimento. Repudio todas as tentativas de me ligar a atos que nunca pratiquei. A dificuldade é que sabem disso, sabem perfeitamente disso.”
Segundo Dilma, o processo pode marcar a história do Brasil: “Não sei se isso terá consequências imediatas, mas marcará indelevelmente a história do presidencialismo no Brasil. Os que fazem isso têm que saber as consequências do seu ato, que estão ocultas”. E denuncia: “Como presidenta tenho de fazer uma denúncia: há um estado de golpe sendo conspirado no Brasil. E tem tanto aqueles que agem a favor abertamente, como os que agem ocultamente; e tem aqueles que se omitem. Todos serão responsáveis. Não se pode supor que certos atos políticos não têm consequências”.
A votação de domingo: “Uma guerra psicológica”
Dilma Rousseff reconhece a dificuldade de conseguir os votos necessários para travar o processo de impeachment. “Acho que nós, agora, nessa reta final, estamos sofrendo, e vamos sofrer, uma guerra psicológica, que é o seguinte: que eu tenho os votos que ele não tem, eu tenho uma lista que ele não tem. Esse será um processo que tem um objetivo: construir uma situação de efeito dominó. (…) Veja que você tem situações das mais variadas possíveis, os partidos saem do governo e as pessoas ficam”. Serão necessários dois terços de votos favoráveis à destituição de Dilma na Câmara dos Deputados para que o processo avance para o Senado.
A presidente, no entanto, mostrou-se otimista baseada no resultado da votação desta segunda-feira na Comissão Especial do Impeachment, quando o parecer favorável a sua impugnação foi aprovado por 37 votos contra 28. “Acredito que nós temos todas as condições de ganhar no Congresso Nacional. Acho que o resultado que nós obtivemos na comissão, ao contrário do que foi cantado em prosa e verso, foi importante: 41,5%. Se você fizer uma projeção, dá 213 votos. Dá um desconto, ainda fica na faixa do conforto”.
Temer e Eduardo Cunha: “Chefe e vice-chefe do golpe”
“Chamei de chefe do golpe e de vice-chefe do golpe. Só não sei quem é o chefe e o vice-chefe. Vocês também não sabem. São associados. Um não age sem o outro. Aqui ninguém é ingénuo”. Assim, a presidente repetiu na entrevista a maneira como qualifica Michel Temer, vice-presidente do Brasil, e Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados.
Sobre as crispações com Temer, a situação parece irreversível.
A máscara caiu, a fantasia foi rasgada e não fui eu quem disse, é só ler as declarações, um vazamento interessantíssimo, porque nunca vi vazar para si mesmo, é algo fantástico. Foi tratado como vazamento o que não foi, era uma manifestação deliberada nunca dantes vista na história do mundo”, disse em referência à gravação do vice-presidente a proferir um discurso de eventual tomada de posse como chefe de Estado brasileiro, divulgada esta segunda-feira pela imprensa.
Contudo, as acusações mais fortes caíram sobre Eduardo Cunha. “Uma das questões mais perversas é quem preside o meu impeachment. Inequivocamente. Não só essa pessoa pratica desvio de poder como eu já disse que, ao contrário dele, eu não tenho conta no exterior. Ao contrário dele, eu não tenho nenhuma das acusações que recaem sobre ele”.
Pacto pós-impeachment: “Convido todos, querido”
Num cenário em que o processo de destituição do seu mandato seja travado este domingo, Dilma reconhece que fará uma “proposta de pacto, de uma nova repactuação entre todas as forças políticas, sem vencidos e vencedores”.
Questionada se convidaria os partidos da oposição para participarem deste pacto, foi política.
Convido todos, querido. Oposição existe. Quando eu falo que tenho que honrar meus 54 milhões de votos, estou falando só uma parte da questão. Tenho de honrar os meus votos e os outros votos. Porque os dois participaram de um processo eleitoral legítimo. Os meus 54 milhões de votos são os que me legitimam. Mas os que legitimam o processo eleitoral são todos os brasileiros: 110 milhões que saíram de casa, foram lá e votaram. Eles têm de ser respeitados também”.
A sua única condição? “Temos de olhar todos os lados do Brasil. Mas respeitar as conquistas já adquiridas”, defende.
Novas eleições: “Isso aqui é uma democracia”
Há um cenário alternativo que começa a aparecer nos meios de comunicação do Brasil: a convocação de novas eleições. Apesar de o sistema político brasileiro não prevê a realização de novas eleições presidenciais em situações de crise política ou institucional, alguns políticos defendem a solução como forma de superar a crise política.
“Não vou ficar neste momento discutindo uma hipótese [convocar novas eleições] que contraria o que eu defendo. A Constituição diz o dia que começa [o mandato presidencial] e o dia em que termina. (…) Eu não respeito… entendo que a pessoa tenha todo o direito, isso aqui é uma democracia, convivemos com esse tipo de visão diferente. A minha [opinião] não é essa, mas eu respeito”.
