A Comissão Europeia pondera sancionar Portugal adiando, reunião após reunião, uma decisão definitiva sobre a matéria. É um perigo palpável. Wolfgang Shaüble, ministro das Finanças alemão, fala no risco de um segundo resgate ao país, se não forem cumpridas as regras. Sim, usa mesmo a palavra “resgate”. Esse desastre parece improvável. Mas Klaus Regling, diretor do Mecanismo Europeu de Estabilidade, assume estar preocupado com Portugal, e frisa que é mesmo só com Portugal. Que sinais vê ele em Lisboa? Isto é uma conspiração contra o Sul, ou há argumentos que deixam os líderes europeus em alerta? O país saiu do resgate em maio de 2014, mas as águas em que navega continuam perigosas.

“Claro que há riscos, em todas as vertentes”, garante Ricardo Arroja, economista, ao Observador. E não é só uma questão que tenha a ver com as sanções. Trata-se de um problema estrutural de desenvolvimento da economia que Portugal ainda não conseguiu resolver, apesar do programa de ajustamento que aplicou, sob supervisão da troika de credores — Fundo Monetário Internacional (FMI), Comissão Europeia (CE) e Banco Central Europeu (BCE).

Ricardo Arroja prefere olhar para o problema pela lupa do investimento. “É o ponto principal”, defende, explicando que a falta de investimento em Portugal reflete as suas maiores dificuldades: a falta de financiamento para as empresas, com a banca trémula, a burocracia pública, e as dificuldades de implementação dos fundos estruturais a funcionarem como entraves.

Mas há outras vertentes pelas quais se pode avaliar o desempenho do país. E todas recomendam o mesmo: cautela.

Nos corredores de Bruxelas, apurou o Observador, as preocupações vão muito para além da questão das sanções. Na última reunião do Eurogrupo, Portugal comprometeu-se a apresentar medidas adicionais de controlo orçamental (o famoso plano B) caso sejam necessárias para cumprir a meta do défice. Mas a expectativa dos comissários é que estas medidas adicionais sejam apresentadas — com ou sem sanções e independentemente do timing em que possam vir a ser aplicadas.

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Ou seja: as declarações de Schauble, Regling e Dombrovskis têm sido lidas à luz de uma hipotética posição destes líderes sobre a justeza de sancionar Portugal ou não, por ter falhado a meta de défice de 2015. Mas elas encerram preocupações bem mais profundas do que isso.

Há um mês, tocaram as campainhas em Bruxelas

O debate sobre o Orçamento do Estado deste ano entre o Governo português e a Comissão já não tinha corrido bem, mas o sinal de alerta soou na última missão dos técnicos da Comissão e do BCE a Portugal, há cerca de um mês, no âmbito da quarta avaliação pós-programa.

Os peritos já sabiam dos riscos de incumprimento da meta de 2,2% para o défice orçamental deste ano, mas foi naquela visita que tomaram consciência da quantidade de perigos que se estão a acumular. Destacam três: o comportamento do IVA — o principal imposto, responsável por cerca de 40% da coleta anual — o impacto que a redução do horário de trabalho dos funcionários públicos para as 35 horas poderá ter na despesa com pessoal, e a reposição dos quatro feriados nacionais, que reduz o PIB.

Conforme notam Luís Teles Morais e Henrique Lopes Valença, numa análise publicada no Observador sobre a execução orçamental entre janeiro e maio, “a evolução intra-anual do défice é este ano particularmente difícil de prever”. Não se sabe como a receita do IVA vai reagir à redução da taxa para a restauração, que entrou em vigor a 1 de julho. Não se sabe quanto do imposto do IRC foi efetivamente antecipado para 2015, reduzindo por isso a coleta de 2016. E também é difícil de calcular o custo que a reposição salarial para os funcionários públicos, conjugada com a redução para o horário das 35 horas, efetivamente terá.

Por enquanto, o que é possível dizer ao fim de cinco meses de execução orçamental, é que o défice está mais baixo (em 453 milhões de euros) do que o verificado no mesmo período de 2015. Mas é difícil argumentar que o ritmo da redução do défice vai suficiente: a receita fiscal e a contributiva estão a crescer abaixo do esperado no Orçamento de 2016, e as despesas com pessoal estão a crescer acima.

A estas dúvidas, os responsáveis europeus somam uma certeza: a reposição antecipada dos rendimentos das famílias vai impedir ganhos de competitividade de curto prazo. A Comissão até está otimista quanto às reformas previstas para o médio e o longo prazo, mas está preocupada com o presente. É que o fator chave para o aumento da competitividade da economia portuguesa era precisamente a desvalorização interna dos rendimentos.

A eliminação dos cortes salariais na função pública até ao final deste ano, a redução da sobretaxa de IRS e até mesmo o aumento do salário mínimo são medidas que contrariam a expectativa das instituições europeias e impedem ganhos de curto prazo. Mais: a decisão do Tribunal Constitucional que impede o corte de pensões a pagamento ainda não foi esquecida e é vista de fora como uma dificuldade adicional no ajustamento do país.

Tudo isto, num país que revela uma dificuldade persistente em crescer. Depois de três anos seguidos em recessão — entre 2011 e 2013, sendo que em 2012 a queda atingiu 4% — o regresso ao crescimento foi frouxo: em 2014, o produto interno bruto avançou 0,9% e no ano passado 1,5%.

Para este ano, já nem o ministro da Economia, Mário Centeno, confia nas projeções atuais, conforme assumiu em entrevista ao Público:

Com um crescimento de 0,2%, para chegarmos ao final do ano com um de 1,2%, é necessário alguma aceleração da atividade económica ao longo do ano”, assumiu.

Esta não é a previsão do Governo (o Orçamento foi construído com base em 1,8% de crescimento), mas sim a da OCDE, a mais baixa à data da entrevista. Entretanto, o FMI também já reviu em baixa as suas projeções, para 1%.

Por enquanto, a intervenção do BCE nos mercados, através da compra de títulos de dívida pública em mercado secundário, tem ajudado a proteger o país dos efeitos da aversão dos investidores ao risco. Mas o medo é que Portugal se esteja novamente a colocar no centro de uma tempestade, em que acontecimentos como o Brexit — ou dificuldades adicionais em mercados importantes, como é o caso de Angola e do Brasil — deixam o país em apuros.