Pela paz em Jerusalém, pelos maçons do Brasil, pela nação evangélica, pelos militares de 64. Pelos pais, pelos filhos e pelos netos, os que já existem e os que “estão chegando”. A votação do processo de impeachment de Dilma Rousseff durou mais de cinco horas e teve de tudo: gritos de apoio, cuspidelas, insultos e justificações um tanto ou quanto fora do guião. No final, o “tchau, querida” acabaria por vencer o “não vai ter golpe” com 367 votos a favor da destituição de Dilma Rousseff e os parlamentares festejaram como se o Brasil tivesse vencido a “Copa”. Para a história de uma noite quente ficam algumas das maiores pérolas dos deputados.

ESQUECI

[Cartoon de André Farias, ilustrador do Vida de Suporte]

A homenagem ao homem que torturou Dilma – e a cuspidela. “Durma com essa, canalhas!”

Acabaria por ser um dos momentos mais delicados da noite. Pouco antes de votar, Jair Bolsonaro, o ultraconservador que se arrisca a ser o Donald Trump brasileiro nas próximas eleições presidenciais, lembrou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-chefe do órgão de repressão política da ditadura e o único militar indiciado pela Justiça brasileira pelo crime de tortura. Foi a homenagem ao “pavor de Dilma”, diria Bolsonaro – a Presidente do Brasil, então uma jovem estudante que lutava contra o regime, foi torturada pela polícia militar.

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“Nesse dia de glória para o povo tem um homem que entrará para a história. Parabéns pelo presidente Eduardo Cunha. Perderam em 1964 e agora em 2016. Pela família e inocência das crianças que o PT nunca respeitou, contra o comunismo, o Foro de São Paulo e em memória do coronel Brilhante Ulstra, o meu voto é sim.”

Jean Wyllys, deputado do PSOL-RJ, e um dos rostos dos direitos LGBT no congresso brasileiro, acabaria por não perdoar. “Em primeiro lugar estou constrangido de participar dessa farsa, dessa eleição indireta conduzida por um ladrão [Eduardo Cunha]. Essa farsa sexista! Em nome dos direitos da população LGBT, do povo negro e exterminado das periferias, dos trabalhadores da cultura, dos sem teto, dos sem terra, eu voto não ao golpe! E durma com essa, canalhas!”

Depois da sua intervenção, Jean Wyllys foi, alegadamente, insultado de “veado”, “queima-rosca”, “boiola” e outras ofensas homofóbicas e acabou por tentar cuspir na direção de Jair Bolsonaro. No Facebook, justificou-se assim:

https://www.youtube.com/watch?v=5Rvtb9D5O68

JW

Deus está pelo “sim”

O nome de Deus foi invocado quase até à exaustão pelos deputados que foram votando a favor do processo destituição da Presidente Dilma Rousseff.

Foi o caso de Marco Feliciano, deputado do PSC-SP. “Com ajuda de Deus, pela minha família e pelo povo brasileiro, pelos evangélicos da nação toda (…) e dizendo tchau ao PT, partido das trevas, eu voto sim!”. Ou de Delegado Waldir, do PR-GO. “Pelo meu país, por Deus, por minha família, pelas pessoas de bem. O meu voto é sim! Fora Dilma, Fora Lula, fora PT!”.

Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados do país, a contas com o “Lava Jato” e o homem que, paradoxalmente ou não, está a liderar o processo de impeachment, votou ao lado do ‘sim’. Mas não sem antes deixar um apelo divino: “Que Deus tenha misericórdia desta nação”.

Glauber Braga, deputado do PSOL-RJ, tinha a resposta na ponta da língua. Se Eduardo Cunha invocava Deus, Braga lembrava o seu oposto. “O que dá sustentação à sua cadeira cheira a enxofre [disse o deputado, dirigindo-se a Eduardo Cunha]. Eu voto por aqueles que nunca escolheram o lado fácil da história. Eu voto não”.

Luiz Sérgio, deputado PT-RJ, que votou contra o impeachment de Dilma, não deixou de notar a quantidade de vezes que os anti-Dilma invocaram o nome de Deus. “Quero deixar registado que nunca na minha vida eu ouvi tantas vezes usar o nome de Deus em vão, como se fosse um panfleto”.

Mas seria o Sensacionalista, uma publicação satírica brasileira, a resumir, com ironia, os momentos que se viveram durante a votação na Câmara.

Após ser citado por todos deputados pró-impeachment, Deus será investigado pelo Ministério Público“. A brincadeira servia de título à publicação, que aproveitava para citar um delegado fictício. “Já conseguimos com o doutor Sérgio Moro mandatos para revistar os gabinetes de três desses deputados e achamos vasto material com o nome desse tal ‘Deus’, inclusive livros enormes com capa de couro. Vamos mandar para a perícia”

Pelo pai, pelo filho, pelo que vai nascer, pelo neto, pelo bisneto… pelo “fim da vagabundização remunerada”. Os argumentos dos “bons maridos”

Entretanto, o jornal brasileiro Estadão deu eco a uma lista que vai circulando nas redes sociais com os motivos mais absurdos usados pelos pro-impeachment. Houve quem lembrasse o “aniversário da neta”, os filhos “Bruno e Felipe” ou a “filha Manoela que vai nascer”. Mais completo ainda: “Pela Sandra, pela Érica, pelo Vítor, pelo Jorge, e por meu neto que está chegando”. O pai e a “mãezinha” também foram sendo lembrados.

Se Deus e a família já seriam motivos algo inusitados para justificar o processo de destituição de um Presidente do Brasil, houve quem desse largas à imaginação – e a uma chuva de confetis. O melhor mesmo é ver a lista dos motivos mais estranhos:

  • “Pelos maçons do Brasil”
  • “Pelos produtores rurais, que se o produtor não plantar, não tem almoço nem janta”
  • “Pelo fim da vagabundização remunerada”
  • “Pelos médicos brasileiros”
  • “Pelo fim dos petroleiros, digo, do Petrolão”
  • “Pelo estatuto do desarmamento”
  • “Pelo comunismo que assombra o país”
  • “Pelo setor gerador de renda, o setor agropecuário”
  • “Em homenagem ao aniversário da minha cidade”
  • “Pela paz de Jerusalém”
  • “Pelo fim da vagabundização remunerada”

https://www.youtube.com/watch?v=0c5ZNi9C0ms

Curiosamente, o deputado Wladimir Costa (Solidariedade/PA) – ou o deputado dos confetis – foi o parlamentar que mais faltou em 2015: de um total de 125 sessões, Costa não esteve presente em 105 sessões. Ou seja, só marcou presença em 20 sessões.

Perante as referências a Deus e à família como justificação para o voto, o deputado Chico Lopes, do PCdoB-CE, que votou contra o impeachment, acabou por servir-se da ironia: “Achei que vinha para uma reunião política, mas estou vendo que aqui é o encontro dos bons maridos, bons pais”. Era uma crítica ao facto de um grande número de deputados que agora votaram a favor do processo de destituição da Presidente do Brasil sob o pretexto da corrupção, estarem, alegadamente, envolvidos na mesma Operação Lava-Jato.

E Tiririca? O ex-humorista que chegou a deputado prometendo que “com Tiririca, pior do que está não fica”? As expectativas eram elevadas, atendendo ao percurso do deputado, mas Tiririca acabou por ser um dos mais discretos da noite.

https://www.youtube.com/watch?v=AAr03SPirGQ

No final, com os apoiantes do “Tchau, querida!” a vencerem a votação, os deputados anti-Dilma estavam eufóricos.

[Bruno Araújo, o deputado que deu o “sim” número 342]