Reforma política: “O sistema é frágil”
A presidente mencionou diversas vezes durante a entrevista a necessidade de haver uma reforma política no Brasil.
O sistema político brasileiro hoje mostra-se muito receptivo a expedientes golpistas e inconstitucionais. Porquê? Porque ele é frágil. Nós precisamos de uma reforma política que defina em que condições se aceitará a formação dos partidos, como é que é o modelo de voto, como se dará a relação Parlamento-Executivo. Nós precisamos disso. Não é eu, não é o meu mandato. Em 2018 vão precisar disso”.
Dilma critica a fragmentação do sistema político do país em 30 partidos. “O nível de unidade dos partidos é diferenciado, variando de partido para partido, você tem varias tendências dentro de um partido, tem incidências e determinações dadas por questões regionais, por adoção de uma frente, tem frentes parlamentares diferenciadas, então supor que alguém no Brasil pode estruturar uma política sem haver uma reforma política profunda no país será muito difícil”, explica.
Crise económica: “Herança maldita”
Dilma Rousseff reconhece que a instabilidade política influencia a crise económica do Brasil. No entanto, defende a maneira como conduziu o país. “A crise económica é cíclica, primeiro atingiu os desenvolvidos e, depois, os países em desenvolvimento. E não só o Brasil. Não dá para subestimar o efeito da crise das commodities sobre a economia. No caso do Brasil, não acredito que nossas mazelas económicas se devam fundamentalmente à política anticíclica de 2009. Adiamos os efeitos de uma crise que se aprofunda”.
A presidente também argumentou sobre as críticas de que os programas de inclusão social contribuem para o aumento da dívida pública.
Estado mínimo é compatível com países desenvolvidos e, mesmo assim, alguns não fazem isso, como a Dinamarca, a Escandinávia toda. Achar que se resolvem problemas do país ignorando a quantidade de atraso, de herança maldita de anos e anos em que parte da população foi retirada dos mecanismos da riqueza é ter uma proposta totalmente dissonante em relação à realidade”.
Investigações: “Há uma razoável independência”
Sobre as investigações que a Polícia Federal realiza aos políticos do país, sobretudo no contexto da Operação Lava Jato, a presidente do Brasil elogia a atuação dos diferentes atores no processo. “Apesar de jovem democracia, há razoável independência dos poderes. Em relação ao STF [Supremo Tribunal Federal] bastante clara. Em relação à estrutura do Judiciário federal, idem. A autonomia dos ministros, a independência dos poderes e a soberania do STF é inconteste”.
Apesar de não fazer referência direta às escutas telefónicas libertadas entre a presidente e Lula da Silva, Dilma demonstrou confiança no Ministério Público Federal.
Não acredito que tenhamos no Brasil uma fragilidade no que se refere às demais instituições, porque ganharam ao longo do tempo sua própria autonomia. No caso do MPF [Ministério Público Federal], a base é a Constituição de 1988, garantindo a cada procurador a autonomia para investigar. A Polícia Federal também tem atribuição de autonomia”.
Futuro: “Se eu perder estou fora do baralho”
E o que Dilma Rousseff pretende fazer caso a Câmara dos Deputados avance com o pedido de destituição do seu mandato? “Nós lutaremos até ao fim contra este impeachment. E acreditamos que no domingo temos todas as chances de barrar o impeachment”. No entanto, caso perca a votação, admite que não vai participar do pacto anteriormente mencionado. “Olha, querida. Eu digo que, se eu perder, eu estou fora do baralho”.
A presidente não garante que possa apresentar ações no Supremo Tribunal Federal para reverter a decisão e questiona como se comportaram os meios de comunicação após a votação. “O que tem que se avaliar não são os poderes, é como se comportará a imprensa diante da continuidade? Não passando o impeachment, a ‘espetacularização’ da investigação vai continuar? Uma coisa é investigar, outra é a espetacularização, um instrumento político”.
Estado de espírito: “Não tomo remédio”
Dilma Rousseff afirmou que tem mantido a rotina, independentemente da crise política do país. “Eu durmo bem. Não tomo remédio (…) Começo a ficar com sono por volta de 10h30 da noite. Se eu achasse que tivesse feito alguma coisa para merecer tudo isso eu não dormiria à noite. Mas eu não fiz”, explica.
A presidente diminui a situação que atravessa o Brasil e diz crescer na adversidade.
Eu tenho uma grande competência quando aumenta a tensão e a minha fraqueza é quando eu relaxo. Quando eu estou muito feliz, estou muito normal, igual a todo mundo. Quando estou tensa, sou Presidente da República. Não há na história do mundo um Presidente que não tenha uma tensão”.
Dilma acredita que o país sairá fortalecido após o fim do processo de impeachment. “Na pior situação, você sempre sabia que as coisas não são estáticas, são dinâmicas, os agentes sociais agem. Enquanto tem tudo isso, eu vejo uma manifestação democrática fantástica. E tenho certeza de que, independentemente de mim, isso continuará, o país continuará avançando e a democracia se consolidando”, diz, otimista.