Para que o Estado captasse receita fiscal que não obteria outro modo, o Governo de José Sócrates criou os chamados RERT — Regime Excecional de Regularização Tributária. E Ricardo Salgado aproveitou-os logo em 2005.

O presidente do Banco Espírito Santo “repatriou” 4,3 milhões de euros que tinha depositados na Suíça, em depósitos a prazo ou aplicados em ações — -facto que é conhecido desde 2013, depois de ter sido noticiado pelo jornal i. A amnistia fiscal permitiu saber que Salgado tinha 1,8 milhões em bancos suíços: no Compagnie Bancaire Espírito Santo, e outros 2,5 milhões de euros no Kredietbank. Parte do valor depositado no Kredietbank dizia respeito à parte da comissão que o Grupo Espírito Santo (GES) recebeu do German Submarine Consortium, o tal que vendeu dois submarinos a Portugal e muita tinta fez correr. Essa comissão, no valor total de 5 milhões de euros, acabou por ser distribuída pelos cinco clãs da família Espírito Santo, depois de uma deliberação do Conselho Superior do GES.

As contas da Compagnie Bancaire e do Kredietbank eram tituladas pela Rospine International, uma offshore no Panamá propriedade de Salgado e da mulher Maria João Calçada Bastos.

O que os documentos dos Panama Papers agora revelam — e a TVI e o Expresso reproduzem em primeira mão –, é que Ricardo Salgado não declarou todo o dinheiro que tinha em offshores ao fisco português. Salgado e a mulher eram beneficiários, desde o final da década de 1990, de dois offshores, uma nas Bahamas e outra nas Ilhas Virgens Britânicas: a Eolia Holdings, criada em 1997, e a Penn Plaza Management, fundada em 2001. Estas sociedades, por seu lado, eram titulares de contas bancárias nas Ilhas Caimão e no Panamá.

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Nem a Eolia nem a Penn Plaza foram alguma vez mencionadas por Salgado nas três amnistias fiscais a que aderiu: o RERT I, de 2005, o RERT II, de 2010, e o RERT III, em 2012.

O empresário, revelam a TVI e o Expresso, utilizou as contas bancárias tituladas pelos offshore para adquirir património imobiliário em Portugal. Através da Eolia Holdings, Ricardo Salgado adquiriu, no ano 2000, um apartamento T4 duplex no condomínio de luxo Espaço Amoreiras, na esquina da Rua D. João V com a Rua Custódio Vieira, quando o empreendimento se encontrava ainda em fase de construção.

Nos Panama Papers existe uma procuração passada em nome de um administrador do BES, em março de 1999, com o objetivo de “celebrar com a sociedade GBJ – Empreendimentos Imobiliários, Lda um contrato-promessa de compra e venda”, pelo preço de 380 mil euros (76 mil contos, naquela época) “e nos termos, cláusulas e condições que melhor entender, relativo à aquisição da fração autónoma do Edifício A que vier a corresponder o andar de tipo T4 Duplex, provisoriamente identificado por A91, nos pisos nono e décimo, com uma arrecadação com o número A91, sita no piso menos dois, bem como dois lugares de estacionamento automóvel.”

Os registos prediais que a TVI e o Expresso consultaram relativos ao duplex adquirido através da Eolia Holdings permitem perceber que, entre 6 de julho de 2000 e 8 de maio de 2009, o apartamento foi detido pela Eolia Holdings, até ser adquirido pelo próprio Ricardo Salgado e, um mês depois, em junho, ser doado a um dos seus filhos: José Ricardo Espírito Santo Bastos Salgado.