Steve Turner diz que Seattle continua na moda. “Acho que há gente que ainda lá vai à procura do grunge, à espera de ver tipos de calções e botas e cabelos compridos. Os cabelos compridos já não estão na moda. Talvez os calções e as botas…” Diz-nos isto e ri-se mas sabe que não podia ser de outra maneira. “Foram anos rápidos”, recorda: “Foram rápidos mas muito intensos, para quem por lá estava e para quem ouvia a música que saía dali. É normal, a música fica associada às cidades que a geram e não há tempo que apague isso. Às vezes nem as mudanças o fazem. A Motown, por exemplo. Saiu de Detroit mas ninguém vai a Los Angeles atrás da Motown.” E atrás dos Mudhoney por causa do grunge, alguém vai? Ou esta rapaziada vive por conta própria? “Acho que conseguimos passar um pouco ao lado disso. Se calhar é por essa razão que aqui estamos.” E “aqui” é mesmo aqui, é o Porto, esta sexta, quando os Mudhoney atuarem no Primavera Sound.
[os Mudhoney ao vivo na KEXP em Seattle, em 2014]
O concerto está marcado para as 23h30 no palco ATP. Parece um detalhe mas é tudo menos isso. Steve Turner explica porquê: “Repara, não vamos tocar no palco principal. Nem sequer no palco secundário. Vamos tocar no palco alternativo, e hoje em dia nem sei bem o que essa palavra significa.” Mas para que não interpretemos isto de forma errada, o músico diz que “é assim que deve ser”. Os Mudhoney são filhos do punk, nascidos enquanto banda no final dos anos 80. Podiam ter sido uma espécie de Nirvana ou Soundgarden, que tinham mais ou menos as mesmas influências — “claro que podíamos”, confirma Steve. Mas não tinham “o que era preciso para fazer canções que chegassem a todos da mesma maneira, malta da pop ou fãs de heavy metal”. E o que é que era preciso? “Bom, além de talento e jeito para a coisa, era preciso querermos. E nós não queríamos ir por aí, nunca quisemos.”
Todos temos menos paciência, muito menos paciência. Andamos todos na casa dos 50, como calculas isto não é fácil. Podes falar nos Stones ou no Springsteen ou assim, gente com mais de 60 e 70, gente que dá concertos de três horas… Mas achas mesmo que alguém ia aguentar três horas de Mudhoney? Ninguém merece.”
É óbvio que nunca quiseram. Se estivessem interessados nisso nunca teriam feito discos como o último que deram ao mundo, Vanishing Point, de 2013. Não é preciso regressar ao clássico Superfuzz Bigmuff, o EP de 1988, ou ao brilhante segundo álbum Every Good Boy Deserves Fudge. Estado tudo bem explicado nas gravações mais recentes, porque com este gente nada parece mudar. Blues à maneira de um diabo com jeito para as guitarras; como se os Stooges ainda andassem por aí a fazer canções, a querer castigar o mundo com distorção. Tudo isto é bom mas não será a receita mais eficaz para fazer sucessos globais. “Para isso é preciso domesticar algumas arestas, é preciso saber quando ter calma e quando descarregar tudo em cima de um refrão. A verdade é que nunca pensámos nisso assim, não é a nossa maneira de trabalhar.”
Não é mesmo. Steve Turner, homem dado às guitarras, é o tipo que vai orientando as ideias dos Mudhoney, ele e Mark Arm, o líder óbvio, o vocalista, o homem das letras, da atitude, da boa safadeza. “O Mark é a banda”, conta Turner. “Na verdade, acho que todas as entrevistas deviam ser feitas com ele. Mas percebo que assim não seja. Caso contrário muita gente haveria de sofrer com o mau feitio dele, quando de repente ele já não tivesse mais paciência para falar com ninguém.” Mas se assim é, se Mark Arm é a banda, como é que tudo continua desde 1988, mais coisa menos coisa? Durante todos estes anos, nunca houve grandes mudanças, talvez a maior tenha sido a saída do baixista original, Matt Lukin, em 2001 — o mesmo que também foi fundador dos Melvins e que desde há 15 anos se dedica à carpintaria. “A verdade é que por haver um líder assumido, uma pessoa que está sempre na frente, tudo corre muito melhor. Se sabes quem manda e concordas com isso então tudo vai ser perfeito. Não é uma democracia mas é uma autoridade legítima e é isso que interessa.”
Outra vez o título do álbum de 2013, Vanishing Point. Há três anos que aconteceu e, nos entretantos, vamos andando à espera de novidades. “Não sei bem o que vai acontecer”, esclarece (pouco) Steve Turner. “Há umas coisas, há sempre umas coisas, vamos tocando e gravando e tal… mas temos muita coisa para fazer. Temos famílias, alguns de nós. E menos paciência, muito menos paciência. Andamos todos na casa dos 50, como calculas isto não é fácil. Podes falar nos Stones ou no Springsteen ou assim, gente com mais de 60 e 70, gente que dá concertos de três horas… Mas achas mesmo que alguém ia aguentar três horas de Mudhoney? Ninguém merece”. Muito bem, mas pelo menos uma horinha todos merecemos.